Procurador-geral do Estado Jasson Amaral acredita que novo TRF-6 dará mais celeridade e efetividade ao caso
As empresas mantenedoras da Fundação Renova – Samarco, Vale e BHP Billinton – têm usado a entidade como blindagem para encobrir suas falhas em produzir a devida reparação e compensação dos danos causados à bacia hidrográfica do Rio Doce, com o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, há sete anos.
A afirmação é do procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral, ao comentar as decisões recentes da PGE em judicializar (ou rejudiciaizar) o caso, após o insucesso do esforço de repactuação liderado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), anunciado no início de setembro.
“A Fundação Renova foi criada com propósito de trazer governança ao processo reparatório e compensatório, mas nunca funcionou nesse sentido, e sim como uma espécie de blindagem pra as empresas causadoras do dano ambiental. Elas usaram esses anos todos a Renova como escudo, para evitar danos à sua imagem. Tudo o que deu errado, as empresas se esquivaram, se blindaram, através da Fundação Renova”, ressaltou.
O Estado do Espírito Santo, juntamente com Minas Gerais e a União, impetrou talvez a primeira ação judicial referente ao crime, conta o procurador-geral. “Foi no valor de R$ 20 bilhões. Depois, o MPF [Ministério Público Federal], com a de R$ 155 bilhões. E existem milhares de ações individuais. Por conta da Carta de Premissas assinada no âmbito da repactuação liderada pelo CNJ, as duas ações tiveram andamento suspenso. Agora, com a comunicação do encerramento das tratativas, voltaremos a peticionar nessas ações”.
Entre as petições que a PGE planeja impetrar, está o pedido de intervenção judicial da Fundação Renova e de acesso aos dados sobre os resultados que ela alega ter alcançado. “Já existe hoje uma ação proposta pelo MPMG [Ministério Público de Minas Gerais] que pugna a extinção da Fundação Renova. Ela tem sede lá, então tem que vir de Minas. Nós concordamos e faremos pedidos ao Poder Judiciário para que a ‘caixa preta’ da Renova seja aberta, com transparência na divulgação dos números. Também pediremos intervenção judicial, com afastamento da atual diretoria e nomeação de alguém de confiança do juízo para tocar as ações que a Renova ainda vai implementar”, anunciou.
Nesse sentido, ele reconhece que uma referência importante é o caso Brumadinho, também de responsabilidade da Vale, ocorrido três anos depois de Mariana. “Um dos modelos de acordo é Brumadinho. A gente não quer mais essa centralidade da Renova nos processos reparatórios, porque não está servindo aos propósitos a que foi criada”.
Outra demanda a ser judicializada é a inclusão dos municípios do litoral norte capixaba nos programas de reparação e compensação. “Nessa semana ainda, haverá pedido para que os municípios do litoral norte capixaba sejam incluídos nos programas de recuperação a cargo da Fundação Renova. Não necessariamente para que ela faça esses programas, porque nós não confiamos nela, mas que eles recebam esses títulos”.
A falta de acesso das comunidades atingidas de São Mateus e Conceição da Barra às medidas dedicadas às localizadas entre Linhares e parte da Serra, acentua Jasson Hibner Amaral, é “mais uma deficiência no processo reparatório”.
A inclusão desses municípios já foi determinada em 2017 pelo Comitê Interfederativo (CIF), instância criada junto com a Renova – pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado pelas mineradoras com a União e os estados do Espírito Santo e Minas Gerais – mas até hoje não cumprida. “A Renova não se satisfaz com as deliberações do CIF e as judicializa para não cumpri-las”, repudia.
Para além do impacto financeiro que tais medidas impõem as empresas criminosas, está o impacto sobre sua reputação. “Ela judicializa todas as decisões do CIF e assume uma conta que deveria pesar na imagem das empresas. Por trás de todas essas impugnações e falta de efetividade, estão os três devedores, as empresas”.
Justiça britânica
Além da justiça brasileira, o Estado também anunciou interesse em recorrer à Corte britânica. “É óbvio que temos o maior respeito pelo Poder Judiciário, queremos que as soluções aconteçam no nosso país, mas o que a gente percebe é que as empresas, principalmente a BHP, porque não tem atividade no Brasil, despreza a dimensão do dano que causou e parece que só teme a Justiça da sua sede, que é o Reino Unido. Por isso abrimos os olhos para a possibilidade de litigar lá”, conta, ressaltando que será a primeira vez que o Estado vai acionar a justiça de outro país contra uma empresa, o que vai requerer um detalhado estudo para elaborar as melhores peças e estratégias.
“Não vejo nenhum obstáculo intransponível do ponto de vista jurídico, mas a gente tem que estudar o que vamos pedir. Porque já há pedidos feitos na Justiça brasileira. Existem questões de procedimentos para estudar. Aqui, quem subscreve as peças é a PGE, nós representamos, segundo a Constituição Federal, o Estado do Espírito Santo. Lá, precisamos nos associar ao escritório [Pogust GoodHead (PG), que já tem o aceite da Corte para tramitar com o processo contra a BHP]”.
As petições do Estado, explica, devem ser anexadas ao processo que já existe, pulando a etapa do aceite da jurisdição, que ocorreu para os municípios e outros atingidos defendidos na ação. Entre os danos a serem listados, Jasson cita a perda de arrecadação do Estado com a paralisação das atividades da Samarco – a mineradora contribuía com 3,3% a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) capixaba –, a poluição ambiental, os problemas de saúde na população e os prejuízos às economias regionais atingidas, além de dano moral coletivo.
Novo Tribunal Federal
Com a instalação de um novo Tribunal Regional Federal, da Sexta Região, ressalta o procurador, a tendência é de que haja mais celeridade e efetividade do Judiciário em tratar dos milhares de processos relativos ao crime. O TRF-6 foi criado há um ano, por um desmembramento do TRF-1, e instalado em meados de agosto, com sede também em Belo Horizonte.
“Ele vai cuidar especificamente dos processos do desastre de Mariana. Todos os recursos agora serão julgados pelos desembargadores federais da nova sexta região. Quando há divisão de um Tribunal, o que se visa é ganho de eficiência. Deixamos de ter um tribunal grande e teremos dois tribunais com jurisdição mais reduzida e melhor capacidade de atender às demandas. Acredito que essa cisão pode permitir mais efetividade e celeridade no andamento processual”.
Desrespeito
A decisão de encerrar sem acordo o processo de repactuação, reforça Jasson Hibner Amaral, foi tomada pelos estados do Espírito Santo e Minas Gerais e as instituições de Justiça, em função da inviabilidade dos prazos e valores propostos pelas mineradoras.
O valor total do acordo foi estabelecido em R$ 112 bilhões. Desse total, a Fundação Renova alegou que já havia gasto R$ 24 bilhões – “mas ainda não comprovou esse gasto”, acentua o procurador – e precisaria de mais um valor para terminar alguns programas que ainda ficariam a cargo da Fundação Renova. Existe ainda um valor que seria alocado em um fundo emergencial para cobrir danos extras em casos de cheia e problemas de saúde e de abastecimento de água.
Descontando esses três valores, diz, sobrariam R$ 65 bilhões que seriam divididos entre os três entes –União e estados – para fazer todas as políticas públicas de desenvolvimento econômico e social e proteção ambiental, além do pagamento direto aos atingidos. “A distribuição entre os governos seria de acordo com as obrigações de fazer que cada um assumiria, incluindo programas de reflorestamento, investimento em equipamentos de saúde pública… assim, o Espírito Santo, grosso modo, ficaria com uma fatia de aproximadamente R$ 19 bilhões.
Além do baixo valor, o prazo proposto foi demasiado estendido: ao longo de trinta anos. Diante da negativa dos entes, uma segunda proposta foi de vinte anos de desembolsos, com fluxo de pagamento que colocaria 30% do valor nos últimos cinco anos.
“Depois de mais de 260 reuniões, e as empresas terem assinado uma Carta de Premissas no início das tratativas, em que as partes se comprometeram em envidar os melhores esforços e celeridade para um acordo, elas fazem essa proposta. É inaceitável! Houve um verdadeiro tsunami de rejeitos tóxicos, lançado por mais de 600 km ao longo do Rio Doce até o mar, que deixou milhares de pessoas sem atividade econômica. E depois de sete anos de total inefetividade das ações de reparação dos atingidos e do meio ambiente, nem compensação do que não pode ser reparado, as empresas vêm dizer que precisam de mais vinte anos para compensar esse dano gravíssimos!”, exclama.
A situação, afirma, foi inusitada. “Nos sentimos desrespeitados, traídos mesmo, por conta dos compromissos assinados, e fomos obrigados a recusar essa proposta. Porque o poder público e as instituições de Justiça não podem chegar para essas milhares de pessoas atingidas, muitas que estão recebendo aluguel social, e dizer que vai levar mais vinte anos para terem suas casas que foram destruídas”.