Informações do jornal O Globo divulgadas nessa sexta-feira (2) apontam que o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) investiga o repasse feito pelo programa Pátria Voluntária, presidido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, a uma organização não-governamental que atuou no caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio em São Mateus, norte do Estado, submetida a um aborto legal. Segundo O Globo, o pedido foi feito porque o Arrecadação Solidária, um dos braços do programa, teria repassado R$ 14,7 mil à entidade.
As informações foram solicitadas pela Promotoria da Infância e Juventude de São Mateus. Os repasses, como afirma a reportagem, foram encaminhados à Associação Virgem de Guadalupe, em São José dos Campos, São Paulo, presidida pela assistente social Mariângela Consoli, que viajou para São Mateus para se encontrar com autoridades locais e tentar impedir a interrupção da gravidez da criança, caso que envolveu a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. A Promotoria investiga “a origem do vazamento da identidade e as supostas tentativas de impedir que ela fosse submetida ao aborto legalizado”, informa O Globo.
O jornal destaca que o dinheiro foi repassado à entidade pela Fundação Banco do Brasil (FBB), responsável pelo direcionamento dos recursos do projeto às entidades escolhidas, e que, em seu site, “a Associação se apresenta como uma entidade ‘pró-vida’ e contra o aborto”. Além disso, afirma o jornal, sua presidente já elogiou publicamente em suas redes a bolsonarista Sara Winter, que divulgou na internet o nome da menina de São Mateus e incitou que extremistas fossem ao hospital, em Recife, Pernambuco, onde a interrupção da gravidez da criança seria feita.
O MPES ajuizou em agosto ação civil pública contra Sara Winter, com pedido de pagamento de indenização a título de dano moral coletivo no valor de R$ 1,32 milhão. Segundo informações do processo, a extremista teve acesso aos dados de forma ilegal e, além de ter divulgado, conclamou por meio de vídeo nas redes sociais, com aproximadamente 66 mil visualizações, que seus seguidores se manifestassem na frente do hospital, “em frontal ofensa à legislação protetiva da criança e do adolescente”. O valor pedido a título de indenização deve ser revertido ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente.
A comitiva enviada por Damares ao município para tentar impedir o aborto da criança, como divulgado recentemente na imprensa nacional, contou ainda com a participação de Alinne Duarte de Andrade Santana, coordenadora geral de proteção à criança e ao adolescente da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Wendel Benevides Matos, coordenador geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, e mais dois assessores. Do Espírito Santo, participou o deputado estadual Lorenzo Pazolini (Republicanos).
MPF quer garantia de realização de procedimento
Nessa sexta-feira (2), o Ministério Público Federal (MPF) no Espírito Santo ajuizou ação civil pública pedindo que a União e o Estado implementem, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ao menos um serviço de referência para a realização do procedimento de interrupção de gravidez nas situações em que o procedimento é permitido por lei. O órgão ministerial quer que a Justiça determine prazo de 30 dias ao processo de contratação/nomeação de profissionais nas especialidades necessárias à realização de abortamento após as 22 semanas de gestação, em pelo menos uma unidade hospitalar, preferencialmente na Capital.
No mesmo prazo, o MPF pede que seja realizada a aquisição dos equipamentos hospitalares necessários à realização de abortamento após as 22 semanas de gestação. Além disso, que seja imposto de forma imediata aos réus a observância do dever de sigilo em relação aos nomes e todas as informações pessoais e os dados clínicos relativos às mulheres, às adolescentes e às crianças que procurem acolhimento e atendimento nos serviços públicos de saúde, prestados em território capixaba, voltados às vítimas de violência sexual, desde a primeira abordagem.
Além disso, que determine, liminarmente, ao Estado, a criação de um sistema de regulação específico ou a inclusão no sistema já existente, que garanta o direcionamento imediato de mulheres, adolescentes e crianças que optem pelo abortamento nas hipóteses permitidas em lei, independentemente da idade gestacional, garantindo-lhes o devido sigilo e a celeridade na realização do procedimento. O MPF pede, também, que a Justiça determine multa no valor mínimo de R$ 5 milhões no caso de não atendimento dos pedidos.
A iniciativa do MPF foi motivada pela recusa do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam) de interromper a gravidez da menina de São Mateus, alegando falta de “capacidade técnica para fazer o procedimento”, o que foi contestado por especialistas e coletivos de mulheres, apontando para omissão da unidade e convicções religiosas.
Um estupro a cada 18 horas
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, em 2018, no Espírito Santo, observou-se um estupro a cada 18 horas. Estudos evidenciam que há um enorme índice de subnotificação de violência desse tipo, por diversos fatores, como medo e vergonha, uma vez que 72% dos casos são de vítimas de até 17 anos e cerca de 70% dos agressores são parentes ou pessoas conhecidas da família.