Pesquisadoras avaliam necessidade de “pressão social e midiática” para garantir implementação da Lei Maria da Penha
A Justiça concedeu medidas protetivas para duas mulheres acompanhadas pelo Projeto Fordan, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e cuja demora na concessão da ordem judicial foi denunciada em Século Diário.
Após a publicização dos dois casos, no Simpósio de 15 anos do Fordan e na reportagem, as vítimas conseguiram a ordem judicial prevista na Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), cessando o processo de “revitimização” ou “violências sobrepostas”, debatido pelos especialistas presentes no evento.
Apresentadas com codinomes relativos à Lei Maria da Penha no simpósio acadêmico e neste jornal, Maria Vitória e Maria Joana relataram também o crime de homofobia, visto que ambas são LGBTQIA+. Maria Joana conseguiu a medida protetiva combinada com pena de multa em caso de desobediência da manutenção na posse do imóvel que recebera de herança.
“Foi um avanço, porque elas são mulheres gays violentadas por parentes. Mesmo que não conste nos documentos, é uma vitória”, avalia Rosely da Silva, coordenadora do Fordan, destacando que casos de negação desse direito legal, acrescidos de homofobia ou não, são recorrentes no projeto e nas delegacias, sendo necessário o envolvimento de toda uma rede de instituições, estaduais e nacionais, para vencer entraves de interpretação da lei, corrompidos por uma misoginia e homofobia ainda muito presentes no Judiciário capixaba e brasileiro.
Interpretações que perpetuam e potencializam a violência sofrida cotidianamente por milhares de mulheres. É o caso de Rosemery Casoli, também acompanhada pelo Fordan, que recebeu, de “presente da Justiça”, mais um agressor, para além do ex-marido: o cunhado, irmão e advogado do primeiro agressor. “Ao negar a medida protetiva até hoje, mesmo diante das agressões do ex-marido e do cunhado, a Justiça coloca a vida de Rosemery em risco”, assinala Rosely.
Com a coordenadora do Fordan concorda a investigadora feminista e professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM/UFBA) Vanessa Cavalcanti: “Em casos de violência de gênero, os dados revelam que o tempo de ‘espera’ e o tempo da Justiça podem fragilizar ainda mais as relações e as tensões existentes. Rosemery é um desses casos, em que as violências sobrepostas aparecem, somando as já vividas em esfera relacional e sendo acrescidas de ineficiência, desproteção e novas tipologias de violência (incluindo as institucionais). A Lei Maria da Penha tem bons instrumentos e argumentos, mas se não aplicados no processo imediatamente, abrem chances de agravamento”, explana.
O termo “violências sobrepostas”, explica, refere-se a situações como o de Rosemery, em que a Justiça ainda não a reconhece como vítima, o que resulta na ineficácia do Judiciário e desproteção da vítima, uma violência que se soma às anteriores, numa crescente. “Em muitos casos, é preciso fazer forte pressão social e midiática para garantir a proteção das mulheres que sofrem violências sobrepostas”, expõe Vanessa.
“Há também uma ‘cultura jurídica’ e um tempo que não acata a urgência necessária”, complementa, citando ainda a falta de uma secretaria estadual de política para mulheres. “Agrava, pois os casos ficam restritos ao Judiciário. Na atual conjuntura, o fechamento de secretarias também agrava o quadro”.
Na denúncia, ela conta que o advogado, “doutor José Cassimiro, ao exercer a sua profissão, tem cometido violências verbais, psicológicas e físicas”, conforme “foto e vídeo comprobatórios de algumas das violências por ele cometidas, bem como o Termo de Audiência de Custódia realizado no dia 22 de setembro, após o citado advogado ter sido detido na Delegacia da Mulher de Vitória/ES”.