A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da Coordenação de Fiscalização e da Corregedoria Geral, se pronunciou sobre a tentativa da seccional capixaba de impedir que os sindicatos prestem assessoria jurídica para os trabalhadores. O documento, com base nas postagens das redes sociais da OAB-ES sobre o tema, afirma tratar-se de um parecer “opinativo e orientativo, visando elucidar algumas controvérsias de atuação dos órgãos de fiscalização da OAB”, e aponta que os sindicatos podem oferecer assessoria jurídica, mas não “estender suas atividades advocatícias em matérias estranhas aos interesses da categoria”.
Além dos posts, que já foram retirados do ar, a OAB-ES, por meio da Comissão de Fiscalização e Combate ao Exercício Ilegal da Advocacia, está notificando sindicatos de trabalhadores com o intuito de impedir que prestem assessoria jurídica para os filiados.
Até agora, foram notificados os sindicatos da Indústria da Construção Civil; dos Servidores e Funcionários Ativos e Inativos da Câmara e Prefeitura Municipal de Vila Velha; dos Petroleiros; dos Comerciários, além da Associação dos Militares da Reserva, Reformados, da Ativa da Polícia Militar; do Corpo de Bombeiros Militar; e Pensionistas de Militares do Estado do Espírito Santo (Aspomires). Também foram notificadas associações empresariais: a Associação Capixaba das Empresas de Vistoria de Veículos (Acevive) e a Associação Comercial e Empresarial do Espírito Santo.
Na notificação, a Comissão da OAB, comandada pelos advogados Bruno Milhorato Barbosa e Baltazar Moreira Bittencourt, com autorização do presidente, José Carlos Rizk Filho, pede que a entidade notificada “(…) se abstenha de divulgar e praticar ato privativo da advocacia, direta ou indiretamente, por si e/ou terceiros, retirando tais atividades de seus materiais publicitários, sites, termos de afiliação/associação, não retenha honorários advocatícios, nem indique advogados ‘parceiros’ a seus afiliados, bem como que realize alteração em seu estatuto excluindo qualquer menção de serviços privativos da advocacia”.
Em uma das postagens em suas redes sociais, a entidade afirma que sindicato não pode contratar advogado ou sociedade de advogados, pois o artigo 4º da OAB diz que “é defeso ao advogado prestar serviços de assessoria e consultoria jurídicas para terceiros, em sociedades que não possam ser registradas na OAB”.
A OAB nacional sugere que o texto seja modificado para “a atuação dos advogados dos departamentos jurídicos dos sindicatos, sejam prestadores de serviços autônomos ou com vínculo empregatício, deve se restringir aos interesses coletivos ou individuais da categoria profissional, nos termos do inciso III, do artigo 8º da Constituição Federal”.
No post em que a OAB-ES diz que sindicatos não podem dar orientações jurídicas gratuitas aos necessitados, pois se trata de consultoria, “e o art. 1º, II estabelece como atividade privativa da advocacia, citando que o parágrafo primeiro do art. 31, do Código de Ética e Disciplina da OAB, expressamente proíbe referências relativas à gratuidade de honorários”, a OAB nacional sugere que “cabe ao sindicato assessorar somente aos seus filiados e, nesses casos, independente da condição econômica do assistido nos limites da sua atuação”.
As sugestões feitas têm como base o fato de que “as organizações sindicais têm como objetivo a proteção dos interesses coletivos e individuais da categoria”, entre eles, “a prestação de assistência judiciária aos membros da categoria, a assistência nos pedidos de demissão e na homologação das verbas rescisórias e, por sua vez, os interesses coletivos são metaindividuais, pois vão além do indivíduo, e abarcam os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”.
O documento explica que o artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define as prerrogativas dos sindicatos, podendo estar classificadas nas seguintes funções: de representação, negocial, assistencial, parafiscal, econômica e política. A primeira função dessas entidades, diz a OAB nacional, é de representação, nos planos coletivo e individual, “pois lhe cabe atuar como intérprete das pretensões do grupo que representa, no plano individual o sindicato desempenha sua função representativa participando de processos judiciais e prática de atos homologatórios de rescisões, por exemplo”.
É informado ainda que os sindicatos atuam em diversas dimensões, entre elas, a judicial, “por meio da qual atuam na defesa dos interesses dos seus filiados e da categoria por eles representada, seja através de dissídios individuais seja por meio de dissídios coletivos, instaurados com a finalidade de resolver conflitos jurídicos ou de interesses econômicos”.
Ainda em relação à CLT, são mencionados os artigos 514, que prevê que é “dever do sindicato a manutenção de serviços de assistência judiciária para os associados”, e 791, que “regula a possibilidade do empregado de ser representado pelo sindicato, bem como a reclamação trabalhista poderá ser apresentada pelo sindicato, nos termos do art. 839, além de várias outras possibilidades de atuação do sindicato regradas pelas CLT”.
A Constituição Federal também é destacada, pois em seu artigo 8º, inciso III, estabelece que “os sindicatos, por meio de seus advogados, sejam eles empregados, autônomos ou escritórios contratados, podem prestar serviços jurídicos aos seus filiados nos limites legais, com atuação voltada para os interesses coletivos ou individuais da categoria”. O documento remete ainda à Lei Federal nº 5.584/70, em seu artigo 145, que estabelece que “a assistência judiciária prevista na Lei nº 1.060/50, perante a Justiça do Trabalho, será prestada pelo sindicato da categoria profissional”.
Diante disso, conclui-se que “resta induvidoso de que a Constituição Federal e legislação extravagante, disciplinando acerca dos direitos sociais, constituíram como dever dos sindicatos a defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria”, mas é alertado que “há limites para atuação/patrocínio dos sindicatos, de forma a não englobar defesas jurídicas de interesses particulares que fogem da pertinência temática em relação às suas finalidades institucionais”, não devendo “estender suas atividades advocatícias em matérias estranhas aos interesses da categoria, de modo a evitar constituição de captação de clientela”.
Indignação
A atitude da OAB-ES gerou indignação nas entidades sindicais. O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Vila Velha (Sinfais), Ricardo Aguilar, afirma que os sindicatos têm se mobilizado. “Estamos tentando resolver da melhor forma, no diálogo, e nos reunindo com sindicatos de todo o Espírito Santo, federações e centrais. Se o diálogo não resolver e for realmente necessário, iremos declarar oposição explícita contra a atual gestão da OAB-ES, mais especificamente na pessoa do senhor presidente José Carlos Rizk Filho”, ressaltou.
Ricardo faz uma série de questionamentos: “o que eles querem fazer? Uma espécie de reserva de mercado? Têm medo de concorrer com o serviço de qualidade que é prestado na assessoria jurídica pelos sindicatos? Estamos também dispostos a sugerir a retirada de apoio dos sindicatos, dos trabalhadores e seus familiares aos candidatos apoiados pelo atual presidente da Ordem. Pedir a todos trabalhadores que não votem nesses candidatos”.
O presidente do Sinfais destaca ainda que os advogados que não concordam com a atitude da OAB/ES devem se manifestar. “A OAB/ES deve se preocupar em ajudar os mais necessitados e não o contrário”, critica.
Nota de repúdio
As centrais sindicais divulgaram nota em que manifestam “repúdio à postagem realizada no dia 2 de agosto de 2022, nas redes sociais da OAB/ES, a qual evidencia o rompimento da Ordem com a democracia e valores democráticos!”. Assinaram a nota a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, Nova Central, CSP Conlutas e Central Única dos Trabalhadores no Espírito Santo (CUT-ES).
Além de mencionarem parte da legislação citada no documento da Coordenação de Fiscalização e da Corregedoria Geral da OAB nacional, as entidades afirmam ser “inacreditável que a Ordem dos Advogados do Brasil, subseção Espírito Santo, que até outro dia era incansável defensora dos valores constitucionais, desconheça os dispositivos acima citados! Desta forma, deixa o repúdio à tentativa de calar a voz dos únicos legítimos representantes dos trabalhadores! Fazendo este destaque, porque o post foi discriminatório contra as entidades representativas de categorias profissionais, não fazendo qualquer menção às representações econômicas”.
As centrais também afirmam que as entidades sindicais representativas dos trabalhadores “sofrem intenso ataque, nos últimos anos, inclusive por diversos poderes e instituições constituídos. A constante retirada de direitos da classe trabalhadora, sobretudo, com a vigência da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), a precarização das relações de trabalho com a terceirização irrestrita e a crescente redução protetiva dos direitos sociais favorecem o surgimento de uma nova classe denominada precarizado, caracterizada pela relativização das garantias mínimas existentes”.
O texto prossegue: “O sindicato é uma das únicas instituições constituídas que confere proteção, garantias, conquistas e assistência aos trabalhadores(as), sendo inadmissível o ataque realizado pela OAB do Espírito Santo! A postagem revela, ainda, prática claramente antissindical, pois interfere no exercício da atividade sindical, além de prejudicar, dificultar e impedir a organização, a administração, a ação sindical, resultado em grave lesão à liberdade e autonomia sindicais”.
Além disso, as centrais dizem que a postagem da OAB-ES é “um rompimento da instituição com a defesa dos direitos sociais democráticos, com a democracia, alertando que os trabalhadores da base de cada entidade desta central serão cientificados quanto à investida contra direitos fundamentais e sociais básicos, como o de informação e defesa de direitos fundamentais do trabalho, além do acesso à justiça!”.