TJES julga embargo da mineradora questionando perícia que mostra lucro acumulado até 2016 com o invento
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) julga, nesta segunda-feira (14), um embargo de declaração impetrado pela Vale, questionando o resultado da perícia judicial que aponta um lucro acumulado de 5,5 bilhões de dólares com a implementação de uma invenção criada por um de seus empregados do chamado “chão de fábrica”. Segundo a legislação brasileira, metade desse valor deveria ser pago ao inventor.
Foi em 1991 que o técnico mecânico industrial José Carlos Olindino, hoje com 66 anos, conseguiu criar uma comporta que reduziu a mão de obra e o tempo necessário para o transporte de minérios de ferro para o forno de pelotização, chamado “acionamento pneumático de travamento de giro da comporta de troca de carros grelha”. Um capítulo glorioso e derradeiro na sua carreira dentro da maior mineradora do país, onde prestou serviços desde 1977.
O invento permitiu reduzir custos e aumentar a produtividade da unidade fabril. A invenção foi patenteada apenas em nome da Vale, que, desde então, segundo ele, nunca lhe pagou um único real pelos dividendos acumulados. “O invento funciona na empresa há mais de duas décadas e até hoje, sendo excelente, original e insubstituível, pois se assim não fosse, a Vale já teria montado outro mecanismo, com outra inventividade no seu lugar”, sublinha a defesa de José Olindino, refutando alegações que tentam reduzir a importância do evento para o balanço financeiro da empresa.
A validade da perícia que aponta essa situação esdrúxula, bem como a verificação da morosidade da Vale em entregar os documentos solicitados no processo, foi decidida em meados de 2021 pelo desembargador Robson Luiz Albanez – hoje afastado pela Justiça – , da 4ª Câmara Cível do TJES, relator do julgamento do Agravo de Instrumento – nº 0022178-42.2018.8.08.0024 – que a mineradora interpôs para tentar desqualificar os estudos e conclusões.
Foi quando só restou a empresa lançar mão de um embargo de declaração, que será julgado pela Corte capixaba. Porém, ao invés de simplesmente pedir esclarecimentos sobre a decisão, finalidade original desse recurso jurídico, o embargo em questão questiona a validade da perícia, alegando que o valor do lucro obtido com a invenção está superestimado, pois o perito não teria tido acesso a dados exatos do fluxo financeiro da empresa, entre outros argumentos.
A defesa de José Olindino afirma que, durante todo esse tempo, está explícita “a conduta procrastinatória da empresa, evidenciada claramente ao não colaborar com a justiça, ao não entregar a documentação solicitada, ao questionar a prova, ao pedir dilação do prazo, ao dizer que não possui os documentos, ao não apresentar laudo discordante e tampouco proposta sobre a verdade”.
Assim, é “desnecessária a realização de nova perícia após longos anos de tramitação do processo, especialmente porque a Vale S/A, de forma reiterada, deixou de apresentar documentos para realização do primeiro trabalho pericial” e “não tem qualquer interesse na resolução desse processo, [visto que] sempre descumpriu os comandos exarados, nunca atendeu as solicitações do Senhor Perito para viabilizar o término da perícia e nunca obedeceu às determinações judiciais”.
Documentos, ressalta, que são de circulação interna e “de fácil obtenção, elaboração e apresentação pela Vale”, mas que “foram dolosamente sonegados pela empresa”.
A defesa do ex-funcionário diz ainda que “a postura dolosa da Vale em relação aos documentos solicitados foi a seguinte: primeiro se recusou a entregar os documentos solicitados, num segundo momento pediu mais prazos para atender às determinações judiciais e a despeito da advertência judicial (…) [e], ao final, declarou ao final que não tinha a documentação exigida”.
Apesar das negativas, expõe, “a perícia foi concluída não com base em presunções, mas fundada em documentos produzidos pela própria Vale (não impugnados), mas não entregues pela própria, balanços, relatórios, fotos, inspeção local…os sonegados foram obtidos em razão da sua apresentação pública de resultados por ser uma S/A e estar listada em Bolsa. São documentos disponibilizados ao público, em seu site e jornais, pois de interesse dos sócios e do mercado financeiro”.
Segundo essa pesquisa em declarações oficiais da empresa, “a distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio da Vale apenas em 2020 foi de R$ 45,2 bilhões” e que, portanto, “o valor apurado pela Perícia não chega à metade desse montante distribuído aos acionistas em um ano, muito menos corresponde ao devido ao embargado, sendo que o proveito apurado corresponde a quase três décadas do uso do invento, com o lucro todo absorvido pela Vale. Todo mundo enriqueceu, menos o inventor que deu a sua vida pelo invento”.
Os dados, prossegue a defesa, contrariam frontalmente as alegações da mineradora. “Em mais uma estratégia de tentar causar perplexidade, a Vale (..) vem repetir uma enorme inverdade, de que o valor alcançado pela perícia corresponde a 22% do seu valor de mercado, que seria por volta de R$ 90 bilhões. A informação é inverídica, notadamente o valor da empresa chegará este ano a aproximadamente R$ 900 bilhões, ou seja, 10x mais do que o sugestionado no aclaratório”.
O caso foi relatado nesse sábado (12), na coluna de Matheus Leitão na revista Veja. “O processo se arrasta desde 2007. A Produção Antecipada de Provas, fase inicial de um processo como esse e de essencial celeridade para que as evidências e provas não desapareçam com o tempo, deveria durar de seis meses a não mais do que um ano. Levou quase 15 anos”, destacou o jornalista.
“O recurso da Vale, se aceito, pode fazer o processo voltar à estaca zero”, salienta. “Porém, os embargos de declaração interpostos pela Vale não cabem para rediscutir o que já foi decidido e invalidar a perícia técnica nessa fase, servem apenas para esclarecer dubiedades da decisão anterior”, acrescenta, evidenciando o mau uso, pela mineradora, do embargo de declaração, e alertando os desembargadores para que não caiam na armadilha.
A postura da Vale nesse caso encontra uma coerência cruel com a postura que a empresa adota contra seus empregados, denunciada pela Sindicato dos Ferroviários do Espírito Santo e Minas Gerais (Sindfer): demissões em massa, redução da Participação em Lucros e Resultados (PLR), “barganhas” para evitar ações trabalhistas e até negativa em conceder auxílio-alimentação, mesmo diante de lucros bilionários crescentes distribuídos aos acionistas.