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Violentada desde bebê por genitora e padrasto, menina clama proteção à Justiça

Muito machucada, ela obteve autorização temporária para viver com a família paterna e luta pela guarda definitiva

A reportagem não cita os nomes da genitora e do padrasto, e demais adultos ligados à vítima, para resguardar sua identidade, assim como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Arquivo Pessoal

Aos 13 anos de idade, a adolescente retratada nesta reportagem acumula dez anos de estupros, espancamentos, xingamentos e outras agressões físicas e psicológicas cotidianas, proferidas pela própria genitora e o padrasto. Violência doméstica que vem sendo potencializada pela violência institucional praticada pela Justiça da Serra e de João Neiva, no norte do Estado, bem como pelo Conselho Tutelar deste município.

Em seu conjunto, essas instituições lhe têm negado seu clamor por viver com a família paterna e a enviado para abrigos públicos, onde ela foi submetida a agressões e vulnerabilidades que resultaram em novo estupro e, por fim, a fuga para a rua, onde, apesar da fome, da sujeira, do frio, do medo e das violências sofridas, ela se sentiu menos ameaçada do que dentro da casa da genitora ou dos abrigos.

As denúncias constam na solicitação encaminhada pelo Fordan, Programa de Extensão e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a entidades de âmbito estadual e nacional: à Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); à presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), advogada popular Marina Dermmam; à responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), juíza Hermínia Azoury; à coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública Estadual (DPES), defensora Maria Gabriela Agapito; e à coordenadora do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa do Direito das Mulheres do Ministério Público Estadual (Nevid/MPES), promotora Cristiane Esteves Soares.

A solicitação é assinada pela coordenadora-geral do Fordan, professora Rosely Pires, e pelos advogados Cristiana Ribeiro da Silva e Arthur Bastos Rodrigues, da equipe jurídica do programa, e pede urgência na apuração e providências, denunciando a revitimização sofrida pela adolescente em função de “determinações arbitrárias da promotoria e juiz da Vara de João Neiva”, sendo necessário “revogação das medidas contra a tia paterna, garantindo a guarda da menor para o genitor”.

O documento arrola os nomes do juiz da Vara de Família de Serra, Bernardo de Alcuri de Souza, que determinou o afastamento da adolescente de sua tia paterna, a quem ela chama de mãe e com quem deseja morar – e internação em abrigo público -, bem como do promotor de Justiça Fábio Halmosy Ribeiro e do juiz Gustavo Mattedi Reggiane, ambos de João Neiva, que insistem na reintegração da adolescente à família materna, após sua fuga do abrigo e, como consequência, as novas “violências físicas e sexuais” sofridas. E cita ainda os nomes dos abrigos por onde ela passou, no município da Serra: CAP [Casa de Acolhimento Provisório] em Planície da Serra; e Projeto Vida, em Laranjeiras.

Arquivo Pessoal

‘Ela me estraçalhava todinha’

Os fatos foram também narrados ao Século Diário pela própria adolescente, em entrevista concedida em companhia da “tia-mãe”, na manhã desse domingo (16). Foram horas de relatos intensos de violências domésticas e institucionais que marcam sua vida desde os três anos de idade.

“Eu conheci meu padrasto em 2013. Minha genitora tirou ele da cadeia e disse que era o meu pai e que o homem que tinha me registrado como pai e que morreu, só tinha me registrado porque queria, mas meu pai era o padrasto. Eu tinha uns três anos quando isso aconteceu. Desde então, ela começou a me obrigar a chamar esse homem de pai, que eu nem conhecia. Desde criança ele fazia brincadeira comigo, de tirar minhas peças íntimas e colocar no rosto dele e ficar fazendo bolinha com a língua nas minhas partes íntimas e eu sentia cosquinhas. Ele fazia eu sentar na perna dele e fazia ‘cavalinho’, me esfregando na perna dele. Eu não entendia, porque ele chamava aquilo de brincadeira”.

A adolescente conta que, à medida que foi crescendo, foi vendo que o que lhe acontecia não era brincadeira e passou a reclamar com a genitora, mas ela não tomava nenhuma medida para protegê-la, ao contrário, a fazia tomar bebidas alcóolicas e remédios para dormir e continuar permitindo os estupros.

“Eu falava, mas ela dizia que estava tudo certo. Ela e meu padrasto trabalhavam muito com bebida, faziam ‘rave’, e me davam bebida para eu provar. Eu ficava bêbada e ela ainda me dava remédio, dizia que era para eu relaxar, porque eu estava muito estressada, e precisava dormir para ir pra escola no dia seguinte. E era quando eu tomava esses remédios, é que acontecia [os estupros], à noite, porque de manhã, quando eu acordava, minhas partes íntimas estavam com um troço seco, tipo catarro, uma cola seca. Minhas roupas também ficavam fora do lugar, eu falava com ela, ela dizia que era imaginação minha. Eu mostrava as marcas nos meus seios e ela dizia que é porque eu batia na porta do quarto. Mas desde quando bater na porta deixa marca de boca, de dente, nos seios? Ela já sabia disso e era conivente. Eu não podia dormir de porta trancada. Ela dizia que meu padrasto entrava no quarto só para me cobrir, mas era mentira”.

Sem apoio em casa, a então criança passou a pedir socorro nas instituições, mas continuou desamparada. “Eu fugia várias vezes para ir para o Conselho Tutelar, mas o Conselho Tutelar era assim como minha genitora. A conselheira Maria é amiga dela, saem juntas para as festas. Quando eu chegava no Conselho Tutelar e contava o que acontecia, eles ligavam pra minha genitora me buscar: ‘sua filha está aqui contando um monte de coisas, vem buscar ela’. Em casa, minha genitora ficava só o ódio comigo e me batia muito, muito, muito. Ela me estraçalhava todinha. Me batia de cinto, chicote, às vezes tacava banha quente, vidro, madeira, essas coisas pesadas, muita coisa. Não adiantava eu tentar fugir de João Neiva, porque é um buraco, todo mundo conhece todo mundo, e minha genitora faz campanha para conselheiro tutelar, dava bebida de graça para o pessoal do tráfico. Fazia todo mundo achar que a errada sou eu. Eu não considero ela como minha mãe, porque nenhuma mãe faria isso com um filho”.

Em busca do verdadeiro pai

Vestida com um conjunto de moletom de calça e blusa de mangas longas, apesar do calor, a adolescente explica que o objetivo é esconder as marcas por todo o corpo, mas em um momento ou outro da entrevista, mostra alguns machucados, afastando um pouco a roupa perto do pescoço. Ela conta que tem marcas também da sífilis contraída ainda criança e que ela só foi descobrir recentemente, em uma consulta médica acompanhada da tia-mãe, quando entendeu também porque durante tantos anos a genitora lhe aplicou constantemente injeções de benzetacil. “Ela me dava benzetacil direto, aquilo doía muito, eu perguntava porquê e ela dizia que é porque eu estava com febre, mesmo quando eu não me sentia doente, com febre, com nada”.

A “tia-mãe” guarda todos os medicamentos receitados para a adolescente em uma maleta, para que ela siga os tratamentos corretamente. Foto: Fernanda Couzemenco

Os cabelos presos também mostram o desalinho de um corte violento feito pelas colegas do último abrigo, uma das muitas formas de intimidação para que ela as seguissem em fugas noturnas da casa – sob conivência das servidoras da instituição, segundo ela observou –, onde foi obrigada a consumir drogas e entrar em um carro onde sofreu estupro coletivo por homens desconhecidos que circulam nas redondezas do abrigo, em busca de vítimas.

“Ela chegou no abrigo com as malas de roupa e de remédios dela, com roupas boas, tinha um cabelão comprido, lindo. Mas lá jogaram as coisas dela no chão de qualquer jeito, ela reagiu, e os policiais bateram muito nela. As meninas de lá também viviam perseguindo ela”, conta a tia-mãe.

A adolescente relata como descobriu seu pai biológico. “Eu ficava ouvindo as conversas da minha genitora em casa, no telefone, e eu ouvi ela dizer que eu tinha sido vendida para aquele homem que está na minha certidão de nascimento. Depois ouvi sobre meu pai biológico, que era meu pai de verdade. Eu tinha cinco anos e meio. Comecei a pesquisar sobre ele na internet. Um dia encontrei ele nas redes sociais e mandei uma mensagem. Ele me bloqueou. Eu criei outro perfil e mandei outra mensagem, ele me bloqueou. Até que ele conversou comigo e me pediu para enviar uma foto minha e da minha tal mãe”. 

Ela prossegue: “Eu mandei e ele confirmou que era meu pai mesmo, mas não sabia que eu era abusada por ela e deu um jeito de encontrar com minha genitora, contou que eu procurei por ele. Isso foi muito ruim pra mim, porque ela ficou muito brava, quebrou o celular na minha cara. Aí eu comecei a pegar o celular da minha irmã escondido, porque ela ia pras boates, pro mundão, e eu cuidava da minha irmã, e fui pesquisando mais até descobrir a minha família. Foi em 2022 que eu conheci o meu pai biológico”.

Foi nesse ano também que há registro, segundo o Fordan, de um Boletim de Ocorrência, lavrado em 26 de dezembro, dando conta de “estupro de vulnerável” pelo padrasto, na Delegacia de Proteção da Infância e Juventude (DPCA) de Jucutuquara, em Vitória. Na entrevista desse domingo, a adolescente conta que esse estupro aconteceu mesmo após a Medida Protetiva que ela conseguiu contra o padrasto. “Eu tinha medida protetiva, mas minha genitora deixava ele entrar no meu quarto à noite e ele continuava me abusando”.

Arquivo Pessoal

Paternidade comprovada

O pedido de reconhecimento formal da paternidade foi feito pelo pai biológico há um ano, em junho de 2023, mas o pedido de tutela de urgência foi negado pelo juiz da Vara de Família de João Neiva, Gustavo Mattedi Reggiane, na ação em que o pai biológico pede a “investigação da paternidade com retificação do registro civil da adolescente”.

Ainda assim, a família paterna seguiu com a investigação e obteve resultado do exame de DNA em agosto, confirmando a paternidade. A adolescente então passou a residir na casa da tia-mãe, na Serra, mediante guarda provisória concedida pela Justiça.

Em outubro, conforme narra o Fordan/Ufes em sua solicitação, o promotor de Justiça da 4ª Vara da Família de Serra, Fábio Halmosy Ribeiro, “opinou pelo deferimento do pedido de tutela antecipada formulado na inicial, a fim de conceder a guarda provisória da adolescente” ao pai biológico. Assim, o juiz determinou a realização de uma Sindicância Multidisciplinar, que envolveu tanto a residência em que ela vivia com a genitora e o padrasto, quanto na residência da tia-mãe, esta, na presença também do próprio pai biológico, que veio de Londres, onde vive atualmente, para participar da diligência.

Dois meses depois da diligência, foi concluído o Relatório de Estudo Social, onde a analista judiciária Isabel Cristina Santos registra os fatos narrados pela adolescente sobre as agressões ao longo de toda vida cometidas pela genitora e o padrasto, e discorre também sobre as impressões a respeito da forma como a genitora lida com as denúncias e acerca do relacionamento da menina com a família paterna.

O relatório informa que, desde a concessão da guarda provisória, o pai biológico passou “a manter contato diário com ela através de chamadas de vídeo e redes sociais” e que, durante a diligência domiciliar, feita em novembro, falou de “seus planos de aguardar a regularização da situação do registro civil da filha, estabelecimento dos termos da guarda, para então levá-la para morar com ele e a avó paterna em Londres”. Na avaliação do pai, “o grande medo da genitora se dá pelo fato de receber do INSS uma pensão por morte do pai registral da adolescente, e em sendo feita a retificação do registro civil, “a mesma perderá a referida pensão”.

Negligência da genitora

Sobre o relato da adolescente, a analista judiciária destaca que “mesmo à distância, ela se sente ameaçada pela mãe, e tem medo de sair de casa até acompanhada”, e afirma que “não gostaria de voltar a morar com a mãe em João Neiva, que sua vida melhorou e que ‘agora tem um pai e até amor'”, lamentando “sentir saudades da irmã mais nova de 4 anos [e] se entristecer com a possibilidade dela passar pelos mesmos problemas que ela, e que gostaria apenas de reaver suas fotografias deixadas na casa da mãe”.

A respeito da entrevista da genitora, o relatório reproduz a fala da mesma, de que teria autorizado a filha a ficar na casa do pai porque ela estava fora da escola em João Neiva e necessitava de cuidados em saúde, e que ela “nega que a filha tenha sofrido qualquer tipo de abuso por parte do padrasto [e] alega que as promessas financeiras por parte do pai e sua família mudaram a cabeça da adolescente”.

Em suas considerações finais, a analista judiciária afirma observar que “a adolescente está bem ambientada na casa da família paterna, e que no momento teme muito uma reaproximação da mãe e a possibilidade de retorno à convivência com a mesma” e que “tanto o pai quanto a família paterna demonstram interesse em assumir os cuidados e proteção da adolescente, considerando inclusive a participação materna, caso no futuro a adolescente manifeste esse desejo”.

O documento ressalta a postura negligente da genitora. “Percebemos que as preocupações da mãe estão voltadas para possíveis consequências de seus atos, principalmente no que se refere à perda da pensão paga pelo INSS. Demonstra dificuldade de se colocar no papel de mãe em defesa da filha”.

Um mês após o relatório, o juiz de João Neiva, Gustavo Mattedi Reggiane, declinou do caso, que foi assumido então pelo juiz da Serra, Bernardo de Alcuri de Souza, que decidiu emitir medidas de proteção não só contra a genitora, mas também contra a tia-mãe, nos dias 26 e 29 de março. Contra a tia, pesa a acusação feita pela genitora de que não teria condições psicológicas de cuidar da adolescente, com base em um laudo psiquiátrico emitido há três anos.

No mês seguinte, o mesmo magistrado da Serra determinou, conforme expõe o cronograma de fatos elaborado pelo Fordan, a “internação [da menina] em abrigo com auxílio de comissariado da infância e juventude e força policial”. No dia 30 de abril, há o registro de internação e abrigo “após alta hospitalar” em que tratou dos danos provocados por um novo estupro.

Duas semanas depois, um laudo médico psiquiátrico atestou a saúde mental da tia paterna e sua aptidão para cuidar da adolescente. Assinado pela mesma médica psiquiátrica que havia emitido laudo negativo em 12/4/2021″, sublinha o Fordan. Na entrevista desse domingo, a tia-mãe explica que ela própria sofreu um abuso na época e ficou sob tratamento para se recuperar dos danos, mas conforme a própria médica atestou, já está estabilizada e em condições de cuidar da sobrinha, a quem chama de filha.

Violências nos abrigos e na rua

Passado mais um mês, o cronograma registra, em 27 de maio, “denúncia de lesão corporal sofrida pela vítima”, por “policiais e pessoas do abrigo do Projeto Vida –Laranjeiras”, conforme Boletim Unificado (BU) da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), em Jucutuquara, Vitória.

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A adolescente foi então transferida desse abrigo para outro, em Planície da Serra, chamado CAP. Lá, passados poucos dias, em três de junho, registrou outro boletim na DPCA, denunciando o estupro coletivo sofrido, quando estava sob responsabilidade da instituição, conforme ressalta o Fordan/Ufes. A Delegacia a encaminhou para exame de corpo de delito no Departamento Médico Legal (DML), onde foi constatado “lesão corporal; coito anal; conjugação carnal”. O DML então a encaminhou para o Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivis), projeto de extensão do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Ufes.

Quatro dias após todo esse sofrimento, o promotor de Justiça de João Neiva, Fábio Halmosy Ribeiro, também ignorou as orientações do Relatório Social da Analista Judiciária e, no dia sete de junho, “requereu a reintegração da púbere à genitora ou a algum outro integrante da família extensa materna”, pontua o Fordan em seu cronograma de fatos. Requerimento que foi acatado pelo juiz de João Neiva, Mattedi Reggiane, no dia 13 de junho.

No mesmo dia, o advogado do pai da adolescente, Maciel dos Santos Cunha, voltou a solicitar o retorno dela para a casa paterna. Dois dias depois, no sábado, 15 de junho, a tia e o advogado do pai saíram em busca da menina, após ela fazer contato pelo celular da prima, dizendo que estava muito ferida após uma tentativa de estupro, e que estava escondida em um matagal próximo ao abrigo de Planície da Serra e pedindo socorro à família paterna. Eles sabiam que ela estava nas ruas há muitos dias, desde que havia fugido do abrigo, após o estupro registrado dia 30 de abril.

No vídeo gravado pela tia quando a encontrou, com roupas rasgadas e sujas e enrolada numa manta nas mesmas condições, a menina diz que “eles tentaram de novo [o estupro]”. Do local, os três seguiram para a delegacia, onde foi lavrado Boletim de Ocorrência e, em seguida, para o plantão judiciário, onde solicitaram guarda provisória da adolescente. O atendimento foi feito pela juíza de plantão, Dra. Hermínia Azoury, que já havia sido informada do caso pelo Fordan/Ufes, por sua gestão na Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJES.

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No termo de audiência, a juíza destaca que “a menor tem MPU [Medida Protetiva de Urgência] contra sua genitora e padrasto pelo fato de ter sido vítima de abuso deste, com consentimento da mãe, foi levada a dois outros abrigos tendo sido também vitimada pelas outras adolescentes abrigadas com agressões de toda natureza, levando-a a buscar a rua como seu abrigo”, com base nos fatos relatados no último BU, e determina, “excepcionalmente, encaminhar a referida menor por duas semanas aos cuidados da [tia-mãe] para evitar maiores constrangimentos e traumas já vivenciados”.

‘Quero ser feliz!’

Na entrevista concedida ao Século Diário, a adolescente conta que, durante todos esses anos, nunca conseguiu ter voz diante das autoridades, a não ser durante a diligência da analista judiciária. “Ninguém nunca quis me ouvir”. Por isso, quando chegou diante da juíza de plantão, conta que teve muito medo. “Ela se escondia atrás de mim, a gente demorou muito para conseguir fazer ela falar para a juíza o que tinha acontecido”, complementa a tia.

Após o longo atendimento, uma grata surpresa foi a decisão, ainda que temporária, em favor da guarda paterna. “Quando eu fiquei sabendo, nossa, foi alegria que não cabia dentro de mim!”, exclama a adolescente. “Depois murchou um pouco, porque é só por quinze dias, mas fiquei mais feliz, porque ela me disse que eu posso, sim, conseguir ficar aqui com a minha mãe para sempre”, declara. A proposta do pai de levá-la para Londres para morar com ele e a avó, também lhe agrada muito, mas isso é um passo mais à frente, depois da já solicitada retificação formal da paternidade em seus documentos.

Obviamente, que isso tudo depende do “juiz natural” do caso confirmar a decisão emitida pela juíza de plantão, a única magistrada que até o momento de fato ouviu a vítima. Mas se depender do amor que emana da sua nova casa e de sua mãe de coração e da determinação da adolescente em encontrar paz, segurança e felicidade, esse sonho manifestado pela adolescente será realizado. 

Perguntada sobre o que ela mais quer nesse momento, ela afirma com rapidez e firmeza: “Eu quero ser feliz, viver com a minha mãe e com a minha família paterna e não voltar para minha genitora de jeito nenhum! E quero que ela pague pelo que fez comigo. Ela, meu padrasto, as pessoas da Justiça que nunca me ouviram, na Vara da Infância, os abrigos, os policiais que me bateram, e a Maria, conselheira de João Neiva. Eu quero morar aqui com a minha mãe e quero que todo mundo que fez mal para mim pague de uma forma correta perante a lei”.

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