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‘Se a população não for disciplinada, teremos um lockdown’, alerta Nésio

Moradores de regiões com alta incidência contam o que os move a manter isolamento. ES tem 2.913 confirmações e 101 mortos

“Mesmo que eu tenha 1,5 mil leitos em maio, se a população não for disciplinada, não será suficiente e iremos caminhar para um lockdown“. O alerta é do secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes. 

O planejamento da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), iniciado no final de janeiro, é que o mês de maio se inicie com a inauguração da segunda fase de expansão da rede hospitalar dedicada exclusivamente aos pacientes graves de Covid-19, com mais de 800 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermaria. 

Até o final do mês, a previsão da terceira fase de expansão é alcançar mil leitos. Mas mesmo com um número 50% maior, enfatizou Nésio Fernandes, o colapso será inevitável caso a sociedade não colabore, respeitando os decretos – estaduais e municipais – de isolamento social, uso de máscaras, lavagem das mãos e limpeza de superfícies. 

“O vírus é muito danado! Quando chega numa UPA [Unidade de Pronto Atendimento], num PA [Pronto Atendimento], ele desorganiza toda a rede. Ele fecha aquela UPA, ele bloqueia todos os leitos, ninguém pode entrar na UTI”, exclamou. “O período de oito, doze, 24 horas [que aquele paciente fica em observação] é desastroso para as outras doenças atendidas naquele hospital. Com simultaneidade de casos chegando, o vírus desorganiza o sistema de maneira muito forte e simultânea”, descreveu.

“Nós morremos de medo de atender pacientes com Covid, nós médicos, enfermeiros. Demora duas, três semanas atendendo um paciente de Covid pra equipe se sentir segura. E não é colocando um monte de médico patriota recém-formado que se resolve problema. Existe um limite de recurso humano especializado que pode oferecer um atendimento seguro, que você quer pro seu pai, pra sua mãe, pro seu filho, pra você”, revelou.

Lavar as mãos 

“A população deve tomar medidas individuais. Vamos viver nas próximas semanas dias muito difíceis, muito duros”, disse, em reunião coletiva com a imprensa capixaba na manhã dessa quinta-feira (30), quando se dedicou a orquestrar um trabalho em parceria com os meios de comunicação para que os temas mais estratégicos de segurança e prevenção sejam enfatizados pelos jornais daqui para frente. 

“É mais importante lavar a mão do que usar máscara. É mais importante limpar as superfícies com álcool do que usar máscara. Mas é muito importante, para quem tem sintoma, ficar em casa e usar a máscara. Se a gente foca na máscara e prescinde de lavar as mãos, de limpar as superfícies, maçanetas, não vai funcionar. O vírus contamina por contato direto”, explica. 

“Toda recomendação de usar máscara deve ser acompanhada de uma recomendação de lavar as mãos e limpar as superfícies. Se não, não resolve, são medidas que se complementam”, insiste.

Muito além do comércio

“Se não conseguirmos distanciar as pessoas e evitar o contato direto, não conseguiremos romper a cadeia de transmissão”, asseverou. “Não depende somente de uma atividade econômica, de ter comércio aberto ou fechado”, reafirmou.

O conceito de isolamento social, para além do fechamento do comércio, também tem sido enfatizado pelo governador Renato Casagrande (PSB) em todos os seus últimos pronunciamentos.

“Isolamento social não é sinônimo só de comércio fechado. O mais simples pra reduzir a interação é fechar comércio, mas não se pode fazer só isso, porque sacrifica empresas e empregos”, enfatizou.

Lockdown

“Espero não chegar ao lockdown“, afirmou, referindo-se à medida extrema tomada em situações de pandemia. “Lockdown é fechamento de tudo, lojas, indústria, e ninguém pode sair de casa”, descreveu.

“Seu eu decretar o lockdown hoje, as pessoas não vão cumprir. O tempo certo [para a adoção dessa medida] só chega quando o desastre chega junto”, conjeturou Casagrande. “Nosso apelo é para evitar o desastre”, rogou.


Nessa quinta (30), o primeiro estado brasileiro a adotar a estratégia foi o Maranhão, em cumprimento a uma determinação judicial. Na região metropolitana da capital São Luís, o lockdown começará a vigorar na próxima terça-feira (5) e manterá abertas lojas de alimentos e medicamentos, sob forte protocolo de segurança. Em suas redes sociais, o governador Flávio Dino (PCdoB) pede à população que não se desespere, pois não haverá risco de desabastecimento, visto que será mantida a circulação de caminhões com artigos essenciais. 

Na Europa, o lockdown foi adotado nos países que tiveram os maiores números de mortes, como Espanha e Itália, onde ainda vigora em parte. China também adotou.

Ocupação hospitalar cresce

O Espírito Santo já tem hoje mais de 70% dos leitos de Covid-19 ocupados, sendo mais preocupante a situação dos hospitais da Grande Vitória.

O Painel Covid desta sexta-feira (1) registrou a confirmação de mais 225 casos e oito óbitos pela doença nas últimas 24 horas, subindo o total para 2.913 casos e 101 óbitos. No período foram feitos 567 testes (13.536 até o momento), o que mostra a relação de uma confirmação para cada 2,52 testes realizados nesse primeiro dia de maio.

Os oito últimos óbitos foram de: uma mulher de 70 anos, residente em Vitória; duas mulheres, de 64 e 67 anos, residentes em Cariacica; dois homens, de 65 e 86 anos, residentes na Serra; um homem de 57 anos, residente em Vitória; um homem de 57 anos, residente em Iúna; e um homem de 54 anos, residente em Aracruz.

Disciplina

“O pior que pode ocorrer nesse momento é um grau de indisciplina social que não permita que o Estado possa conduzir a crise”, insiste o secretário de Saúde, Nésio Fernandes.

“O que eu vi em Jardim Camburi nesses últimos dias é desesperador”, bradou. “A quantidade de gente na rua, aglomerada!”, relatou, referindo-se ao bairro de Vitória com mais casos da Covid-19.

Nesse sentido, orientou a implantação do controle social. “A sociedade precisa criar mecanismos de controle social. As organizações civis precisam desenvolver instrumentos de controle social”, pediu, ao responder sobre a posição do Estado em relação a aumentar a fiscalização e punição de quem descumpre o distanciamento social.

Por todos

O ambientalista Paulo Pedrosa, morador da Mata da Praia, em Vitória, bairro vizinho a Jardim Camburi, que desponta com o primeiro lugar em número absoluto de contaminações, é fundador da Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC) e integra a parcela da sociedade – a qual o governador reiteradas vezes agradece em seus pronunciamentos – que respeita o distanciamento social e tem mudado radicalmente seu modo de vida, para dar a sua contribuição ao achatamento da curva de transmissão do novo coronavírus entre os capixabas. 


“Estou usando máscara há 60 dias. Saio todos os dias, mas com máscara. E lavo as mãos constantemente. O povo está demorando a entender a necessidade da máscara e da higiene”, observa.

Organizador de eventos esportivos periódicos ao ar livre, todos gratuitos e educativos, Paulo suspendeu todas essas atividades coletivas e mesmo a sua prática individual de esportes ao ar livre. “Eu só tenho feito [exercícios físicos] em casa. Não nado há 60 dias e nem corro. Mas, fazer o quê?! Cada um fazendo sua parte, muito triste”, declara.

Sobre uma ação mais incisiva do Estado, ele tem dúvida. “Como o povo tem livre arbítrio, se os governantes fizerem isso, não sei o que pode acontecer”, pondera.

Para a escritora Mara Coradello, o momento é sim de ação severa dos órgãos de fiscalização. Moradora da Praia da Costa, em Vila Velha, bairro com o segundo maior número de casos confirmados desde o lançamento do Painel Covid, ela defende que o poder público no Espírito Santo assuma, o quanto antes, sua prerrogativa de fiscalizar e punir quem continua lotando ruas e calçadões para suas atividades rotineiras, alheios à necessidade de distanciamento social que a pandemia impõe.

“Talvez seja a primeira vez na vida que eu defendo um Estado punitivista, mas defendo sim, do contrário morreremos ainda mais, já superamos a China em número de mortos, e China tem mais de um bilhão de habitantes e nós temos 200 milhões”, afirma. “Os países que se saíram bem pós infectados, Singapura e China, fizeram isolamento total auxiliado pela tecnologia digital: sim, celulares eram vigiados e conseguiam assim mapear aglomerações”, compara. “Campanhas e atitudes punitivas por parte do Estado são essenciais agora e salvam vidas”, assevera.

A poucos metros de uma das mais belas praias do Estado, Mara abdicou do lazer à beira-mar desde que o governo estadual decretou as primeiras medidas, em meados de março, suspendendo aulas presenciais nas escolas e restringindo o funcionamento do comércio.

Apesar do transtorno, ela não tem dúvidas de que está no caminho certo. “Tenho contato com um irmão, que leva alimentos a papai que está enclausurado, então sei que estou cuidando do meu pai não saindo. Também temo por meu filho. Li sobre o vírus pairar no ar por três horas e isso me convenceu a não sair. Também fico mais em casa ao pensar na classe trabalhadora que não pode parar, fico em casa por eles, se eu que posso parar e me isolar, os ajudo indiretamente, talvez diretamente até”, argumenta.

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