Pode-se dizer que tudo começou na adolescência, lendo o jornal Pasquim, e, nele, as cartas de Henfil para sua mãe, onde, do exílio em Pequim, ele narrava, entre tantas crônicas poéticas e instigantes sobre o cenário político brasileiro naqueles tempos de ditadura militar, a beleza que brotava dos milenares campos de arroz da China.
Viajando o Brasil com seu artesanato, observando as diferentes culturas e as diferentes formas de lidar com a água, e lendo as cartas do Henfil, Newton Campos cultivava um sonho: voltar para a terra natal, para o sítio de sua família, em Alegre, na região do Caparaó Capixaba, e produzir arroz, como nos campos chineses descritos pelo Henfil. Com a inteligência e a simplicidade de Henfil. Com a segurança de uma tradição milenar oriental. Com a modernidade pulsante de um caleidoscópio cultural, sintetizando diversidades, remixando o antigo, (re)criando o novo.
O retorno aconteceu em 1983 e a ação foi imediata: recuperar a terra, degradada por anos de pecuária extensiva. Assim como em boa parte das áreas rurais no município de Alegre e praticamente em toda a Mata Atlântica, o Sítio Jaqueira sofria com as marcas dos desmatamentos de matas ciliares e topos de morro, com a monocultura do café de capina excessiva, com a contaminação das águas por agrotóxicos e ausência de saneamento básico, com a pecuária extensiva e a drenagem de brejos pelo pisoteio de gado.
Unindo técnicas conhecidas e intuição, Newton cercou a nascente, para protegê-la do pisoteio do gado. Na beira do córrego, implantou sistemas agroflorestais com muitas frutas, para também alimentar e gerar renda. E, no brejo, plantou o arroz, consorciado com peixes e marrecos, como na China do Henfil.
A água começou a voltar, animando a construção de caixas secas para reter mais água da chuva e abastecer os lençóis freáticos. Os estudantes começaram a chegar, os agricultores vizinhos, os pesquisadores, os órgãos governamentais. O artesão e agricultor, tornado plantador de água, difundia a boa-nova, fazendo surgir também o educador ambiental.
Hoje, como bem diz o historiador Geraldo José Alves Dutra, o Gê, no livro Entre Águas – Memórias Fotográficas, “o Sítio Jaqueira produz: ar, água, solo, madeira, frutas [jaca, bananas, coco, acerola, mangas, goiaba, abacate, açaí, juçara e outras], peixes, bioconstrução e faz educação ambiental”.
No livro e também na página do Sítio Jaqueira na internet, a explicação para o conceito de “plantio de água” fala de “uma forma de gestão dos recursos hídricos que tem por base os conceitos de bacias e sub-bacias hidrográficas e que prima por combinação de tecnologias capazes de ampliar a quantidade e a qualidade de água nas mesmas, por meio de maior captação de água da chuva, redução da erosão e enxurradas e maior infiltração de água de chuva no solo”.
Resumindo, Newton ressalta que “plantar não é produzir água. Plantar é aumentar a produção de água pela natureza”. É “fazer a leitura da terra” e utilizar as técnicas certas para cada área do terreno: caixas secas nas estradas, caixas cheias (minibarragens e açudes) nos brejos, terraços ou curvas de nível nos morros.
E, sempre, complementa, cercar as nascentes e outras Áreas de Preservação Permanente (APPs) associadas a corpos d' água. E fazer o saneamento básico, tratando as águas cinzas e negras com fossas sépticas ecológicas, alem de dar destinação correta aos resíduos sólidos.
O ciclo da água
Em palestra na última segunda-feira (23), no Polo de Educação Ambiental do Caparaó Capixaba, em Patrimônio da Penha, Divino de São Lourenço, durante encontro estadual da Campanha Nem Um Poço a Mais, Newton revelou uma nova tecnologia que ele está aprimorando no Jaqueira nos últimos três anos, inspirado nos estudos sobre o Ciclo da Água: os “caça-chuva”, que consiste na instalação de uma lona para colher água da chuva e canalizá-la para um reservatório próximo à plantação e utilização gradativamente, nos períodos de estiagem.
Relacionando-se ao tema do evento, ele frisou a importância das águas do Caparaó para os projetos petrolíferos e portuários que se pretende instalar no litoral, visto que na região estão as cabeceiras de duas bacias hidrográficas, Itapemirim e Itabapoana, e do Rio José Pedro, afluente do Manhuaçú, que por sua vez é afluente do Rio Doce. “É importante não só para o petróleo e pré-sal, mas pras cidades que irão crescer, desordenadamente, por causa deles”.
“A luta da gente”, disse, é “trazer mais royalties para a Educação Ambiental, para identificar mais plantadores de água e apoiar as ações deles”. O plantador de água, esclarece, tem um tempo de produção mais longo que o produtor rural comum, porque ele primeiro prepara a terra pra produzir mais água, só depois cuida dos plantios de alimentos”.
Dezenas desses modernos agricultores e educadores ambientais, além de estudantes, professores e técnicos em agricultura e também educadores ambientais, já estão hoje reunidos na Plant' água, a Associação de Plantadores de Água, da qual Newton é presidente. A entidade é um dos frutos do Projeto Plantadores de Água, aprovado em 2012 em um edital nacional de programas ambientais, e realizado em parceria com doze entidades da região, entre elas, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alegre (Sitrua) e o Grupo de Agricultura Ecológica Kapi´xawa, ONG que atua com Agroecologia há 30 anos a partir de sua sede no campus de Alegre da Universidade Federal do Espírito Santo (Caufes).
Felicidade
O objetivo da Plant' água é difundir e aprimorar ainda mais o trabalho dos plantadores de água, que vai muito além das melhorias no território, pois transforma mesmo a forma das pessoas verem o mundo, de se relacionarem com o próximo.
No documentário produzido ao final do projeto, Newton encerra reafirmando o amor que permeia a atuação dos plantadores de água.
“É muita felicidade. Não tem dinheiro que me pague essa felicidade. Eu estou demonstrando o amor ao próximo. A água é o bem mais comunista que existe, ninguém é dono da água. Então a gente está mexendo com um negócio que é da humanidade. Nâo é só do ser humano, é do passarinho, é do bicho selvagem, é do peixe. Então é uma prova de amor, porque a gente tá mexendo com um negócio que não é nem meu nem seu nem deles, é de todos!”.