Matérias-primas e tecnologias alternativas ao petróleo já vêm sendo desenvolvidas em diversidade e escala cada vez maior, mesmo no que diz respeito aos combustíveis para automóveis.
Em coluna publicada no último dia 22 de setembro, o jornalista da revista Super Interessante, Alexandre Versignassi, citou uma pesquisa da Agência Internacional de Energia que prevê o ano de 2020 como o primeiro, desde o início do século 20, em que a demanda por gasolina deixará de crescer. No mesmo artigo, ele cita ainda afirmações de gigantes da indústria automobilística antecipando esse momento crucial de virada da curva até então sempre ascendente, do consumo desse combustível fóssil.
Trazer para o Espírito Santo os ventos dessa boa-nova, da virada de página da humanidade com relação à sua atual principal fonte de energia, é o objetivo da Campanha Nem Um Poço a Mais, lançada em 2015 pela Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase) em parceria com o Serviço de Análise e Assessoria de Projetos (Saap).
Em 2017, a Campanha lançou o seu segundo edital “Mais Vida Menos Petróleo”, voltado a apoiar projetos de mulheres que vivem em comunidades capixabas impactadas pela indústria petroleira.
O resultado da seleção é uma diversidade de ações, cobrindo de norte a sul do estado. Cinco delas conversaram com Século Diário e nos contaram suas motivações e objetivos de realização com a premiação.
Quem não offshore, não mama
Em Itaipava, balneário pesqueiro e turístico de Itapemirim, no litoral sul, o Grupo Art&Cultura está produzindo a esquete de teatro “Quem não Offshore não Mama”, sobre as expectativas geradas pelo anúncio da construção do Porto Central no município vizinho de Presidente Kennedy.
A atriz e produtora do Grupo, Ivny Matos, explica que a ideia é, de uma forma divertida, “tocar o coração e a consciência das pessoas”. O texto foi escrita em 2011, inspirada numa conversa com um amigo que soltou a frase que deu título à peça.
O Grupo tem trabalhado o fortalecimento da identidade cultural da comunidade, hoje muito fragmentada, e tem na feira de artesanato uma das principais atividades. “O impacto ambiental não tem muito como controlar. Mas se a comunidade estiver fortalecida culturalmente, pelo menos vai ter uma consciência do que está acontecendo e isso ajuda bastante”, diz, ressaltando o vácuo deixado também pelo poder público, que, por exemplo, constrói uma praça, mas não faz nenhuma ação de união da comunidade.
“Você faz uma praça, vem o falso progresso, essa promessa de portos, mas não há um fortalecimento espiritual da comunidade, nem uma ação voltada para o turista, um centro cultural. Não tem nenhuma referência cultural no distrito inteiro!”, diz Ivny.
'Comida que não mata a gente'
No outro extremo do litoral, na comunidade de São Miguel, em São Mateus, o projeto Tempo Novo Comidas Artesanais, está criando uma horta agroecológica comunitária, com sementes crioulas, que irá fornecer ingredientes para a produção de lanches e refeições a serem comercializadas nas feiras e eventos da região.
“Uma comida que não mata a gente”, afirma a coordenadora do projeto, a pescadora Silvia Lafaiete Pires, da Associação de Moradores, Pescadores, Agricultores e Marisqueiros da Comunidade São Miguel da Ilha Preta (Ampape). A intenção é que, com o crescimento da horta, seja possível fornecer para a prefeitura, para escolas e creches municipais.
A comunidade está na região dos manguezais de Campo Grande, próximo ao limite com Conceição da Barra, norte do Estado. Já atingida gravemente pela Petrobras, desde 2015, também o crime da Samarco/Vale-BHP chegou ao local, intensificando o sofrimento dos moradores com relação principalmente à restrição de pesca e contaminação da água. “O corpo da gente fica todo colado quando toma banho, mesmo quando usa o poço artesiano: a água é cristalina, mas salobra, e com pedras no fundo”.
O novo empreendimento previsto na região é o Petro City, ou superporto, que já está provocando uma mobilização maior das comunidades para que, desta vez, consigam ao menos exigir condicionantes que tragam compensações mais vultosas aos impactos socioambientais.
Povos tradicionais
Na região da Grande Vitória, dois grupos entrevistados pela reportagem têm projetos voltados a comunidades tradicionais.
O Grupo Sarará, coordenadora pela cantora, atriz e arte-educadora Monique Rocha, irá realizar oficinas de contação de histórias em comunidades quilombolas do Sapê do Norte.
E o Grupo Afroameríndios está desenvolvendo uma pesquisa com tinturas naturais a serem usadas em painéis que contarão histórias de mulheres moradoras de algumas comunidades tradicionais onde o edital está se fazendo presente.
A artista e produtora cultural Karen Valentin, coordenadora do Afroameríndios, conta que é milenar a técnica de produzir painéis com tinturas naturais, utilizadas pelos povos pré-históricos em suas pinturas rupestres. No projeto, visa valorizar as histórias de mulheres importantes em suas comunidades e também os artistas locais, que serão convidados a participar da produção.
A parceria com John Bermurde objetiva enriquecer a publicação lançada pelo pesquisador em 2016, com um mapeamento sobre pigmentação natural com materiais encontrados e biomas de norte a sul do Estado.
Fortalecimento cultural e econômico
Focada no Sapê do Norte, Monique baseia seu trabalho na Lei 10.639, que estimula o estudo e a difusão da cultura negra, com intuito de apresentar histórias que não são contadas nas escolas e trazer a reflexão sobre o preconceito racial.
“O projeto chega às mulheres quilombolas do norte do Estado em forma de oficina com o objetivo de dar voz a essas mulheres e encoraja-las a falar sobre o impacto da exploração petroleira em suas vidas e no território onde elas vivem”, diz.
As próprias comunidades do Sapê do Norte também aprovaram projetos no edital. Uma dela é a do Córrego da Angélica, em Conceição da Barra, que irá construir uma Casa de Farinha. Jurema da Conceição Gonçalves, presidente da Associação Quilombola de Pequenos Produtores Rurais do Córrego da Angélica (AQPCA), conta que a Casa irá atender também a comunidades vizinhas, como Córrego do Alexandre e Morro da Onça.
As Casas de Farinha são um dos principais elementos de identidade cultural quilombola. No Projeto, visam também gerar renda, com a venda da farinha, beiju, tapioca, goma, e quitutes tradicionais feitos a partir da mandioca.
Projeto simples, mas que, por brotarem do âmago das comunidades atingidas ou que venham instrumentalizá-las a se autoafirmarem, contribuem para que elas se fortaleçam cultural e economicamente, podendo, assim, contribuir com mais poder e consciência na construção da sociedade pós-petroleira que precisamos.