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‘A destruição ambiental está intimamente ligada à violência contra a mulher’

Capixabas refletem sobre a importância do Dia Nacional das Reservas Particulares do Patrimônio Natural

“A destruição do meio ambiente está intimamente ligada à violência contra a mulher”. Dita por uma mulher proprietária de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) neste terceiro ano pandêmico, a afirmação é acrescida de um relevo de atualidade e urgência que revestem o 31 de janeiro, o Dia Nacional das RPPNs, de uma importância especial. 

“O sistema patriarcal continua ativo há milênios e, em pleno século XXI, as mulheres ainda sofrem várias formas de exploração e preconceito, não sendo respeitadas no seu saber e na sua individualidade. A mulher RPPNista contraria a lógica patriarcal e prova que lugar de mulher é onde ela quiser! No Brasil, várias mulheres têm se destacado na gestão de RPPNs”, prossegue Renata Bonfim, proprietária da RPPN Reluz, em Marechal Floriano, região serrana do Espírito Santo, que administra junto com o marido. Poeta, escritora e defensora dos direitos dos animais, Renata é uma das capixabas que se destacam no grupo crescente de proprietários de unidades de conservação, no Estado, no âmbito da Comitê das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) do Espírito Santo, e no Brasil, como ela observa na Confederação Nacional de RPPNs (CNRPPN).

Renata Bonfim mostra uma caixa de abelhas sem ferrão, no Meliponário da RPPN Reluz. Foto:Divulgação/RPPN Reluz

“A igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres são questões que precisam ser levadas a sério se quisermos evoluir para uma sociedade sustentável. Eu mesma já senti na pele o preconceito por ser mulher e por ser do campo das humanidades, é como se eu não tivesse o direito a uma relação de igualdade junto aos pares do campo das ciências naturais. A luta contra o silenciamento é desgastante, mas as coisas estão mudando. Por isso sinto orgulho por esse percurso e o celebro nesse dia”, depõe. 

A instituição da RPPN, no final da década de 1990 – a primeira RPPN capixaba, a Cafundó, foi criada em 1998, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado, e hoje são 57 no total, em todas as regiões – e sua inclusão como uma das categorias previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), no ano 2000, são o reconhecimento do Estado brasileiro de sua incapacidade de cuidar sozinho dos remanescentes naturais. Isso é um consenso no movimento ambientalista. Nesses 20 anos, essa incapacidade se mostrou ainda mais grave, o que aumentou a importância das reservas particulares e de outras formas de participação da sociedade civil na proteção do meio ambiente. 

“As RPPN abrem uma possibilidade para essa participação popular, pois aqueles que possuem propriedades privadas podem revertê-las integralmente, ou parte delas, para a preservação perpétua, ao passo que as pessoas que não possuem propriedades, podem apoiar os RPPNistas e usufruir das áreas naturais, pois muitos gestores abrem as reservas ao público para visitação, ecoturismo e pesquisa científica”, conclama.

Mãe e filhote de macaco-prego encontram refúgio na RPPN Reluz. Foto: RPPN Reluz

No seu caso, o ofício de protetora da natureza é consequência de uma vida inteira em sintonia com os animais, primeiro os domésticos, depois os silvestres. “Quando assumi uma cadeira na Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, no meu discurso de posse, declarei que a minha escrita seria dedicada àqueles que não possuem voz, enfim, tenho buscado cumprir essa missão, mesmo sabendo que é uma contribuição pequena. Cuidar dos animais e das árvores é o sal da minha vida, dá gana de levantar todos os dias”, poetiza.

Icamiabas 

Dalva Ringuier, diretora-executiva do Consórcio Público Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Região do Caparaó Capixaba (Consórcio Caparaó) e proprietária da RPPN Águas do Caparaó, em Dores do Rio Preto, também percebe uma certa invisibilização da presença feminina no universo das reservas particulares, no sentido de que a maioria delas acaba sendo registrada em nome do membro masculino da família. Mas na prática, a atuação das mulheres é muito maior que no papel e, mesmo oficialmente, vem aumentando, como em tantas outras áreas anteriormente consideradas tipicamente masculinas.

Considerada uma das “icamiabas” do Caparaó capixaba, Dalva nutre uma satisfação íntima com os resultados do seu trabalho de proteção da natureza. As icamiabas, reza a lenda, formavam uma tribo de mulheres guerreiras que viviam no alto da montanha do Caparaó. Como as amazonas, apenas periodicamente permitiam a interação com os homens, no caso dela, que viviam nas vilas aos pés da serra. Sua herança ancestral de luta feminista em favor da natureza, acredita-se, está viva em muitas mulheres da atualidade, que, adaptaram-se aos novos tempos e não precisam mais viver isoladas nas altas altitudes, ao contrário, trabalham lado a lado com os homens e outras mulheres na construção da nova consciência e da nova postura da humanidade diante da Mãe Terra.

Dalva Ringuier é uma das principais ambientalistas do Estado e considerada uma “icamiaba” moderna do Caparaó. Foto: RPPN Águas do Caparaó

“Como mulher, me sinto muito gratificada ao ver essa área ser recuperada ao longo de 25 anos e ver os resultados tanto em volume de água no rio, porque quando há infiltração no solo aumenta volume de água nas nascentes, quanto na maior biodiversidade de fauna e flora”. 

Dentro de sua RPPN está uma das quedas d’ água mais bonitas e famosas do Caparaó Capixaba, a Cachoeira Alta. Quando decidiu transformar a Pousada em RPPN, já havia floresta na parte alta da propriedade. Mas na parte média e baixa era pasto. “A parte baixa dentro do licenciamento ambiental eu deixei a estrutura da pousada e na parte média reflorestei totalmente e fiz a RPPN, que pega também a parte alta, as áreas em volta do rio e de APP [Área de Preservação Permanente]. Para mim, isso é um pacto que eu tenho com a natureza. Eu cuido daquilo que eu sei que tem que ser cuidado e a natureza também cuida da minha propriedade, é uma troca. Mas na verdade, nada é nosso, né, a gente só cuida”, relata.

A Cachoeira Alta é protegida pela RPPN Águas do  Caparaó. Foto: RPPN Águas do Caparaó

Ciente da importância estratégica das águas e das florestas do Caparaó para uma vasta região do Espírito Santo, Dalva é uma voz ativa no trabalho de cuidado do entorno do Parque Nacional, criado em 1961 e hoje com 31,8 mil hectares, 80% deles no território capixaba. O crescimento turístico e o avanço da eucaliptocultura têm intensificado a degradação ambiental, levantado alertas e suscitado soluções criativas

“Nós estamos na zona de amortecimento de um parque nacional. É importante que tenha essa consciência de ajudar a preservar esse entorno. Nós temos três bacias hidrográficas, as nascentes do rio Itapemirim, do rio Itabapoana e um afluente do Rio Doce, o rio José Pedro, que é tributário do rio Manhuaçu, um afluente do Rio Doce na vertente mineira. É muito importante que os proprietários do entorno, principalmente os que estão na zona de amortecimento, comecem a procurar o que é RPPN, sua importância”, expõe. 

Ser uma protetora da Mata Atlântica, em especial, é motivo de grande alegria. “Noventa por cento da Mata Atlântica foi destruída, queimada, derrubada, explorada. Nós temos apenas 7% hoje no Espírito Santo de floresta nativa. As pessoas falam muito de Amazônia e Pantanal, e realmente eles estão sendo muito impactados, mas a Mata Atlântica praticamente acabou. Eu fico muito feliz de saber que eu estou fazendo a minha parte. Que eu acho muito fácil. O difícil é fazer com os outros façam a parte deles também, esse é o grande desafio”.

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