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‘A economia verde sobrevive da expansão da indústria petroleira’

Carta política da campanha antipetroleira alerta sobre rastro de destruição que novos poços podem causar no ES

A Carta Política do VII Seminário Nacional da Campanha Antipetroleira “Nem um poço a mais!” alerta para o rastro de destruição socioambiental que novos poços de petróleo em terra e mar (on e offshore), previstos pelo governo federal, podem intensificar no Espírito Santo, conforme mostra o histórico da atividade em todo o país e no mundo. Aponta também a promíscua relação entre a expansão petroleira e a chamada economia verde, em suas diferentes vertentes, como bioeconomia, carbono neutro, redd, mercado de carbono e selos verdes de sustentabilidade.

“A economia verde não é contraditória, mas sobrevive justamente da expansão da indústria petroleira. Sob o controle das corporações, a transição energética é apenas um nicho de mercado, para latifúndios de placas solares e torres eólicas, para as corporações de cana, da soja e do eucalipto geneticamente modificado. As corporações trocam entre si os créditos e débitos da poluição”, expõe o documento, assinado por 29 entidades capixabas, brasileiras e estrangeiras (veja lista ao final da matéria).

O VII Seminário aconteceu no início de agosto nos municípios de Piúma e Presidente Kennedy, no litoral sul do Espírito Santo, região onde está sendo preparada a instalação do Porto Central, novo megaempreendimento ligado à indústria petroleira. Entre os muitos impactos locais diretos previstos, estão a destruição de mais de mil hectares de restinga altamente conservada e de uma vasta área de manguezal e alagados, além da inviabilização da pesca artesanal e da Romaria de Nossa Senhora das Neves, realizada todo dia 5 de agosto, como parte da segunda maior mobilização religiosa do Estado, atrás apenas dos festejos em Vila Velha em devoção à Nossa Senhora da Penha, padroeira do Espírito Santo.

Rosilene Miliotti

Apesar da magnitude dos potenciais impactos negativos, a Campanha constatou, durante atividade de panfletagem realizada no evento deste ano, que a população ignora o fato. “A grande maioria sequer sabia que aquela poderia ser a última romaria antes da desconfiguração total do espaço/templo da igreja jesuítica, reivindicada junto ao Vaticano como Santuário, não apenas pelo patrimônio histórico e cultural, mas principalmente por abrigar a romaria da fé popular”, registram as entidades signatárias.

Afora essas especificidades regionais, prossegue a carta, a construção e funcionamento de empreendimentos porto-petroleiros desse porte trazem, via de regra, problemas de ordem social, sanitária e ambiental já bem conhecidos em todo o mundo: “aumento geométrico da violência contra mulheres e meninas, com a chegada de milhares de trabalhadores temporários e precarizados, homens e jovens (…), gravidez na adolescência e uma epidemia social de famílias sem pais (…), redes de prostituição (…), novas doenças (…), aumentam os crimes de roubo, os homicídios, a insegurança pública”.

A resposta dos poderes públicos, ressaltam, fica sempre aquém das novas necessidades. “No Estado petroleiro, as políticas públicas de seguridade social e ambiental nunca crescem na mesma proporção e escala da devastação da indústria petroleira. Porque o Estado petroleiro alimenta um círculo vicioso: quanto mais petróleo, mais doença. quanto mais royalties, mais insegurança. Quanto mais compensações, mais vazamentos. Um futuro sempre adiado, sem destino”.

A perpetuação dessa dinâmica predatória se explica, em parte, pela forma antidemocrática como acontecem os processos de licenciamento, onde “nunca é possível dizer não”, já que, nas consultas públicas, não são seguidos “os mínimos protocolos de livre e informado consentimento” e nas audiências públicas, “as empresas e seus agentes políticos mobilizam seus defensores, técnicos, burocratas, políticos, interesseiros, e reduzem a nada, ou quase nada, a participação crítica da sociedade civil, amedrontada e desinformada, e desdenham do saber dos anciãos e anciãs, menosprezam o conhecimento e o saber das comunidades em seus territórios”.

Outra grande fragilidade do controle social, aponta o documento, são os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima), onde “as informações são manipuladas pelas empresas e pelos dirigentes que controlam a burocracia dos órgãos de Estado” e, “ao final, os projetos são liberados, mediante condicionantes que nada condicionam, compensações que nada compensam, mitigações que nada mitigam”.

Rosilene Miliotti

Crescimento contínuo

A despeito do atraso ambiental e político que caracteriza o modus operandi da indústria petroleira, as expectativas projetadas pelo capital e os governos é de contínua expansão da exploração, como ocorre há mais de cem anos. “A indústria de óleo e gás é a base energética absoluta do desenvolvimento capitalista. De 1900 a 2013, a extração de petróleo aumentou 207 vezes. Em 1913 era 5% da energia, em 1970 era 50%, em 2021, 80 % da energia consumida no mundo”, elenca o documento, ressaltando que, hoje, é a principal responsável pela crise climática e ambiental global

A carta cita algumas políticas públicas de expansão da indústria fóssil. O Plano Decenal de Energia (PDE) “prevê aumento de extração de 2,9 milhões para 5,2 milhões de barris/dia até 2031, uma expansão de 78%, com destaque para as reservas do pré-sal”. A previsão é de que o Brasil deve saltar “da sétima para a quinta posição de maior explorador e exportador de petróleo do mundo, na contramão da urgente e necessária redução das emissões nacionais e globais de gases do efeito estufa”.

Já o Programa de Revitalização da Atividade de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural em Áreas Terrestres (REATE), prossegue, tem a meta de duplicação da produção em 10 anos, ou seja, chegar em 2030 com produção de 500 mil barris/dia. 

Atualmente, considerando “os sucessivos leilões ANP e o edital de oferta permanente publicado em 30 de julho de 2021”, há um “saldão’ do petróleo brasileiro”, aponta a carta. “Este edital trata de 1.068 blocos em 17 bacias sedimentares brasileiras: um total de 462,5 mil quilômetros quadrados (mais de 16 vezes o tamanho de Alagoas), com 522 blocos nas bacias terrestres e 546 blocos nas bacias marítimas”, informa.

O balanço geral aponta que “restam 1.005 blocos que poderão receber ofertas pelas atuais 79 empresas aprovadas pela Comissão Especial de Licitação (CEL) da ANP”, que, “além da Eletrobras, a lista de empresas inscritas reúne gigantes do setor de óleo e gás como BP, Chevron, CNODC CNOOC, Petronas, Shell e Total. Também ExxonMobil, Equinor e Repsol têm interesse na expansão offshore do petróleo e do gás”. 

Vendas ilegais

Preocupação extra com “a acelerada privatização da Petrobras”, que retiram “cada vez mais o controle do Estado e da sociedade civil brasileira” sobre esse processo. Privatização que, no Espírito Santo, prioriza os chamados “poços maduros”, em terra, vendidos a preços baixos e comprados por empresas de menor porte, sem tradição no negócio, o que amplia os riscos de desastres ambientais, como o que ocorreu em Linhares, no início deste ano, logo após a compra de um lote pela Imetame Energia

A última rodada de negociações de poços maduros, em abril, foi inclusive denunciada como ilegal no Espírito Santo, por ignorar preceitos internacionais de defesa dos direitos de povos e comunidades tradicionais e até mesmo um parecer do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), reprovando a venda de poços no norte do Estado.
São investimentos que têm o Espírito Santo em posição de destaque, visto que o Estado, apesar das recentes quedas de produção, continua sendo um dos principais produtores de óleo e gás natural do país, tendo sido o primeiro a produzir na camada pré-sal.

Assédios e criminalização

A Carta destaca ainda a criminalização dos defensores de direitos humanos que denunciam os danos provocados pela exploração de petróleo e gás, via de regra, feita nos territórios de comunidades tradicionais. 

“Repudiamos a violência das milícias das empresas e do Estado contra as lideranças e comunidades. Denunciamos as ameaças, pressionamos por políticas e programas de proteção de Direitos Humanos, e construímos redes de mútua proteção da própria sociedade civil, quando nos somamos às lutas de resistência em Ilha de Maré (BA), na Baía de Guanabara, na Baía de Sepetiba, em Campos e Macaé (RJ), em Presidente Kennedy, Linhares e São Mateus (ES), em Suape (PE), e em todo país, onde se experimenta a violência da indústria petroleira, bem como no Sul Global, como em Angola e na Argentina”.

Rosilene Miliotti

Organizações signatárias

Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP); Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP); Articulação Nacional das Pescadoras (ANP); Federação das Associações de Pescadores Profissionais e Aquicultores do Estado (Fapaes); Associação dos Pescadores Artesanais de Porto de Santana/Cariacica (APAPS); AHOMAR/RJ; Pastoral da Ecologia Integral; REDI Itabapoana; Fase; CDDH-Pedro Reis/Cachoeiro de Itapemirim; Coletivo Fortalecimento e Empoderamento da População Negra do sul do ES (FEPNES); Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH); Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS); Frente por uma Nova Política Energética; Fórum dos atingidos pela indústria do petróleo e petroquímica das cercanias da Baia de Guanabara (FAPP-BG/RJ); Fórum de Sepetiba; Comissão Pastoral da Terra (CPT); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Coordenação Estadual Quilombola Zacimba Gaba/ES (COEQ); Conaq; Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe; Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (Ruca); Baia Viva; SOS Jaconé; Sindipesca/RJ; Movimento Anarquista/ES; Mulheres Novo Tempo – São Mateus/ES; Assembleia Mar Del Plata- Argentina


Porto Central: população local está pouco informada sobre impactos

Inviabilização da pesca e da Romaria das Neves, a segunda maior do Estado, foram temas de seminário realizado no sul do Estado


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/porto-central-populacao-local-esta-pouco-informada-sobre-impactos

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