Angelim 2 pede ajuda do Estado e da Justiça sobre mais uma “covardia” em área que a Suzano se nega a devolver
A quem interessa destruir plantios de alimentos e espécies nativas feitos pelos quilombolas em seu território ancestral? A pergunta surge diante da denúncia feita pela comunidade do Angelim 2, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo, a respeito de um fato ocorrido na madrugada dessa quarta-feira (10), considerado uma “covardia”: cercas quebradas e mudas arrancadas do chão, apenas dez dias após o último mutirão de plantio realizado pelas famílias.
O local do ocorrido, conforme mostram as fotos disponibilizadas pela comunidade, está a poucos metros de um talhão de monocultivo de eucalipto da Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex Fibria) e é uma das áreas reivindicadas pela comunidade para que a papeleira recue e devolva ao uso quilombola.
O pleito da devolução dessa e outras terras ocupadas pela multinacional consta nas atas das reuniões realizadas este ano no âmbito da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, coordenado pela Gerência de Políticas de Promoção de Direitos e Cidadania da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (GPPDC/SEDH).
Desde março o assunto é pauta prioritária das comunidades. Foi quando a Mesa retomou os trabalhos, após quatro meses suspensa sob alegação de um estudo que seria feito com a participação do governo do Estado e da Suzano, mas sem as comunidades quilombolas e os órgãos de Justiça que a defendem – Ministério e Defensoria Pública. Os resultados do estudo e sequer seus objetivos específicos, porém, foram informados.
Nas atas a que Século Diário teve acesso, é nítido ver a negativa da empresa em solucionar a questão. Assinados pelo gerente da GPPDC, Renato Pazito Silva, os documentos registram as respostas apresentadas pelo representante regular da Suzano, coordenador jurídico Wilson Cesar Muniz, sempre no sentido de se negar à devolução, tentando pautar assuntos de seu interesse, repetidamente, projetos de responsabilidade socioambiental, que, também repetidas vezes, as próprias comunidades afirmam não atenderem às suas necessidades.
Recusa persistente
Exemplos constam na ata da reunião do dia 29 de junho, quando, ao responder ao questionamento da defensora pública estadual Marina Dalcomo, sobre a falta de retorno sobre os encaminhamentos da reunião anterior, Wilson Muniz diz que “não conseguiu levar as pautas da reunião anterior para a diretoria da Suzano”.
Na ata de 25 de maio, foi registrado o debate travado entre vários participantes, incluindo a procuradora do MPF Carolina Augusta Rosado e o defensor público da União, Antonio Ernesto de Fonseca e Oliveira, além de diversas lideranças quilombolas, que exigiam posicionamento da empresa coerente com todos os encaminhamentos feitos anteriormente, especificamente sobre o recuo dos monocultivos da empresa sobre as áreas reivindicadas pelas comunidades para agricultura e moradia. Segundo os agentes da Justiça e os quilombolas, a minuta de acordo trazida pela Suzano negava a discussão pretérita e representava retrocesso diante de toda a negociação até então empreendida.
Alguns posicionamentos estão assim registrados pelo gerente Renato Pazito: “Dr. Antônio Fonseca disse que pontos que haviam sido acordados não deveriam voltar em pauta, pois demanda tempo e retroage a assuntos já deliberados”; “Luzinete falou da indignação do retrocesso da minuta e que o PDRT não funcionou para as comunidades e que as retomadas feitas foram para suprir a necessidade das comunidades”; “Josielson, representante das Comunidades Quilombolas, afirmou que a empresa está oferecendo individualmente a membros das comunidades projetos individualizados, o que gera conflitos”.
Em resposta, “Wilson esclareceu que não disse que não vai discutir áreas, mas também querem discutir projetos”, informa a ata. “Vanessa Ronchi [consultora de Desenvolvimento Social da Suzano] afirmou que consultores foram a campo para construir junto com as comunidades novos projetos que atendam as comunidades”, complementa o documento, seguido da fala do quilombola Josielson, de que “os projetos da Suzano não visam a cultura dos povos quilombolas”.
Ao final, “Drª. Carolina mencionou a questão de plantio nas áreas de interesse, questionou se a empresa retiraria a plantação em caso de negociação da área; o Sr. Wilson respondeu que mais uma vez estava indo para o tema de expansão de área, mas que levaria para a empresa todos os questionamentos feitos na mesa”.
Na reunião anterior, de 16 de maio, o mesmo debate já havia sido instalado, aparentemente, sem qualquer avanço, devido à negativa da papeleira, como consta nos trechos: “Dra. Carolina pediu esclarecimentos do plantio em áreas de interesse, assim como o Drº. Antônio, devido à insegurança que isso causa as comunidades”, e “Wilson disse que levaria a pauta a diretoria da empresa e que verificaria se poderia ser feito algo para que não acontecesse o plantio nessas áreas”.
‘Na moita’
A Século Diário, aos órgãos de Justiça e à Polícia Civil, a comunidade de Angelim 2 informou um pequeno histórico para contextualizar o ocorrido nessa quarta-feira. “Desde dezembro de 2020, iniciou seu processo de retomada (historicamente e legalmente temos direitos a essas terras) [e que] a partir dessa data, a comunidade frequentemente está em mutirão trabalhando com plantios e cerca de proteção, para produção de comida e recuperação das nascentes destruídas pela monocultura”.
Diz ainda que, “em dezembro de 2021, quando comemoramos um ano de retomada, também estávamos em mutirão, onde dois dias depois a empresa de monocultura de eucaliptos encaminhou suas vigilâncias acompanhados pelas Polícia Militar para cortar cerca, derrubar nossas tentas e tudo que construímos nesse dia (sem nenhum documento de reintegração ou autorização para isso)”.
“Na semana passada, no dia 30 de julho 2022, novamente estivemos em mutirão fazendo plantio e manutenção das cercas para animais não adentrar e comer as mudas. Infelizmente foi em vão tantos cuidados, mais uma vez todo nosso trabalho foi destruído. Às escondidas, à noite, na moita, na covardia, na agressão, do jeito que eles sempre agem, na madrugada do dia nove para dia dez de agosto, eles foram lá e cortaram a cerca, tiraram as mudas, destruíram as nossas placas”.
O relato traz ainda um questionamento: “Nos perguntamos, quem será que fez isso? Quem tem Interesse além da comunidade a essas terras? Só lembrando que não tem mais ocupação de terceiros nessa região, que os únicos moradores por aqui é a comunidade e a empresa Suzano que insiste em plantar nessa área, inclusive a empresa entrou lá e fez preparo de solo para plantio”.
E conclui com uma mensagem clara de resistência. “Enfim, todos procedimentos legais iremos tomar, e afirmamos aqui, cada chibatada que levamos, só serve para nós fortalecer mais, ficamos cada dia mais resistente. Não iremos recuar”.
Na próxima reunião…
Em nota, a SEDH respondeu, a respeito da denúncia feita nessa quarta-feira (10), que “membros do referido grupo [Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários] receberam informações sobre a situação ocorrida, que será levada como pauta na próxima reunião do Grupo de Trabalho (GT) Quilombola, no dia 17 de agosto”.