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Abandono e humilhação ao norte da foz do Rio Doce

Fotos: Eliane Balke

 

Mais um absurdo brota do maior crime ambiental da história do País e um dos maiores do mundo: comprovadamente afetada pela lama de rejeitos da Samarco/Vale/BHP, toda a região ao norte da foz do Rio Doce ainda não foi considerada área atingida, o que impede que os pescadores e outros moradores recebam um auxílio financeiro mínimo por parte da empresa.

“É muita humilhação, você desenvolver a vida toda trabalhando e ser completamente esquecido pela empresa que causou o dano e também pelo governo. A Samarco chegou e acabou com a minha vida, da minha família”, lamenta o pescador Paulo Sérgio Smarzaro, do Pontal do Ipiranga, em Linhares. Depois que a pesca ficou inviável, chegou a trabalhar de pedreiro, mas até esse bico não se sustentou, pois, na verdade, a economia como um todo na região sofreu uma queda. Hoje Paulo está com a família na casa da sogra em São Paulo, aguardando que a situação melhor em sua comunidade.

Incrível como isso pode acontecer, pois os estudos ambientais feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) mostram, há meses, o avanço da lama, que já chegou até o sul da Bahia, na altura de Caravelas. A proibição de pesca e consequente auxílio aos pescadores, porém, continua tendo como limite norte a comunidade de Degredo.

Assim como em Regência, nas localidades vizinhas Pontal do Ipiranga e Barra Seca, em Linhares, e Urussuquara, Barra Nova, Campo Grande, Nativo e Guriri, em São Mateus, além de Conceição da Barra, a lama se faz presente, alterando a qualidade da água, contaminando os peixes e, certamente, impactando de alguma forma também as pessoas que entram em contato com a água ou o pescado. Ainda não há estudos que comprovem esses efeitos sobre a saúde humana, mas, por precaução, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já determinou a proibição da comercialização do pescado oriundo da região em que já há proibição de pesca, ou seja, entre Barra do Riacho/Aracruz e Degredo/Linhares.

O foco nessa região mais restrita foi feito em dezembro, quando a lama ainda estava concentrada ali. Com base nesses estudos, foi definida a região considerada afetada e apta a receber auxílio da empresa. O fato é que a lama não parou de se dispersar, mas a Justiça não acompanhou e não determinou a ampliação da área afetada. E, mesmo em Regência, considerada atingida, o auxílio não é pago a todos os ribeirinhos que perderam suas únicas fontes de renda.

A situação provocou uma verdadeira calamidade na vida de dezenas, talvez centenas de pessoas. Não se sabe ainda quantos. O número de pescadores diretamente atingidos será apresentado nesta terça-feira (19), em Pontal, em uma reunião das lideranças com um grupo de defensores públicos que se disponibilizou a orientar e tirar dúvidas sobre direitos e formas de terem suas necessidades atendidas. Também irão definir em que local a equipe fará os futuros atendimentos.

Feridas na pele e mortandade de animais marinhos

“Moro na beira do rio. Liguei pra Samarco, passei meu CPF, já tem três meses e não apareceu ninguém pra cadastrar a gente. E a Samarco enganando a gente, vem hoje vem amanhã e nunca vem. Mais de trinta pais de famílias passando necessidade”, denuncia José de Araújo Silva, Brilhoso. Pescador no Degredo.

“Eu ainda tô comendo e bebendo porque tem meus vizinhos, vou pra casa de algum filho … Faz vergonha a gente chegar nesse ponto, mas infelizmente a gente tem que falar. Em maio paguei minha carteira porque peguei dinheiro emprestado. E nisso a gente só vai fazendo dívida”, desabafa Nadir Martineli, pescadora em Urussuquara.

“Parece que a Samarco quer acabar com a profissão de pescador aqui na região”, extravasa Eliane Balke, secretária da Associação de Pescadores de Pontal do Ipiranga e Barra Seca.

Além da fragilidade financeira – com luz cortada, aluguel atrasado e risco de despejo da própria casa – Elaine foi uma das primeiras a sentirem literalmente na pele os efeitos da lama de irresponsabilidade e mentiras da Samarco/Vale/BHP: feridas que não tiveram diagnóstico no posto de saúde local apareceram em várias partes do seu corpo e estão sendo tratadas com antibiótico. Depois soube que muitos outros adultos e crianças da comunidade manifestaram o mesmo problema, que só tinha um pequeno alívio quando se afastavam da água do mar e paravam a ingestão de peixe. “Tem gente em Genebra, na Suíça, pesquisando os peixes e moluscos daqui, as mortandades que tem havido aqui”, conta.

E a pesca no Rio Doce ainda não foi proibida

Por aqui, no entanto, nenhum estudo ainda para comprovar a relação entre os problemas de pele e a água contaminada. Aliás, a carência de estudos e informação em geral é assustadora. “Estamos como indigentes mesmo. Queria pelo menos que explicassem as coisas pra gente”, reclama Nadir.

O Ministério Público, especialmente o Federal, tem sido bastante atuante no caso, mas esse disparate ele ainda não conseguiu sanar, tampouco outro absurdo, talvez o maior de todos: a pesca no Rio Doce só está proibida na foz, apesar da ação civil pública de maio deste ano pedindo ampliação da área para todo rio e também o mar. Até agora, não foi julgada pela Justiça.

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