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Abastecimento por poço contaminado revolta moradores de Regência

Moradores de Regência, em Linhares, na Foz do Rio Doce, estão indignados com a iminência de passarem a ser abastecidos com água de um poço já condenado, há cerca de cinco anos, por contaminação com Bário. Em caminhada pelas ruas da localidade, eles gravaram um vídeo publicado nas redes sociais, onde manifestam seus temores e revolta com a medida.

Segundo comunicado da Fundação Renova, da Samarco/Vale-BHP, o poço deve entrar em operação até o final deste mês de março, após a conclusão das obras na Estação de Tratamento de Água (ETA) local, pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), com recursos de compensação ambiental pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015, considerado o maior crime ambiental da história do país e o maior da mineração mundial.

Antes do crime, a ETA captava água do Rio Doce. Há cerca de cinco anos, foram feitos testes com um poço escavado nos arredores da vila e ficou constatada a contaminação da água com Bário, fazendo com que o SAAE condenasse o poço e abandonasse a ideia de usar dessa água para tratamento e abastecimento da população, que tem cerca de 1,5 mil habitantes.

Após a enxurrada de lama –que ainda contamina todo a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, desde Mariana até Regência, além de todo o litoral capixaba, norte do Rio de Janeiro e sul da Bahia –, a alternativa emergencial foi abastecer a vila por meio de carros-pipa que trazem água de Linhares. A água é captada na Lagoa Nova e tratada pelo SAAE na sede do município.

Todos os dias, os caminhões-pipa fazem várias viagens pela estrada de chão que liga a sede ao balneário pesqueiro, trazendo diversos incômodos, porém, a possibilidade de operar um poço já condenado indigna os moradores, receosos com a qualidade da água, após o tratamento pelo SAAE.

“Eu fiz um poço na beira do rio e quando eu cavei dez metros de fundo, a água saiu da cor da lama do rio”, conta, no vídeo feito pela comunidade, o ribeirinho Valdomiro Reis Santos.

“Estou muito preocupada em relação à água e com o futuro dessas crianças consumindo essa água”, diz a comerciante Naara Bellz Herbert Ferrari. “A gente quer respeito!”, afirma.

“Aproveita e traz mais médico pro posto, porque o que vai dar de criança com diarreia, de criança doente …”, ironiza a diarista Adelia Pestana Pinheiros Barros, reclamando a falta de pediatra na unidade de saúde local. “Queremos água potável e não água podre. Água é pra vida, não pra morte!”, brada, repetindo um bordão entoado pelos manifestantes.

A diarista, que trabalhava também como marisqueira antes do crime, diz que há uma reunião marcada para o próximo dia 15 entre a Renova, o SAAE e a comunidade. “Queremos a prova de que a água é boa”, diz.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apoia a manifestação dos moradores. “A questão da água aqui é grave, principalmente pras crianças e idosos. O carro-pipa traz uma água de qualidade duvidosa, mas o poço, a comunidade já sabe que está contaminado por Bário. Não se sabe se esse tratamento do SAAE vai despoluir”, conta João Paulo Lyrio Izoton, militante local do MAB.

Estudos comprovam contaminação crônica

A preocupação dos moradores com o compromisso da Samarco/Vale-BHP e sua Fundação Renova com a qualidade da água servida à população atingida por seu crime está baseado nos mais de dois anos que já se passaram desde o rompimento criminoso da barragem. Sérios problemas de saúde surgiram do consumo e contato com a água e consumo de pescados contaminados pelos rejeitos de mineração, ao longo de toda a bacia atingida, e mais de 600 km do leito do Rio Doce.

Nessa sexta-feira (9), o MAB divulgou, em sua página na internet, um estudo recente sobre os altos níveis de metais pesados no sangue de moradores analisados em Barra Longa/MG, próximo ao local de rompimento da Barragem.

Estudos anteriores, coordenados pelo professor Adalto Bianchini, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), em parceria com outras universidades federais e o Institutos Chico Mendes de Conservação (ICMBio), comprovaram a elevada contaminação dos pescados ao longo do litoral capixaba e baiano atingidos pela lama.

Por meio das expedições com navios de pesquisa, a equipe do professor Adalto conclui que a contaminação da zona estuarina e costeira do Rio Doce atingiu uma fase crônica. Apesar da queda na concentração de vários contaminantes – que se mostraram elevadíssima na fase aguda, nos primeiros meses após o crime – alguns, típicos de mineração, continuam crescendo, com destaque para o ferro.

“É preciso ter muito cuidado”, alertou o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e especialista em ecotoxicologia Adalto Bianchini, com relação aos riscos de consumo da água e do pescado contaminados. Apesar da melhoria na aparência da água, os riscos de danos à saúde persistem e precisam ser investigados pelos órgãos de vigilância sanitária.

Em uma de suas palestras sobre o assunto no Espírito Santo, Adalto explicou que os níveis excessivos de metais essenciais como ferro, cobre e zinco nos tecidos de organismos aquáticos podem causar danos oxidativos às proteínas, lipídios e ao material genético (DNA) associados, além de uma situação de estresse oxidativo. “As consequências podem ser alterações nas funções fisiológicas, alterações morfológicas, carcinogênese (indução do câncer) e até mesmo a morte”, disse.

No caso dos metais não essenciais à vida, tais como chumbo, cádmio e arsênio, mesmo em concentrações reduzidas, o especialista afirmou ser possível haver absorção pelo organismo e indução dos mesmos danos biológicos, inclusive no ser humano, cujos processos de absorção, acumulação e metabolização dos metais são semelhantes àqueles observados nos organismos aquáticos.

Outros estudos, coordenados pelo Greenpeace, com financiamento do Coletivo Rio de Gente, e realizado por institutos independentes de pesquisa e universidades brasileiras, mostraram contaminação das águas e da fauna do Rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo. 

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