Uma ação popular contra o convênio da Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coopptec) e a administração anterior do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) foi protocolizada na Justiça na última quinta-feira (29). Recebeu o número 2015001177 e tramita na Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual. O convênio permite que mais de quatro mil licenciamentos ambientais no Espírito Santo sejam feitos de acordo com os interesses das empresas, sem considerar o que deseja a população.
São denunciados na ação popular, a Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coopptec), empresa com sede no Centro de Gestão Tecnológica da Coope/UFRJ, no Rio de Janeiro, e o engenheiro José Carlos Costa da Silva Pinto, diretor executivo da Coopptec.
Também são denunciados o ex-governador Renato Casagrande (PSB) e Tarcísio José Foeger, ex-presidente do Iema e servidor público do município de Vitória. A ação, assinada pelo presidente da Associação Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi Junior, e pelo advogado Esdras Elioenai Pedro Pires, é a favor do Estado do Espírito Santo e o Iema. O advogado pediu liminar no processo.
Esdras considera que os atos que resultam do convênio são nulos, por terem vício de forma, serem ilegais quanto aos seus objetos. Também apresentam desvio de finalidade. Argumenta que a ação deve ser acompanhada pelo Ministério Público “cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores”.
A ação é contra o contrato que os réus assinaram com o título de “Acordo de Cooperação Técnica 65/2013”. É cheio de vícios, com argumenta o autor. Um deles, não ter sido apreciado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). Outro, “embora a cláusula sétima do acordo fale que não envolve a transferência de recursos, que serão objetos de contratos específicos (Parágrafo único), fica evidente que o objetivo do contrato é amparar a dispensa de licitação de todos os contratos específicos que forem firmados, com ônus para o Erário Estadual, em decorrência deste”.
Cita o autor, como exemplo, o “Projeto de Apoio Técnico e Científico e assessoramento ao licenciamento ambiental do Estado do Espírito Santo, na denominada Nota Técnica Científica do Estudo de Impacto Ambiental EIA- Relatório a respeito das obras da 4ª Ponte e Acessos”.
E segue: “Obviamente, tal espécie de trabalho é de enorme custo, arcado pelo erário. Não podendo, assim, ser objeto de ausência de licitação amparada por um “contrato guarda-chuva”, como vem a ser o impugnado. Patente, por isso mesmo, o desvio de finalidade”.
Com o acordo, os responsáveis pelo contrato transferiram para “os empregados da Coopptec atividades típicas de Estado, que somente poderiam ser exercidas por ocupantes de cargos públicos investidos por concurso público, na forma do art. 37 da Constituição Federal”.
O advogado da Associação Juntos SOS Ambiental explica o que resultou, na prática. “O Iema encaminha processos de licenciamento ambiental para uma empresa terceirizada de digitalização, que os transforma em formato PDF; a empresa de digitalização envia os processos para a COOPE-UFRJ, para que ela terceirize o trabalho mediante a redação de “notas técnicas” que, na verdade, são pareceres técnicos privativos de agentes públicos, e remetidos a uma comissão do Iema que foi composta por um escolhido número de servidores, dentre eles comissionados, conforme Diário Oficial de 20 de maio de 2014, página 90/91”.
Para ele, a Instrução de Serviço 241-S, de 19 de maio de 2014, violou o princípio da moralidade e impessoalidade, ao escolher um restrito grupo para fazer “análise técnica da Nota Técnica elaborada pela COOPE-UFRJ” e a “análise crítica do novo fluxo de licenciamento proposto em empreendimentos especiais de utilidade pública ou interesse social”.
Na prática, “já se verifica que esse grupo foi escolhido para dar aparência de legalidade, chancelando as notas técnicas com pareceres de aprovação. Ou seja, como se fosse possível transformar o trabalho privado em trabalho público, a ser exercido por agentes em função típica de Estado. Mais grave ainda, como podemos ver, é que a referida comissão pode arvorar-se de escolher para si o que considera “empreendimentos especiais”, ou seja, é desviado todo o curso natural do processo administrativo de licenciamento ambiental”.
Para comparar: “seria a mesma coisa que um juiz escolhesse o processo que vai julgar, pedir para um advogado fazer a sentença e assiná-la”. Mas não é só isso. Segue o advogado o seu raciocínio: “A Instrução de Serviço é escancarada ao dizer no “Art. 1º que fica constituída a Comissão Especial com finalidade de analisar o Estudo de Impacto Ambiental –EIA sobre o processo de licenciamento ambiental do empreendimento de Implantação de Ligação entre Vitória e Cariacica – 4ª Ponte.”
Portanto, para dar um rótulo de legalidade à comissão, “fez-se de conta no caput que ela iria analisar apenas um caso específico, quando, na verdade, o parágrafo único atribuiu aos seus membros a análise de tudo que é feito pela Coopetec”. E que “a referida Comissão, ou aquela que a substituir, possui como objetivo analisar em torno de 4.000 licenças. Que, a rigor, deveriam estar sendo analisadas pelos servidores de carreira do órgão dentro do devido processo administrativo”. O Sistema de Licenciamento e Controle das Atividades Poluidoras ou Degradadoras do Meio Ambiente, denominado Sicap, é uma atividade típica do Estado, por força de legislação federal e estadual.
Na ação é denunciado ainda que “A Coopptec está fazendo esse trabalho de 'notas técnicas' sobre os EIAS e Rimas dos empreendedores contratando estudantes de pós graduação. Além de não serem agentes do Estado, não conhecem a realidade do Espírito Santo, não recolhem ART [Anotação de Responsabilidade Técnica] no CREA [Conselho Regional de Agronomia e Engenharia}, não participam de audiências públicas e não respeitam as previsões do Decreto 1777/2007, em escancarado desvio de função das atividades públicas”.
Uma ação absurda, como é explicado na petição: “atividades típicas do Estado não podem ser terceirizadas. Seria a mesma coisa que um magistrado delegar o seu serviço para advogados, e, após, somente assinaria as decisões. Como vimos acima, quem defere ou indefere não é o servidor público de carreira dentro do processo administrativo regular, mas sim aqueles que foram escolhidos por um grupo selecionado pelo Presidente do Iema”.
E mais: “Esse modus operandi vem a prejudicar a legalidade, a moralidade, a impessoalidade. É uma terceirização ilegal de serviço público que não apenas gerará nulidade em milhares de processos, como também põe em risco o meio ambiente e o próprio empreendedor”.
Um dos resultados do convênio é a aprovação do Decreto Nº 3463-R, do “pó preto”. “Esse maldoso beneplácito tem como grande resultado legalizar o ilegalizável, ou seja, a emissão sistemática de toneladas de partículas poluentes para atmosfera da Região Metropolitana de Vitória, provenientes dos complexos industriais presentes no seu espaço urbano (Vale e Arcellor). Um legado que jamais deverá ser esquecido”, como é citado em parecer de Roberto Vervloet, doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP).
É dado valor de R$ 1 milhão à causa. Em caráter liminar, é pedida a suspensão da validade do “acordo de Cooperação Técnica 65/2013 firmado entre os réus. Bem como a Instrução de Serviço 241-S, de 19 de maio de 2014 e as que seguiram na designação arbitrária de servidores para decidir a respeito da validação dos atos praticados pela Fundação”. A ação no mérito requer a anulação do acordo e a condenação dos réus “à exceção do Estado e do Iema, a pagarem indenização por danos morais coletivos”.