Juiz indeferiu pedido, alegando que ONG local não tem legitimidade para representar a causa indígena
A ação civil pública que contesta a construção do condomínio de luxo Manami Ocean Living no Morro de Guaibura, em Guarapari, não será analisada na Justiça Federal e deverá recomeçar na esfera estadual. O processo foi movido pela Organização Não Governamental (ONG) Gaya Religare contra a empresa Design 16, responsável pelo empreendimento, e a Prefeitura de Guarapari.
A decisão foi proferida pelo juiz Luiz Henrique Horsth da Matta, da 4ª Vara Federal Cível de Vitória, no último dia 27 de junho. De acordo com o juiz, a Gaya Religare não tem legitimidade para entrar com ações relacionadas à defesa dos direitos indígenas.
A análise do caso pela Justiça Federal se baseava no fato de que foi adicionado um novo elemento ao processo: além da preservação ambiental, a construção do condomínio significa uma ameaça ao território do povo Borum M’nhag Uipe, comunidade autodeclarada indígena de Guaibura, cujo processo de reconhecimento está em análise na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Para o juiz federal, porém, a Gaya Religare não é, conforme os seus documentos constitutivos, uma associação de defesa dos direitos indígenas. De acordo com a decisão, “a petição inicial, como se viu, sequer tratou de direitos indígenas sobre a área, limitando-se a trazer questões ambientais, estabilizando-se a demanda” e “sequer há definição na própria autarquia indigenista [Funai] se a área pode ser considerada objeto de eventual direito dos povos originários”.
Assim, a ação volta para a instância estadual, mas ainda não há certeza sobre os próximos encaminhamentos. Enquanto isso, a terraplanagem e a destruição seguem ocorrendo no Morro de Guaibura, com desmatamento e interferência nos ecossistemas de espécies nativas.
“É surreal essa situação de a ação ter que voltar de novo para a esfera estadual. Estamos aguardando uma visita do Ministério Público Federal (MPF) no fim do mês, possivelmente junto com a Funai. Provavelmente terá que ser feita uma nova ação”, relata Juliana Souza, integrante da Gaya Religare.
Camila Valadão, deputada estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, aproveitou a ida, nesta semana, a um encontro do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em Guarapari para fazer uma visita ao Morro de Guaibura, na Enseada Azul.
A parlamentar esteve no local no ano passado, e a intenção dessa vez foi fazer um registro do antes e depois da destruição provocada. A visita da deputada serviu, também, para discutir com a Gaya Religare possíveis formas de contestação judicial ao empreendimento.
Um dos caminhos é o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Portaria 11/2016 do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama).
A portaria retirou a possibilidade de o Conselho Estadual de Cultura (CEC) emitir pareceres sobre licenciamentos ambientais, nos casos em que envolve patrimônio cultural natural. Esse é o caso do Morro de Guaibura, que, além de ser uma área de preservação ambiental, tem um papel importante nas atividades culturais da Vila de Guaibura.
Segundo a assessoria da deputada Camila Valadão, a análise sobre as possíveis medidas a serem feitas nesse caso ainda está em andamento.
Denúncias
Desde o segundo semestre do ano passado, quando se tomou notícia da instalação iminente do condomínio de luxo no Morro de Guaibura, a Gaya Religare já realizou dezenas de denúncias relacionadas à situação – tanto em relação aos impactos socioambientais do empreendimento quanto no que diz respeito a irregularidades encontradas no processo de instalação.
No fim de março deste ano, a ONG também fez uma denúncia de intervenção irregular do condomínio. De acordo com a Gaya Religare, a região de mangue do morro foi cercada, e houve poda de árvores usadas pelos pássaros para fazerem seus ninhos – impactando, inclusive, uma espécie ameaçada de extinção no Espírito Santo, a “Mimus gilvus“. Foi feita, ainda, a construção de um muro na areia da praia.
A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), na qual a organização argumenta que foi descumprido o Termo de Adesão da Prefeitura de Guarapari junto à União para a transferência da gestão das praias marítimas urbanas.
Em abril, a entidade também pediu providências a respeito de lama do condomínio escorrendo no mar da Península de Guaibura. Ofícios foram encaminhados à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura (Semag); à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama); ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf-ES); ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema); ao Ministério Público do Estado (MPES); e à Procuradoria-Geral da República (PGR).
No último dia 3 de abril, a Mitra Arquidiocesana de Vitória obteve uma liminar judicial de reintegração de posse de uma área no Morro de Guaibura. A Mitra provou que é proprietária de um imóvel localizado no morro desde 1997, quando recebeu a doação da Câmara de Vereadores.
Após a decisão, segundo informações de moradores, os representantes da Igreja Católica passaram a ter acesso ao espaço, mas a comunidade continua sem poder transitar livremente pelo Morro de Guaibura, costão rochoso no qual realiza suas atividades culturais e de subsistência há mais de cem anos.