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Acordo Estado-Vale não tem metas para reduzir poluição do ar, reafirma perito judicial

Mineradora recorreu em ação que requer indenização à população. Em Carapebus, família retira 20kg de pó preto na calha

Foto do leitor

Não possuem metas objetivas de redução dos níveis de poluição do ar, apenas recomendações genéricas de controle da emissão de poluentes por parte da Vale, “deixando ainda lacunas para a possibilidade de sua não execução, em caso de inexistência de viabilidade técnica ou outro fator determinante”. Essa é a constatação do perito judicial Luiz Roberto Charnaux Sertã Junior sobre o acordo – Termo de Compromisso Ambiental (TCA) – assinado em 2018 entre o governo de Paulo Hartung e a mineradora. 

A manifestação do perito se deu no âmbito da Ação Civil Pública – processo nº 0006596-30.2006.4.02.5001 (2006.50.01.006596-7, na 4ª Vara Federal Cível de Vitória) – impetrada em 2013 pela Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), contra os réus Vale, Estado do Espírito Santo, Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), União Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na ação, a ONG lista vários pedidos, sendo uma parte deles referente à diminuição efetiva da poluição, mediante a paralisação das atividades da empresa ou adoção de mecanismos mais eficiente de controle ambiental, e outra visando indenização da população capixaba frente aos prejuízos provocados pela poluição atmosférica em âmbitos diversos, como saúde – remédios, consultas, faltas no trabalho – gastos extras com limpeza doméstica e desvalorização de imóveis.

Ação semelhante foi aberta simultaneamente pela Anama contra a ArceloMittal e as duas esferas governamentais, bem como similar TCA foi firmado entre a siderúrgica e a gestão de Paulo Hartung. Em ambas as situações, o Ministério Público Federal (MPF) atendeu aos pedidos feitos em juízo pelas poluidoras e utilizou-se dos acordos póstumos firmados entre os réus –Estado e indústrias – como justificativas para interromper a tramitação dos processos.

A prática foi duplamente impugnada pela ONG, que alegou não ter sido consultada pelas partes acerca da elaboração do acordo. O juiz da 4ª Vara Federal Cível de Vitória, Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha, no entanto, decidiu em favor das empresas e suspendeu por um ano as ações, com base nos Termos Ambientais de 2017. No retorno da tramitação, novo pedido das rés para cancelar a realização de perícia judicial prevista nos autos da ação.

Especificamente no processo da Vale, uma primeira perícia foi feita, mas sem as devidas medições, sendo, portanto, designada uma segunda, à qual a Vale também recorreu. Em resposta ao novo recurso, o perito Luiz Roberto Charnaux Sertã Junior concluiu, detalhadamente, sobre a impropriedade de utilizar o TCA de 2018 como justificativa para suspender a perícia, reafirmando denúncias feitas por Século Diário desde setembro de 2017, quando da assinatura dos acordos preliminares [TCAPs] entre o Estado e as poluidoras da Ponta de Tubarão, que no ano seguinte resultariam nos acordos definitivos [TCAs].

Além da falta de métrica e possibilidade de não implementação de controles ambientais mais rígidos por parte da poluidora, por motivos igualmente vagos, o perito destacou ainda outras falhas do TCA, sustentando a relevância do prosseguimento da ação, com suas perícias e análises de pedidos de redução efetiva da poluição, bem como indenização da população por todos os prejuízos sofridos ao longo de décadas de gestão ambiental ineficiente, tanto por parte da mineradora quanto do Estado, seja em esfera estadual ou federal.

O parecer sublinha ainda que a impugnação da Anama pede pela “inclusão de dois pedidos ao atual TCA, com consequente elaboração de um novo acordo, desta vez com a presença da Anama”. Os referenciados pedidos, prossegue o perito, “tratam de proposições específicas, sendo a primeira, a adoção como parâmetro de quantidade máxima de emissão de particulado, 5 gramas por metro quadrado a cada 30 dias, na Ilha do Boi. Alternativamente, como segundo pedido, propõe que sejam reduzidas as emissões totais da Vale, difusas e pontuais, para 70% sobre o inventário de fontes de 2009, bem como 35% sobre a média anual de 2018 das fontes emissoras da 8ª Usina, medida pela própria Vale em relatório encaminhado ao Iema”.

A relevância dos pedidos da Anama se justifica, explica Luiz Roberto, porque “em nenhum momento o TCA trata dos índices atuais de poluição atmosférica e seus efeitos na população da região da Grande Vitória, ou seja, dos possíveis impactos já manifestados no ambiente local. Além disso, não individualiza o percentual de contribuição das atividades da ré nas concentrações de particulados suspensos na atmosfera regional”.

“Ainda, há necessidade de geração de dados imparciais dos índices de particulados no ar, gerados pelas atividades da ré, os quais permitiriam uma análise mais precisa e confiável das concentrações de poluentes na região da Grande Vitória”, afirmou.

“Sendo assim, considerando que há necessidade de geração de dados imparciais sobre as emissões atmosféricas da empresa ré, de individualização destas emissões no contexto urbano da Grande Vitória, bem como conhecimento das concentrações de óxidos de nitrogênio, gases de combustão e compostos orgânicos voláteis, este perito conclui que a eventual celebração do referido TCA não possui o condão de tornar a perícia uma prova dispensável, sugerindo a V.Exa. que seja determinada a continuidade dos trabalhos, para realização da 2ª perícia, visando o atendimento do objeto original desta ação”, concluiu.

Saúde não é só ausência de doença

A foto que ilustra essa matéria foi feita por uma família residente na Praia de Carapebus, na Serra, que se diz indignada com a falta de informações e atitude, por parte da prefeitura, do governo do Estado, da Vale e da ArcelorMittal, com relação à redução do inaceitável volume de poluição atmosférica lançada incessantemente sobre os moradores do bairro. 


Mesmo não revelando uma realidade mais grave, vivida por milhares de pessoas que já perderam a vida em decorrência de problemas respiratórios e cardíacos agravados pelos poluentes emitido pelas duas gigantes da Ponta de Tubarão, a foto e o relato aqui publicados jogam luzes, por sua vez, a reivindicações igualmente legítimas para soluções de problemas diversos provocados pela crônica poluição do ar protagonizada pelas Vale e ArcelorMittal e que assolam a população da região metropolitana da Grande Vitória, reivindicações essas contempladas nos pedidos elencados na Ação Civil Pública da Anama. 
Como bem declarou o médico alergista José Carlos Perini, saúde não é só ausência de doença. “Saúde é ausência de doença, mas também é bem-estar físico e emocional, bem-estar financeiro, habitação adequada, segurança, conforto físico e emocional”, lista. 
“Portanto quando você chega na sua casa e encontra a sua casa suja, seu filho doente, a sua casa contaminada por poluição, isso tudo afeta a sua saúde mesmo que você não dê um espirro! É muito importante entender”, reafirma. “Quando alguém disser que pó preto não causa dano à saúde, você pergunte: o que que o senhor entende por saúde? É essa a pergunta”, sugere, em meio a uma ampla explanação sobre a permissibilidade igualmente crônica de todas as esferas governamentais com relação às gigantes poluidoras, atentando até mesmo contra os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS), limites que ela própria admite que, mesmo sendo respeitados, podem, ainda assim, causar danos à população.

20 kg de pó preto na calha 

Voltando ao caso que ilustra a matéria, o relato é do arquiteto e bambuzeiro Adilson Pereira de Oliveira, sobre seu espanto ao verificar o motivo do afundamento da calha de sua casa, que ele achava ser excesso de folhas caídas da frondosa mangueira que sombreia parte do telhado.

Ao retirar o material que entupia a calha, viu tratar-se de pó preto que, recolhidos em um balde de tinta, somou, estima ele, quase 20 kg. “Chegamos a ir na porta da Vale na intenção de deixar a responsabilidade do descarte com eles. Mas a equipe de segurança me pôs em contato com a responsável da parte de relacionamento com as comunidades e ela veio com aquele ‘blablablá’ de que o resíduo não são só deles, que Carapebus não está na zona de maior impacto da empresa, inclusive dizendo que poderia ter resíduos do mar… mas que se propunha a fazer uma análise do material. Ouvindo isso, mudamos de ideia e resolvemos deixar só uma amostra, de mais ou menos um quilo, e trazer o resto de volta pra casa, pois não confio na análise que eles fazem, se é que vão fazer. Achamos que talvez haja alguma maneira melhor de usar isso”, contou.

Adilson afirma que o desconforto com o pó preto invade as narinas – ele e a esposa são alérgicos e sofrem seguidos problemas respiratórios decorrentes da poluição – ,todo o interior da casa e o terraço onde funciona sua oficina de móveis artesanais, todos permanentemente tomados pela chuva preta e brilhante que cai dos céus na região, faça sol ou chuva.

A saúde é remediada com antialérgicos de toda ordem. A casa, como qualquer imóvel na vasta área de influência direta da Vale e da ArcelorMittal – seja em Serra, Vitória ou Vila Velha, só pra citar as mais próximas – acumulam as marcas da desagradável vizinhança, a despeito da dedicação para removê-las – mais ou menos intensas proporcionalmente ao tempo ou dinheiro disponível para a limpeza extra diária.

E as peças de bambu passaram a ser trancadas em um quarto e cobertos com pano, depois de um prejuízo tido com dois tratamentos extras nos móveis, para retirar o acúmulo de pó preto entre os nódulos, encaixes e amarrações. “A partícula é muito fina, gruda nesses interstícios”, relata.

O balde cheio de pó preto continua guardado em casa, conta Adilson, esperando a melhor destinação que a prometida pelo algoz. “A gente nem sabe se é só da Vale, da ArcelorMIttal. Não tem informação, não tem nenhuma estação de monitoramento no bairro. Vamos procurar um laboratório isento, de alguma instituição de pesquisa pública. Pensamos até em entrar na Justiça pra descobrir de onde vem essa poluição e o que ela provoca na saúde e no ambiente”, desabafa.

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