TJES mediou acordo em ADI impetrada contra lei que proibia circulação desses trabalhadores
Os catadores individuais de materiais recicláveis conquistaram a regularização do seu trabalho, graças a um acordo firmado entre a Prefeitura de Vila Velha (PMVV), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), a Defensoria Pública Estadual (DPES) e o Ministério Público Estadual (MPES), visando suspender os efeitos da Lei Municipal nº 6803/23, que proibia a circulação desses trabalhadores pelas ruas da cidade.
O acordo foi intermediado pelo Tribunal de Justiça (TJES), no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pelo Psol contra a lei municipal (processo nº 50066.4991.2023.8.08.0000) e teve a participação protagonista do Grupo de Assessoria Jurídica Popular Capixaba (Gajupoc).
“Foi uma vitória importante da advocacia popular capixaba. Conseguimos suspender a execução da lei municipal que proibia a circulação de carrinhos de tração humana em Vila Velha. Foi o primeiro acordo numa ADI na história do TJES. O diálogo e a conciliação foram fundamentais”, comemora a advogada popular Josi Santos.
“Por meio do acordo, também conseguimos que esses catadores autônomos possam discutir com o município políticas públicas que os beneficiam nas áreas de saúde e trabalho e outros direitos”, acrescenta.
No texto do documento, consta que o acordo tem como escopo “promover o reconhecimento e a capacitação dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, bem como fomentar inclusão socioambiental e socioeconômica desses cidadãos, e disciplinar e normatizar o tráfego dos veículos movidos por propulsão humana”, considerando o interesse das partes envolvidas em “pôr fim ao litígio”, referente à ADI do Psol.
As dez cláusulas discorrem sobre obrigações relativas principalmente à prefeitura. Entre elas, instituir, no prazo de 30 dias, o Comitê de Gestão Operacional, formado pelas Secretarias de Assistência Social (Semas), Serviços Urbanos (Semsu) e Defesa Social e Trânsito (Semdest), que terá a função de emitir as “normas que orientem o cadastramento municipal de catadores e catadoras individuais, promovendo o chamamento dos catadores e catadoras individuais, de modo a cadastrá-los e integrá-los à política pública”.
O comitê deve ser criado por meio de portaria conjunta municipal e garantir a “inclusão socioprodutiva dos catadores, assegurando sua participação nessa elaboração”. Para isso, deve “contemplar o acompanhamento, apoio e regulamentação da catação individual no município, especialmente no tocante ao meio ambiente do trabalho, à política de inclusão e ao reconhecimento desses profissionais e a sua segurança no tráfego em vias públicas”.
O município também se compromete a, no prazo de sete meses, “contratar empresa para realizar diagnóstico socioeconômico territorial para traçar o perfil, área de abrangência, tipo de material coletado e etc., com objetivo de orientar a formulação da política pública, atualizar o cadastro dos catadores individuais existentes e direcionar adequadamente as ações municipais”.
Outros compromissos da prefeitura são o de “fomentar a participação dos coletores individuais já cadastrados na Associação de Catadores de Material Reciclável que possui parceria com o Município”. Entre elas, a Associação Vilavelhense de Coletores e Coletoras de Materiais Recicláveis (Revive), que funciona no bairro Novo México, com quem a prefeitura tem um acordo de cooperação técnica desde 2021.
A gestão de Arnaldinho Borgo (Podemos) também se compromete a “ampliar o acolhimento de Coletores Individuais nos programas municipais para esse fim, como o Sine (Sistema Nacional de Emprego), acolhimentos institucionais para adultos e CAPS (Centros de Atenção Psicossocial)” e “não regulamentar a lei até que o Plano de Saneamento básico em elaboração seja implementado”.
Ao MPES, cabe “investigar e acompanhar eventual investigação policial acerca da atuação das empresas de ferro-velho junto aos catadores avulsos”.
As atividades de implementação do acordo serão alvo de relatórios mensais por parte dos envolvidos.
Assinam o documento o procurador-geral do Município, Vitor Soares Silvares; os secretários de Assistência Social, de Desenvolvimento Econômico e de Defesa Civil e Trânsito, respectivamente, Letícia Goldner Valim, Everaldo Colodetti e Rogério Gomes dos Santos; o Partido Socialismo e Liberdade (Psol); a promotora Isabela de Deus Cordeiro, do MPES; e o defensor Hugo Fernandes Matias, coordenador de Direitos Humanos da DPES.
Reações
A ADI foi impetrada em junho passado pelo Psol, com apoio do Gajupoc, cerca de três meses após a promulgação da Lei 6803/23. Para a presidente estadual do partido, Ane Halama, a lei, além de inconstitucional, como já demonstrado em tribunais de outros estados e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), é também cruel e preconceituosa. “Cruel, pois tira o único meio de subsistência dessas pessoas que, se pudessem, estariam em um trabalho com melhores condições e remuneração; e preconceituosa, pois tem como objetivo impedir a circulação dessas pessoas na cidade, como se a presença delas causasse algum mal”, declarou, na ocasião, a presidente.
Pelo texto da lei, os carrinhos movidos a tração humana dos catadores individuais ficam proibidos de circular em um raio de 300 metros dos terminais de transporte público instalados no município, além das vias urbanas, nesse caso, via arterial, coletora e da orla marítima. Nas vias rurais, a proibição é nas rodovias. Caso haja descumprimento, o condutor poderá ser penalizado com pagamento correspondente a 100 VPRTMs (Valor Padrão de Referência do Tesouro Municipal), “a ser cobrado em dobro a cada reincidência, além de apreensão do carrinho e de arcar com despesas de remoção e estada do carrinho”.
A medida estabelece ainda que, “no caso de não ser reclamado e retirado dentro do prazo de 10 dias úteis, a contar da apreensão, o carrinho poderá ser desmontado e suas peças encaminhadas às associações que trabalham com materiais recicláveis devidamente credenciadas pelo município”.
Em paralelo à ADI do Psol, a DPES moveu uma Ação Civil Pública (ACP) contra a lei e promoveu um mutirão de orientação jurídica e atendimentos para os catadores de recicláveis do município.
À época, o Vicariato para Ação Social Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória também se manifestou contrário à Lei de Vila Velha em uma nota de repúdio que também critica outra medida considerada de “higienização social” na Grande Vitória, que foi a audiência pública promovida pelo vereador da capital Luiz Emanuel Zouain (sem partido), intitulada “Pessoa em Situação de Rua x Segurança e Saúde”.