Desde a década de 1960 são feitos acordos entre a Vale e os governos do Estado. A partir da década de 80 um novo ator, a ArcelorMittal (então CST), entra em cena. Seguem incontáveis conchavos entre as poluidoras e as empresas. Hoje, o governo do Estado, prefeituras da Grande Vitória e os órgãos fiscalizadores continuam se entendendo: a poluição só aumenta e não são tomadas medidas eficazes para enquadrar as empresas. Ninguém aguenta mais ouvir as ladainhas dos omissos.
Mas o tom das críticas começa a subir. E a participação popular na luta contra o pó preto vem crescendo. No segundo ato realizado contra a poluição do ar em Camburi, no domingo (25), os manifestantes, mesmo reduzidos em número em relação ao primeiro evento (18/01), atingiram um público maior. No primeiro foram 1.500 participantes.
O que garantiu esta maior penetração da mensagem contra a omissão das autoridades, a Vale e a ArcelorMittal foi uma passeata do local do protesto, em frente ao clube dos oficiais, até o Píer de Iemanjá, com retorno ao ponto de partida. As pessoas que caminhavam e as que tomavam banho puderam ouvir, entre outros, o refrão: “Chega de pó preto. Quero ar puro e mais respeito”.
Muitos puderam ler faixas e cartazes denunciando “poluição do ar – políticos coniventes” e “Vitória, Capital do pó preto”. Os manifestantes contaram história em um texto. “Paulo Hartung liberou a Licença de Instalação (LI) da expansão das usinas I a VII e a construção da oitava usina de pelotização. Ignorou o desejo do cidadão capixaba, que nas audiências públicas disse não para a LI e a 8ª usina”, informava a Anama, organização ambientalista.
Pouco antes, em discurso no ato público, o advogado Nelson Aguiar, hoje militante contra o pó preto, lembrava que na segunda eleição do governador Paulo Hartung, em 2006, ele recebeu R$ 1 milhão para a campanha da MBR, mineradora da Vale. Este valor era equivalente à sexta parte dos recursos recebidos pelo candidato.
Logo depois, continua a história, o governador liberaria as licenças para aumento da capacidade de produção das velhas usinas e da 8ª usina da Vale. A conta estava paga, mesmo com o aumento da poluição sobre as cabeças dos moradores da Grande Vitória.
Manifestações na mídia de autoridades públicas sempre favorecem as poluidoras. Os acordos, extrajudiciais ou não, também. Pouco dias antes da manifestação, o promotor de Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público Estadual, Marcelo Lemos, e que aciona na Justiça a ArcelorMittal – exige entre outros, a instalação de barreiras para o pó preto, o winde fense, já provado ineficaz -, falou à Rádio CBN. Considerou o problema mais complexo do que se imagina.
No ato público, Eraylton Moreschi Junior, da Juntos SOS ES Ambiental, recomendou que a entrevista fosse ouvida. Depois o presidente da ONG considerou que não se pode aceitar os projetos em troca da perda da saúde e qualidade de vida do capixaba.
“Em qual país civilizado um cidadão acorda pela manhã, e ao colocar os pés no chão, os mesmos ficam sujos de minério? Onde, no primeiro mundo, se permitirá que as crianças e idosos sofram a ponto de mudar de domicílio, somente para permitir ao poluidor continuar a receber os lucros de sua atividade?”, indaga o ambientalista.
Considerou as afirmações inconsistentes, e que não há avanços no diálogo das autoridades com as empresas, como foi dito. Para o ambientalista, o único avanço que a sociedade consegue verificar é o aumento do pó preto em suas vidas.
Também lembrou que houve um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), portanto não uma decisão judicial, com a Vale. Mas que uma vez mais a sociedade não notou mudança positiva nenhuma e sim negativa. Ele considera que o corpo técnico que definiu as ações do TAC, não tinha a real competência para tal.
Depois de defender a técnica que a Juntos SOS ES Ambiental cobra para controle dos poluentes, o enclausuramento (Domus) do minério nas pilhas de estocagem e nos pontos de transportes, o ambientalista lembra que não há interferência climática no processo.
Lembra que nos “diálogos” do MPES, Iema, Seama, secretarias municipais de meio ambiente e Detran, não há participação da sociedade.
Critica o Decreto 3463-r, que criou os padrões de poluição do ar. “Trouxe ganhos, com certeza trouxe ganho para as poluidoras de Tubarão que viram ser liberada a poluição do pó preto em 14 ton/km2/mês e legalizada; sendo que me MG/RJ e Macapá este valor máximo é de 5ton/km2/mês”, considera. Ele diz ainda que não existe rigor nenhum maior na fiscalização das empresas com a criação dos padrões.
Para Moreschi, é necessário ouvir empresas especializadas para saber se a construção dos tais enclausuradores pode, ou não, pode ser feita nas atuais usinas das empresas. A Vale e ArcelorMittal não aceitam pagar o preço, que consideram elevado.
Também denuncia que o Iema escondeu que o padrão de poluição, mesmo generoso com as poluidoras, foi ultrapassado desde setembro de 2014. Quer saber por que esconderam do cidadão. E ainda tem a coragem de dizer que estão atuando em acordo com a legislação, ironiza.
“A sociedade exige em caráter de urgência urgentíssima o fim deste discurso vago e enganoso, chega de diálogo com as empresas. São décadas de diálogos, TAC e etc., e nada de melhoria na qualidade do ar que o cidadão capixaba respira e na sua qualidade de vida. Tudo isto pela omissão e submissão dos responsáveis por sua solução. Temos que cheirar e conviver com o pó preto dia a dia. Que as autoridades tratem as empresas com o rigor da legislação, tal qual são tratados nos países de primeiro mundo”, exige Eraylton Moreschi Junior.
Um novo protesto, desta vez às 17 horas, será feito em Camburi, no domingo (1). O quarto e último protesto da série será no domingo (8) de fevereiro. Os dois às 9 horas.
Um mundo de prejuízo
A poluição do ar na Grande Vitória prejudica a saúde de mais da metade da população da Grande Vitória, cerca de um milhão de pessoas (a população da região metropolitana da Grande Vitória é de 1.8 milhão de moradores (estimativa IBGE 2014).
Dados de 2001 já atestam a gravidade da situação. Os números jamais foram contestados. As emissões de 28 poluentes provocam vários tipos de câncer, doenças de pele, pulmão e alergias, entre outras. Fazem os moradores perderem saúde e dinheiro, com tratamentos e prejuízos patrimoniais.
Os custos das doenças provocadas pelas poluidoras são enormes. Cada morador da Grande Vitória gastava em 2001, em média, cerca de R$ 100 por ano para tratar as doenças causadas pela poluição do ar. A Vale e a ArcelorMittal causavam neste período doenças que exigiam o gasto anual pela população de R$ 133 a R$ 160 milhões. vai
Histórico da Poluição
A primeira usina da Vale em Tubarão foi inaugurada em 1969. Hoje, a empresa tem oito usinas de pelotização na região. As sete primeiras com capacidade total de produção de 25 milhões de toneladas de pelotas/ano. A oitava produzindo 7 milhões de pelotas por ano.
Com a otimização da produção das usinas de I a VI e a 8ª usina serão 39 milhões de toneladas de pelotas de ferro por ano em Tubarão, o que equivale à sua nona usina. O projeto inicial da empresa para a região era de 12 usinas de pelotização, a maioria coligadas com empresas de outros países.
A Grande Vitória é bombardeada ainda pelos poluentes das usinas siderúrgicas da ArcelorMittal. O início de operação foi em novembro de 1983, como Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST). A ArcelorMittal Tubarão produz por ano de 7,5 milhões de toneladas de aço em placas e bobinas a quente.
A usina da ArcelorMittal Cariacica produz aços laminados, perfis leves e médios para construção mecânica, torres de transmissão de energia e telecomunicações. A capacidade de produção atual é de 1 milhão ode toneladas, das quais 600 mil toneladas de aço bruto e de 400 mil toneladas de produtos laminados por ano. A produção aumentará em 200 mil toneladas anuais.