Há quase 70 anos, essa definição tem pautado uma série de programas, isenções fiscais, benefícios, mecanismos de créditos de carbono, financiamento do Banco Mundial e certificações internacionais de sustentabilidade em todo o mundo, favorecendo a expansão de monoculturas de espécies arbóreas, como eucaliptos, pinus, seringueiras e acácias, principalmente no hemisfério sul, onde esses verdadeiros desertos verdes ocupam várias dezenas de milhões de hectares e continuam se expandindo, insustentavelmente.
Isso porque a septuagenária definição de floresta da FAO considera apenas a altura mínima, a área coberta no solo e a porcentagem de cobertura de copa de um aglomerado de árvores. Essa definição equivocada tem sido usada como modelo para mais de 200 definições nacionais e internacionais desde 1948.
“Com a adoção do Acordo de Paris das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a revisão dessa definição de floresta da FAO adquire uma nova urgência”, diz Guadalupe Rodríguez, da Salva la Selva/Rettet den Regenwald, uma das entidades que integra o WRM, em carta aberta à imprensa publicada pelo movimento em função da data comemorativa.
Na carta, os autores citam como exemplo de péssimo uso dessa definição pela indústria, a “Iniciativa pela Restauração da Paisagem Africana” (AFR100)”. Lançada na conferência do clima da ONU em Paris, em 2015, a iniciativa visa cobrir 100 milhões de hectares que os governos africanos participantes consideram “terra degradada”. “O Banco Mundial disponibilizará 1 bilhão de dólares para esse plano”, denuncia o WRM. Previsivelmente, uma das empresas de plantação de árvores mais polêmicas que operam na África, a Green Resources, com sede na Noruega, esteve entre os palestrantes principais de uma conferência de 2016 em Gana, onde a implementação da iniciativa AFR100 estava no topo da agenda.
“A demanda insustentável de energia por parte dos países industrializados, combinada com sua busca por novas fontes de energia ‘renovável’, já está causando a conversão em grande escala de florestas em plantações industriais de ‘biomassa’. Como exemplo, estima-se que, para atender a todas as necessidades de energia do Reino Unido com biomassa de eucalipto, seriam necessários cerca de 55 milhões de hectares de plantações em um país como o Brasil – cobrindo uma área de terra maior do que o dobro do Reino Unido.
Degradação da memória
O sociólogo Marcelo Calazans, coordenador da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Espírito Santo, chama atenção para o fato de que a degradação da paisagem, dos recursos hídricos, do solo e do clima degradam também a memória das pessoas e a identidade dos povos tradicionais, que vivem junto às florestas, como quilombolas e indígenas, no caso do Estado.
“Querem apagar a nossa memória do que é uma floreta de verdade. Um jovem quilombola que tenha hoje 18, 20 anos, não conhece o que é a Mata Atlântica, só uma plantação de eucalipto”, diz, alertando que, dentro de 50 anos ou um pouco mais, não haverá mais essa memória viva entre essas comunidades e, cada vez menos, entre a sociedade em geral também. “Floresta de verdade é sinônimo de diversidade”, afirma. “Áreas cobertas com monoculturas para produção industrial e de ciclo curto são plantações, não são florestas”, posiciona.