“O símbolo do agricultor e da agricultora familiar é a enxada”. A frase sintetiza o sentimento de repúdio, manifestado nesta quarta-feira (28) por homens e mulheres do campo no Espírito Santo e no Brasil, diante de uma postagem da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República em alusão ao Dia do Agricultor, comemorado anualmente em 28 de julho.
O motivo foi a publicação de uma foto com a silhueta de um homem com chapéu e espingarda apoiada no ombro, acompanhada dos dizeres referentes à data comemorativa e da logomarca da secretaria.
Em nota de repúdio, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) exigiu “reconhecimento e respeito” por parte do governo federal.
Ressaltando que representa “15 milhões de trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares que contribuem com a soberania e segurança alimentar e nutricional da população, produzindo 70% dos alimentos que chegam diariamente à mesa da população brasileira, saudáveis e produzidos de forma sustentável, com mais sabor, potencial nutritivo e preservando os hábitos alimentares locais, o meio ambiente e a cultura local”, a Contag afirma que “a melhor homenagem que os agricultores e agricultoras familiares esperam é reconhecimento ao seu importante papel na produção de alimentos e no desenvolvimento do País”.
A Confederação acentua: “ao invés disso, recebemos do governo federal uma ‘homenagem’ totalmente desrespeitosa, com a imagem de uma pessoa no campo segurando uma espingarda. Exigimos respeito!”.
A entidade reafirma seu repúdio e indignação, homenageando os trabalhadores e trabalhadoras do campo, que “trabalham debaixo de chuva e de sol, no frio e no calor, de domingo a domingo, com pandemia e sem pandemia, semeando, cultivando e colhendo com amor e dedicação os alimentos que geram vida, saúde, renda e desenvolvimento em todo o País”.
No Espírito Santo, agricultoras de Santa Maria de Jetibá, na região serrana, concordaram com a posição da Confederação Nacional. “Arma não coloca alimentos na mesa dos brasileiros. O símbolo do agricultor é a enxada, para poder plantar e colher”, declarou Selene Hammner Tesch, liderança da agricultura orgânica capixaba.
“Eu já li muito a Bíblia, fui orientadora na igreja, e não vi em nenhum lugar que a morte traz solução para alguém. Quem pensa diferente está na ilusão. Deus mostrará o caminho”, complementou. As espingardas, que eventualmente algumas famílias possuem, são usadas para abater animais, como porcos e bois, “não é pra atirar em ninguém”, afirma. A postagem da Secom, ratifica, “é um desrespeito”.
Diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Santa Maria de Jetibá, a agricultora Lucineia Laurett faz coro com Selene. “Não tem como aceitar uma imagem dessa, porque os agricultores familiares, que produzem a comida de verdade pro Brasil, não utilizam de armas pra alimentar o Brasil; isso não é verídico”, assevera.
No final da tarde, a Secom retirou a foto original do ar e a substituição pela imagem de um campo aparentemente de monocultivo, com a chamada “O governo federal trabalha para que os agricultores possam trabalhar em paz” e gráficos sobre invasões de terra, indicando redução drástica dos números durante a gestão de Jair Bolsonaro.
A troca de ‘homenagem” continuou distante da realidade do agricultor familiar, já que as ocupações (chamadas de invasão pelo governo federal) de terra, como reivindicação à reforma agrária contemplada na Constituição Federal, não atingem terras de agricultores familiares, e sim latifúndios improdutivos sob posse de empresários do agronegócio, que produz commodities com elevado uso de agrotóxicos, voltado para a exportação.
“O novo post é de igual mau gosto, completamente descontextualizado e imbuído de preconceito, numa tentativa de criminalizar um movimento legítimo, além de ignorar tantos e tantos problemas que nossos agricultores enfrentam todos os dias. Infelizmente, a comemorar de fato, só a garra e a persistência dos nossos agricultores que tanto fazem, apesar de tantos pesares”, comentou o extensionista capixaba Luciano Fazolo.