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Agricultores questionam preços baixos do CDA de São Mateus

Gestão de Daniel da Açaí fixou preços que impedem o alcance do objetivo do programa junto à agricultura familiar

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Agricultores de São Mateus, no norte do Estado, repudiam os preços estabelecidos pela gestão do prefeito Daniel da Açaí (PSDB) na chamada pública 3/2021 do programa Compra Direta de Alimentos (CDA).

Criado em 2006 no Espírito Santo, o CDA tem dois objetivos complementares: fortalecer a agricultura familiar e garantir a provisão de alimentos saudáveis para famílias de baixa renda. Isso por meio da compra direta de alimentos junto aos agricultores familiares, para distribuição gratuita a entidades e famílias em vulnerabilidade social. Anualmente, os recursos estaduais são distribuídos às prefeituras, que são responsáveis pelos editais de compra, estabelecendo os itens e os valores, de acordo com suas realidades.


Do jeito que está posto este ano, no entanto, segundo os agricultores de São Mateus, nenhum desses dois objetivos poderá ser atingido, pois os preços não são compatíveis com o custo de produção, o que desestimula a venda, impedindo, portanto, que os alimentos cheguem a quem precisa.

O questionamento começou por parte das comunidades quilombolas, que elaboraram uma carta de repúdio a ser encaminhada à prefeitura, na pessoa da secretária de Assistência Social, Marinalva Broedel Machado de Almeida, e ao governo do Estado, sendo seguido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Mateus, e também pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Associação dos Pequenos Agricultores da Região Litoral (Aparli), que, juntos, assinam outro manifesto de repúdio.

“A gente sabe a dificuldade que é enfrentar o sol e animais peçonhentos para produzir nossos alimentos. E se deparar com preços baixos, isso entristece. A gente fica triste, indignado, porque sabe o trabalho que dá para produzir ainda mais em condições de seca”, declara a agricultora Samara Salvador Ferreira, diretora-presidente do sindicato rural local.

“É de conhecimento de todos a importância da agricultura familiar camponesa, que envolve comunidades de pequenos agricultores, assentamentos, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores e etc. na economia do país. São esses os responsáveis por produzir mais de 70% de toda a alimentação que vai para a mesa do povo brasileiro. São esses que durante toda a história e, principalmente durante este momento de pandemia, se preocuparam em produzir para o mercado local. Vale ressaltar que esta pequena agricultura está desfalcada de assistência técnica adequada, créditos, infraestrutura nas comunidades, agroindustrialização, reforma agrária e outras políticas”, argumentam o MPA e a Aparli.

Os preços praticados nesse edital, afirmam, “não cobrem minimamente os custos de produção, especialmente considerando que nos últimos 12 meses alguns insumos tiveram encarecimento de mais de 100%”, [sendo] “necessário rever os preços do edital sob pena de que se assim for, coloca ainda mais a agricultura familiar/camponesa em situação de fragilidade econômica e social”.

Os camponeses dizem ainda que os preços do edital parecem ter se baseado na tabela da Central de Abastecimento do Estado (Ceasa), instituição que, “há muito tempo deixou de ser um espaço de comercialização justo para com os pequenos agricultores”, tendo sido tomado por atacadistas que ganham com vendas em grandes volumes.

Assim, as duas organizações propõem que os preços do edital do CDA devem considerar a seguinte tríade: mercado varejista local, feiras populares e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “Fazer isso não é dar nenhum privilégio à agricultura camponesa, mas sim reconhecer minimamente o esforço que essa população do campo tem feito ao longo de sua existência em alimentar o Brasil”, afirmam.

Na carta redigida pela Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas – Zacimba Gaba e o Fórum Municipal das Comunidades e Associações Quilombolas do Município de São Mateus, também sobressaem a crítica aos valores abaixo do mercado, a qualidade dos produtos, cultivados sem agrotóxicos, e a falta de apoio de políticas públicas.

“Nossa produção é baseada em princípios e conhecimentos ancestrais, sem a presença de agrotóxicos e outros tipos de substâncias toxicas”, [por isso], “exigimos a valorização de cada quilograma de alimento produzido por nós, agricultores familiares quilombolas, que produzimos sem apoio de crédito, sem assistência técnica, sem o apoio das secretarias estaduais e municipais deste estado”, salientam.
Divulgação

Compromisso e alegria

Presidente da Associação de Agricultores Quilombolas Dilôr Barbosa, a agricultora agroecológica Alba Batista Nascimento traduz o repúdio em palavras emocionadas. “A gente tem tanta responsabilidade com as nossas entregas! E fazer isso com a gente! Puxa, meu coração doeu, está partido. É uma grande maldade”, relata.

Integrante da Coordenação Estadual Zacimba Gaba e do Fórum Quilombola das Comunidades de São Mateus, Alba ressalta ainda a seca que novamente o município atravessa, acompanhada da falta de apoio dos órgãos estaduais e municipais e dos bancos. “Já são cinco meses sem chuva aqui na roça. Plantei abóbora e já tá abrindo bracinho, mas só Jesus”.

A agricultora cita alguns exemplos de preços inconcebíveis: alface, que em São Mateus está a R$ 1,94 o quilo, em Conceição da Barra o valor é R$ 7,35. Melancia: R$ 1,15 e R$ 2,65, respectivamente; mamão: R$ 1,80 e R$ 2,49; maracujá: R$ 3,61 e 4,80. E por aí vai.

Além dos valores, os quilombolas, especialmente, notaram ausência de alguns itens produzidos pelas comunidades e que estão de fora do edital de São Mateus, como a farinha, o beiju, o coco verde e o seco, o amendoim e a manga.

Em anos anteriores, conta Alba, houve preços melhores do CDA e mais apoio do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), que ajudava os agricultores a se organizarem para elaborar a lista de produtos e os valores mais viáveis.

“Colhi muita abóbora em 2019, minha abóbora foi levada pelo Incaper no parque de exposição. Em 2020 pegamos uma equipe muito boa da assistência social, vinha caminhão aqui na roça buscar os produtos, e o Incaper organizou os agricultores. Esse ano não teve”.

A expectativa é de que, a partir da exposição da situação às autoridades competentes, os valores sejam acertados e o programa aconteça de forma justa para todos.

“Somos contrários a essa proposta e pedimos revisão dos valores, para termos preços dignos e justos”, conclama Samara. 

“É um dinheiro do governo, então é nosso, para falar a verdade. Não podemos deixar assim. Eu sempre fui apaixonada pelo CDA. Aquela movimentação na associação, os agricultores são muito alegres, têm muito compromisso. Eu quero vender pro CDA, não desisto não”, afirma Alba.

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