Ênio Bergoli ainda não se comprometeu com nenhuma pauta do setor. “Prioriza o agronegócio”, lamentam agricultores
A Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) não tem compromisso com a Agricultura Orgânica e a Agroecologia. A avaliação é da Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg-ES), que procura preencher o vazio deixado pelos governos por meio de ações que busquem sensibilizar a sociedade e, insistem, os gestores públicos em âmbito municipal, estadual e federal.
Exemplo é a programação da Campanha Anual do Produto Orgânico, lançada nesta segunda-feira (29) em Brasília, com presença da agricultura orgânica capixaba Selene Tesch, como representante da região Sudeste na Comissão Nacional de Produção Orgânica (CNPOrg). A expectativa é de que, até o final da programação, o Ministério da Agricultura possa dar uma resposta positiva ao pleito das comissões de produção orgânica que pedem a restauração do orçamento para o setor, diante da verba irrisória deixada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
Outra ação é o painel online que acontece na próxima quinta-feira (1), sobre a importância das agroflorestas para a alimentação saudável e o clima. “Queremos divulgar nosso trabalho enquanto produtores orgânicos e agroecológicos para os consumidores e os órgãos públicos. A importância da alimentação saudável. Estamos numa fase em que as entidades oficiais não dão muita força para nosso trabalho, têm outras prioridades”, afirma o coordenador da CPOrg/ES, agricultor Antônio João Branco.
A situação das feiras orgânicas, ressalta, é um reflexo do descaso. “Está tudo muito misturado, o governo do Estado não dá mais o apoio de antes e as prefeituras também não cuidam, permitem que os convencionais se misturem, prejudicando os agricultores certificados e os consumidores”.
A criação de uma lei ou outro tipo de normativa que proteja e fortaleça as feiras orgânicas foi um dos pontos de pauta da CPOrg-ES com o secretário Ênio Bergoli e sua equipe, incluindo o subsecretário de Desenvolvimento Rural, Michel Tesch, durante reunião presencial realizada no dia 8 de maio, no auditório da Superintendência Federal de Agricultura do Ministério da Agricultura no Espírito Santo (SFA-ES). Os gestores, no entanto, não se comprometeram com nenhuma das pautas.
Agronegócio
“Na reunião com a CPOrg, eles não mostraram conhecer ou dar importância ao nosso trabalho como orgânicos. As prioridades dele são mais para o agronegócio, a cafeicultura”, declara Antônio Branco, cuja percepção se alinha à nomeação, pelo governador Renato Casagrande (PSB), para a presidência do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), ao escolher um especialista em agronegócio para o cargo máximo do órgão, que é estratégico para o fortalecimento da agricultura familiar.
“No passado existia uma gerência de Agricultura Orgânica e Agroecologia. Hoje não existe essa gerência nem outras formas de apoio do governo do Estado. Só tem uma coordenação de Agroecologia, mas sem orçamento nem equipe, é só um técnico que tem muitas outras atribuições e tenta trabalhar sozinho em relação às feiras”, explica o coordenador da CPOrg.
Na memória da reunião, enviada a Século Diário, a CPOrg-ES afirma textualmente que, conforme afirmado pela Seag durante a reunião, “não há orçamento/rubrica específicas à agroecologia/orgânicos”.
A ata traz também a rejeição ao Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (Pleapo), ao registrar a posição da Seag de que a “Pleapo deveria ser ‘destrinchado’ em projetos/metas que se adequem ao modelo de editais da Secretaria, não sendo assumido compromisso específico com as pautas/demandas setoriais”.
Outro ponto sensível foi a constatação da falta de orçamento e equipe específicos para o setor, como já houve em outras gestões estaduais: “não haverá gerência de agroecologia, já que a temática estará no guarda-chuvas de uma gerência de projetos e programas sustentáveis, não havendo ainda nome indicado ao cargo”.
A leitura da ata indica que o “destrinchar” das demandas do setor sugerido pela Seag parece mais um esquartejamento das políticas públicas que outrora existiram. “Projetos de pesquisa e Ater [Assistência Técnica e Extensão Rural] serão considerados via editais da Fapes [Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo] e projetos de infraestrutura produtiva serão considerados via FUNSAF [Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar]”, elenca a memória da reunião.
‘Fora de moda’
“A visão da Seag diverge em linhas gerais com as demandas da CPORG, já que não houve nenhum tipo de manifestação de valorização/priorização da produção orgânica ou de base agroecológica”, concluem os membros da CPOrg/ES, que ainda salientam a triste fala de um dos membros da equipe de Ênio Bergoli: “Grande frustração pela abordagem usada pela Secretaria diante das terminologias legalmente protegidas, quais sejam ‘orgânicos’ e ‘agroecológicos’ – referidas como ‘demodè”.
A resistência em utilizar os termos já consagrados política, social, cultural, legal e cientificamente – Agricultura Orgânica e Agroecologia – foi de certa forma manifestada pelo gestor da Seag em entrevista concedida a Século Diário fevereiro, sobre a criação da Subsecretaria de Agricultura Familiar. “Existem outras formas de agricultura que são ‘poupadoras de recursos naturais”, disse, na ocasião. “Todos os projetos que serão desenvolvidos no campo da produção serão dentro da sustentabilidade, tendo a agricultura orgânica, a agroecologia e outras formas de produção sustentáveis”, disse, citando a agricultura biológica, biodinâmica, natural, permacultura e movimento livres de agrotóxicos.
Mesmo tendo como tema da entrevista a agricultura familiar que, do ponto de vista do Fórum Estadual – criado com objetivo de subsidiar o governo do Estado na criação da Subsecretaria – deveria priorizar exatamente a Agroecologia e a Agricultura Orgânica, Ênio Bergoli fez questão de afirmar que “para além da agricultura familiar, temos pequenos, médios e grandes produtores e empresas rurais no campo” e destacou o anúncio de que “em março vamos lançar um programa de desenvolvimento da agricultura sustentável, envolvendo agricultores familiares e médios também”.
O secretário frisou ainda que ações específicas sobre as “cadeias produtivas da agropecuária capixaba” estão no norte da secretaria. “Em todos esses cenários, o conceito de sustentabilidade é transversal, entrando a agricultura de baixo carbono, a integração floresta-indústria”, disse, elencando estratégias defendidas pelo agronegócio, especialmente o do monocultivo de eucaliptos, que há mais de meio século degrada social e ambientalmente o território capixaba, inicialmente no norte, pela Aracruz Celulose e hoje, todas as demais regiões, a expansão do deserto verde de eucaliptos pela ex-Fibria, hoje Suzano.