Sítio Bela Aurora, em Barra de São Francisco, é um dos exemplos de produção ecológica e sustentável
Sintropia é o inverso de entropia, palavra da física ligada à desorganização dos sistemas e perdas de energia. A agricultura sintrópica é uma proposta então de reorganizar o ambiente natural, permitindo que uma área produza alimentos de forma sustentável, ao mesmo tempo em que preserva a natureza. Um exemplo dessa prática no Espírito Santo vem sendo implantada pela família Marim no Sítio Bela Aurora, em Barra de São Francisco, noroeste capixaba, onde será realizado em 19 e 20 de fevereiro um curso teórico e prático sobre o tema.
“Eu vinha procurando uma solução para produzir sem devastar tanto o solo, mas as outras técnicas que eu tinha aprendido nunca foram 100% sustentáveis, sempre precisava de algo externo ao sistema”, explica o agricultor Sérgio Marim, que descobriu a agricultura sintrópica pesquisando pela internet. Tempos depois conheceu o engenheiro agrônomo Paulo Radaik, conhecedor deste modelo e com quem compartilha a coordenação dos cursos que realiza no sítio familiar, o que tem ajudado a informar e formar novos agricultores capixabas interessados trabalhar de modo sintrópico, sem uso de agrotóxicos e aproveitando ao máximo o próprio sistema da natureza, mesclando árvores nativas, frutíferas e outros plantios de diversas estratificações.
Ernst Götsch, um suíço radicado no Brasil, é considerado o criador do conceito, que parte da observação e potencialização do próprio comportamento e características da natureza. A mudança no Sítio Bela Aurora é evidente. Comprado pela família Marim em 1976, com área predominante de pastagem, agora possui áreas ricas em verde, com árvores e produtos alimentícios. “A família sempre fez uma agricultura que não era essa que chamamos convencional, pois quase não se usava veneno, mas uma agricultura que podemos chamar de tradicional, dos antigos, de plantar e colher mas sem ter um pensamento de preservar o solo”.
Sérgio, que nasceu há 40 anos no sítio, fala do prazer em trabalhar nas áreas de agrofloresta implantadas desde 2017 com base na agricultura sintrópica no local, que transformaram a paisagem, a forma de plantar e colher, o clima, e encantam vizinhos e visitantes. A primeira experiência foi com um curso realizado em outubro daquele ano, implantando o sistema agroflorestal numa área de cerca de mil metros quadrados.
De lá para cá foram outros cursos de implantação e manejo e mais cinco áreas de tamanho similar praticando a agricultura sintrópica. “Dizem que é 5% plantio e 95% manejo. No plantio é preciso entender o tempo de vida de cada planta, os estratos que elas ocupam, necessitando de mais ou menos sol, tudo isso se aprende no plantio”, explica.
Porém, é o manejo que garante que o sistema esteja forte, realizando as podas nos momentos certos para manter um solo forte. A poda vai toda para o próprio sistema, os restos de planta em decomposição ajudam a enriquecer o solo com diversos nutrientes. Plantar espécies apenas para servirem de adubo, ou seja, para crescerem e serem derrubadas para nutrir o chão, é algo comum nesse tipo de manejo, como ocorrem nas próprias florestas, em que flores, galhos e árvores que cumpriram seus ciclos enriquecem o solo e as outras plantas. Assim, evita-se também o uso de insumos externos como adubos que podem ser químicos, esterco ou outros.
O sistema sintrópico, como sugere o nome, também busca guardar a energia nele mesmo e não dispersá-la. E a principal energia que move a agricultura é a energia solar, que proporciona a fotossíntese, que vai gerar a biomassa, que logo enriquece o solo, o que também vai naturalmente aumentando a biodiversidade, com maior variedade de insetos, animais, fungos, bactérias, que também contribuem para o sistema de vida. A questão, diz Sérgio Marim, é, assim como faz a natureza, gerar sistema sempre mais complexos, e não menos, como faz a agricultura convencional com seus monocultivos e produtos químicos biocidas, que matam várias espécies. Com o equilíbrio e a diversidade, há mais vida e mais saúde.
“É uma quebra de paradigma, é mudar a forma de ver a natureza”, diz o agricultor, que desde 2003 atua junto a movimentos ligados à agroecologia. “Ou você cuida do que alimenta seu corpo ou você será destruído pelo que você ingere”, pontua, sobre a situação crítica que o modelo do agronegócio e do uso de agroquímicos vem provocando. “Com as dificuldades que estão havendo na produção, adubos e agrotóxicos cada vez mais caros, espero que as pessoas busquem alternativas e a agrofloresta consegue ter boa produção numa área muito pequena”, avalia.
“A experiência tem mudado meu modo de ver a natureza e isso faz com que queira criar mais áreas e queira também servir de exemplo na região”, conta Marim. “Nós humanos nos achamos inteligentes e esquecemos que fazemos parte de um sistema inteligente. Trabalhar contra esse sistema não é inteligência. E é por isso que o planeta vem sendo devastado pela raça humana”.