Na aldeia tupinikim de Pau-Brasil, casal trabalha para regenerar floresta destruída e garantir soberania alimentar
“Quando ia para a escola de ônibus, olhava o entorno da estrada de Aracruz e sonhava em ver tudo aquilo como floresta de novo”, conta Bárbara Favalessa Almeida, nascida e crescida na aldeia tupinikim Pau-Brasil, no município de Aracruz, litoral norte do Espírito Santo. Hoje, junto com seu companheiro Luiz Cláudio Santos, desenvolve a implantação de um sistema agroflorestal na área que foi usada para monocultivo de eucalipto para a indústria, mas foi retomada pela luta dos indígenas tupinikim e guarani décadas atrás. Uma estratégia para aliar a regeneração do território com a produção de alimentos.
Desde criança, Bárbara, que adotou o nome originário Awana, lembra do contato com a terra e os alimentos, ajudando a colher e descascar aipim que era transformado em farinha e beiju por sua avó. “Mas meus ancestrais já tinham passado pela processo de desapropriação e encurralamento, tendo que se aglomerar em pequenos pedaços de terra. Cresci vendo o território explorado tanto para retirada de madeira quanto para o plantio de eucalipto que impedia a regeneração da floresta”, conta.
A continuidade dos estudos no mestrado ela acabou abandonando. “Tive que optar entre sair ou uma depressão”. Foi na mesma época que conheceu pela internet a agricultura sintrópica, proposta por Ernst Götsch, um suíço radicado no Brasil. A proposta pensa a agrofloresta para recuperar áreas degradadas e acelerar o processo de recomposição das florestas, que pode levar séculos.
O segredo é o manejo constante e o plantio de árvores associadas a outros cultivos menores, aliado ao uso constante de matéria orgânica (restos de troncos e folhas) para proteger e adubar o solo, sem uso de agrotóxicos. “Fazemos assim porque é assim que funciona o planeta. Primeiro vem o capim, depois os arbustos, árvores pequenas e maiores. A tendência do planeta é complexificar a vida. A tendência da vida é produzir mais vida, por isso plantamos agrofloresta, porque é um sistema que privilegia a vida e não a morte, como outros sistemas de produção de alimento que vemos por aí”, explica Luiz
Foi numa área de dois hectares que a família se estabeleceu em fevereiro de 2020 para dar início ao processo, ainda em estágio inicial, mas com transformações que já podem ser observadas no local onde um dia já foi plantado eucalipto em monocultivo. Na parte onde se estabeleceram havia muito capim, que cumpria também seu processo de regeneração, cobrindo a terra e preparando para outras plantas maiores, chamadas de pioneiras, como a aroeira, a erva baleeira e o alecrim do campo, que já se encontram nos arredores. “Isso mostra como a terra está muito ferida, machucada. São plantas curativas, com propriedades analgésicas, antibacterianas, antiinflamatórias. Plantas que também são curativas para o solo”, conta Bárbara, que nos últimos anos vem se aprofundando no conhecimento sobre as plantas medicinais.
O local também tem uma importância fundamental no entorno, já que cuidar da terra é também cuidar das águas. “A gente está numa área de recarga super importante para a comunidade, que abastece uma nascente e um canal de água. Isso aumenta o compromisso que temos de cuidar desse terreno”. Pelo próprio Google Maps, eles já observam as mudanças ocorridas neste curto espaço de tempo.
As árvores ainda são pequenas e vão desde grandes árvores nativas até outras vindas de fora, como o próprio eucalipto, muitas vezes demonizado pelas comunidades que sofreram com a indústria de celulose, mas que pode ser manejado de forma muito positiva associada a diversos outros cultivos. O problema central do atual modelo é o monocultivo desta e outras espécies agrícolas ou florestais, que exaurem as terras e aplicam produtos químicos para combater a propagação do que chamam de “pragas”.
Bárbara e Luiz ainda conciliam o tempo e os recursos que obtém com a agrofloresta ainda inicial com outros trabalhos. Mas o desafio é fazer com que a agrofloresta possa ao mesmo tempo fazer a regeneração, a intenção principal, e contribuir com a soberania alimentar e sustento da família.
Uma das responsabilidades assumidas ao implementar a agrofloresta é também poder mostrar como o sistema pode ser positivo e replicável para outras famílias e aldeias. “O agricultor geralmente acredita mesmo quando vê acontecer”, considera Luiz, que indica que ainda estão num momento muito inicial, mas que no avançar dos anos a mudança será mais e mais visível. “Não precisa ter pressa, mas foco na missão”, aponta Bárbara, que tem se dedicado também bastante ao cuidado do filho Bento, de um ano de idade.
Em Pau Brasil, o casal realiza feiras semanais junto com outros produtores da aldeia. “A gente sabe que tem mercado interno, quer potencializar, trazer autonomia, fazer o dinheiro circular dentro da comunidade. Muitos moradores acabam saindo para comprar em mercados no Centro de Aracruz ou Barra do Shay”.
Ao mesmo tempo em que abastecem a comunidade, criaram um serviço de entregas para outros bairros, por meio de venda de cestas de alimentos entregues em domicílio, por meio do projeto Florestas de Comida, que também divulga o desenvolver agroflorestal na terra em que vivem. Mas a proposta é evoluir para outro modelo, o de Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), no qual os participantes saem de uma posição passiva de consumidores para contribuírem também com o processo que acontece entre o território de produção e o local de compra, ajudando em tarefas como plantio, divulgação, contabilidade, e logística.
“O modelo tradicional de comercialização, de plantar e vender, acaba sendo incoerente com a proposta da agrofloresta. Temos que revolucionar também as formas de mercado. O grande valor do produto fica invisível ou é subestimado, o valor espiritual, a história de vida empregada para que seja possível o alimento estar ali. Não adianta valorizar o produto sem valorizar toda a cadeia sustentável em torno dele”, explica Luiz.