Com índices de poluição atmosférica historicamente acima do que recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Grande Vitória inicia 2022 sem perspectiva de melhora da qualidade do ar. Ao contrário, uma das duas principais poluidoras ao lado da Vale, a ArcelorMittal, anunciou investimentos de US$ 2 bilhões nos próximos anos, para diversificar sua produção de aço laminado, sem sequer ingressar primeiro com pedido de licenciamento ambiental ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).
A informação foi confirmada pelo próprio órgão licenciador, ao responder questionamento feito pela ONG Juntos SOS ES Ambiental. Em reunião em dezembro passado na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, o presidente da entidade, Eraylton Moreschi Junior, destacou a “pobreza de informações e transparência” emanadas das empresas poluidoras, incluindo a mineradora Vale, vizinha da siderúrgica no Complexo portuário e industrial localizado na Ponta de Tubarão, nos limites entre Vitória e Serra.
A ONG capixaba questiona a falta de métricas para redução nos acordos firmados, como os Termos de Compromisso Ambiental (TCAs). “A única métrica usada é o valor do investimento, mas não se diz concretamente qual impacto isso vai trazer na mitigação. As diretrizes são as obras. É um engodo para deixar a população achando novamente que se vai fazer algo”, apontou o presidente da Juntos SOS, que lamentou ainda o fato da população estar descrente em melhorias. “Caiu no descrédito. O cidadão não acredita mais no Estado, que o executivo, legislativo e judiciário vão fazer algo em relação a isso. Sabe que a Vale e ArcelorMittal têm poder e fazem o que querem, que ninguém vai barrar as gestões delas em seus objetivos financeiros”.
Na ocasião, outros parlamentares se uniram a Favatto numa proposta de visitas in loco nas duas indústrias, a partir de fevereiro próximo, para conhecer os investimentos em controle ambiental alardeados, no âmbito dos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados em 2018, mas que não estabelecem nenhuma métrica objetiva de redução dos índices dos principais poluentes já identificados nas chaminés e unidades produtivas.
Em paralelo à letargia estatal, a Juntos SOS e a Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama) procuram interferir nos processos burocráticos, exigindo coerência entre o que entidades do mundo inteiro clamam em relação à necessidade de redução da poluição e o comportamento dos principais atores capixabas nesse processo.
Os novos valores recomendados pela OMS são resultado da análise das novas evidências científicas – acumuladas nos últimos 15 anos, desde a última atualização, em 2005 – sobre os danos que a poluição do ar provoca na saúde das pessoas. “A poluição atmosférica é uma das maiores ameaças ambientais à saúde humana, juntamente com a mudança do clima”, ressalta a OMS, destacando ainda que as novas evidências colocam “a carga de doenças atribuíveis à poluição do ar no mesmo nível de outros grandes riscos globais à saúde, como dieta inadequada e tabagismo”.
Dos seis poluentes avaliados pela Organização, três tiveram reduções significativas de seus limites máximos: as partículas inaláveis ou material particulado fino iguais ou menores que 10 micra (µ) e iguais ou menores que 2,5 µ (respectivamente MP10 e MP2,5); e o dióxido de nitrogênio (NO₂).
“Os riscos à saúde associados a partículas de diâmetro igual ou menor que 10 e 2,5 micra (µm), MP10 e MP2,5, respectivamente, são de particular relevância para a saúde pública. Tanto as MP2,5 quanto as MP10 são capazes de penetrar profundamente nos pulmões, mas as MP2,5 podem entrar até mesmo na corrente sanguínea, resultando principalmente em impactos cardiovasculares e respiratórios e também afetando outros órgãos”, salientou a OMS.
As MPs, explica a entidade internacional, são geradas principalmente pela queima de combustíveis em diferentes setores, incluindo transporte, energia, indústria e agricultura, bem como nas residências. “Em 2013, a poluição do ar exterior e as partículas inaláveis foram classificadas como cancerígenos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) da OMS”, sublinhou.
A cada ano, a OMS estima que a exposição à poluição do ar cause sete milhões de mortes prematuras e resulte na perda de milhões de anos de vida saudáveis. Em crianças, acentua a entidade, isso pode incluir redução do crescimento e função pulmonar, infecções respiratórias e agravamento da asma. Em adultos, a cardiopatia isquêmica e o acidente vascular cerebral são as causas mais comuns de morte prematura atribuíveis à poluição atmosférica, e também surgem evidências de outros efeitos, como diabetes e doenças neurodegenerativas.
Em 2020, segundo o Relatório Anual da Qualidade do Ar publicado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a maioria dos valores medidos nas estações de monitoramento ficou acima e bem acima dos valores recomendados pela OMS.
“Poeira enclausurada”
Nesse aspecto, a ONG propõe “que a emissão total máxima de material particulado das empresas ArcelorMittal e Vale, somadas com as demais emissões já existentes, não ultrapasse o parâmetro de 5 gramas por metro quadrado a cada 30 dias” ou “que a ArcelorMittal reduza no percentual de 70%, sobre o inventário de fontes de 2009, as emissões de materiais particulados totais (fontes difusas e pontuais), e as emissões totais de poluentes contidos nas diretrizes da OMS, dióxido de enxofre SO2, monóxido de carbono CO, dióxido de nitrogênio NO2 e ozônio O3”.
São propostas, ressalta o documento, que se referem “apenas aos pedidos de obrigações de fazer (diminuição de poluição). Ou seja, não dizem respeito aos pedidos de indenização à população pela poluição”.