Já há uma literatura médica consolidada que associa o uso indiscriminado de antibióticos à produção de mutações genéticas em bactérias, tornando-as mais resistentes ao uso desses medicamentos e causando, em seres humanos, casos cada vez mais frequentes de quadros fulminantes de infecções, que podem matar em poucas horas.
E aqui não se fala apenas do uso excessivo de antibióticos em humanos – por meio de automedicação ou da prescrição excessiva por parte dos próprios médicos – mas também em animais utilizados para consumo, especialmente aves de granja para corte e produção de ovos.
Os antibióticos são acrescentados à ração das galinhas, basicamente para evitar infecções e acelerar o crescimento. Ao comer a carne ou os ovos desses animais, os resíduos dos medicamentos contaminam também o corpo do consumidor. “Antibiótico gera alteração do DNA das bactérias. Quando a carne é ingerida, essa ‘informação genética alterada’ é transferida para a pessoa”, explica a pediatra homeopata Fany Ferreguetti.
É a alimentação, ressalta Fany, interferindo diretamente na imunidade. De fato, a boa alimentação é um dos principais quesitos da boa imunidade, que está intimamente relacionada com a qualidade de vida.
Quão satisfeito você está com o seu trabalho, quanto tempo você tem para o seu lazer, qual o seu nível de consciência alimentar, como anda o seu humor e como está a sua autoestima? Cinco perguntas fundamentais que toda pessoa deve se fazer periodicamente, na visão da pediatra, para inquirir, empiricamente, sobre sua própria imunidade.
“Autoestima boa indica imunidade também boa. Humor bom é sinal de defesas em dia, sistema glandular produção de hormônios”, compara a médica, para quem a imunidade é uma espécie de “cinturão de proteção”.
Caso esse “cinturão” esteja fragilizado, os ataques externos podem ser extremamente agressivos e até fatais. Um organismo com baixa imunidade na presença de bactérias com DNA modificado e resistentes a antibióticos é porta aberta para a instalação de um quadro de infecção grave, difícil ou impossível de ser tratada.
Era pós-antibiótico
Na publicação “Comendo o Planeta”, a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) cita um comunicado da Organização Mundial de Saúde sobre a necessidade de serem adotadas ações urgentes para evitar o que chamam de “era pós-antibiótico”, na qual perderemos o poder de cura desses fármacos.
Se isso ocorrer, diz a publicação, perderemos também toda a proteção para pessoas com sistema imune comprometido, receptores de transplantes, doentes de câncer ou bebês prematuros. Perderemos procedimentos que requerem o uso profilático de antibióticos, como cirurgias, cesáreas e exames médicos como biópsias, diálises e cateterismos. “Nesse cenário, qualquer infecção poderá ser fatal”, alerta.
Se depender do empenho do Estado no controle do uso desses perigosos medicamentos em animais de criação, a “era pós-antibiótico” pode ser tornar realidade num prazo muito curto. Exemplo é a prorrogação, por mais dois anos, do início da validade da Instrução Normativa nº 14/2014, que altera a IN nº65/2006, ao determinar a regulação da utilização de antibióticos em alimentos para animais. Publicada em julho de 2016, havia dado prazo de um ano para o setor de produção de rações animais se adequar. Mas, no dia do vencimento do prazo, foi postergado por mais dois anos.
No Espírito Santo, não há nenhum fábrica de ração com autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para usar antibióticos. O problema é que as fábricas destinadas apenas ao consumo próprio – que é o caso das gigantes produtoras de ovos – não são obrigadas a se registrarem, operando, portanto, sem qualquer controle federal.
A produção capixaba de ovos de granja, segundo informações do governo estadual, representa hoje mais de 10% da produção nacional. O Estado é o terceiro maior produtor e tem instalado o maior condomínio avícola do país na produção de ovos.
A entrada da cidade de Santa Maria de Jetibá dá uma ideia do que significa essa enorme concentração de granjas de criação intensiva. O cheiro de fezes de galinha invade o ar durante os longos primeiros minutos de chegada na cidade, sendo impossível não se incomodar. À noite então, a cena é ainda mais impactante, tamanha a quantidade de luzes acesas nos imensos galpões.
A vida inteira sobre uma folha de papel
No livro “Acertos Abolicionistas”, a filósofa Sonia T. Felipe explica que as galinhas de granja chegam a ficar sob luzes acesas até 22 horas por dia, para alterar seu funcionamento hormonal, estimulando uma maior produção de ovos.
Ainda segundo a publicação da SVB, nos sistemas de criação intensiva de ovos, “as gaiolas chegam a conter três a nove aves e o espaço por animal chega a ser de 310 cm2, ou seja, meia folha de papel sulfite [A4]”.
Não é difícil entender porque é necessária uma quantidade tão grande de antibióticos nesses ambientes insalubres. “A manutenção de animais em alta densidade e condições de vida precárias propicia a transmissão rápida de doenças infecciosas, mesmo em ambientes sujeitos a inspeções e controle sanitário. Foi esse o caso da rápida disseminação de gripe aviária nos Estados Unidos em 2015. De acordo com o Departamento de Agricultura daquele país, mais de duzentos surtos foram observados em 15 estados num período de seis meses, afetando cerca de 50 milhões de aves”, relata a SVB.
Na natureza, as galinhas vivem em grupos de no máximo dez indivíduos, informa Sonia T. Felipe, e colocam por ano, no máximo 20 ovos, “o suficiente para manter a reprodução equilibrada de sua espécie”.
Menos proteína animal e mais saúde
Para a SVB, “ainda que o vegetarianismo não resolva o problema do uso e prescrição inadequados de antibióticos pela própria população humana, a redução da demanda por alimentos de origem animal seria uma solução eficaz para reduzir o estoque de animais do planeta e, consequentemente, do uso maciço destes e outros fármacos e aditivos”.
Fany concorda. “As crianças e idosos são mais vulneráveis”, destaca a homeopata, que, em seu consultório, sempre recomenda o aleitamento materno e desestimula a introdução precoce de proteína animal, no mínimo após o primeiro ano de vida, quando o bebê já tem “glândulas e intestino mais preparados para receber informação proteica do animal”.
Na outra ponta etária, continua Fany, tem sido observada uma tendência de se reduzir também o uso de carne e derivados. “O próprio corpo passa a exigir um consumo menor de proteína animal. Em alguns casos, é preciso até suspender. É uma informação proteica que exige muito do metabolismo”, explica.
A médica acrescenta que a redução do consumo de alimentos animalizados precisa vir acompanhada de uma maior fiscalização do uso de antibióticos nas granjas e fazendas de criação. Ao Estado também cabe investir na saúde pública para solucionar a superlotação de hospitais. Aos médicos, uma maior conscientização sobre a real necessidade de prescrição de antibióticos.
E a cada um, mais investimento de tempo e atenção com a própria qualidade de vida e, consequentemente, imunidade. “Saúde é global, até o espiritual tem que ser levado em consideração”, afirma.