As abelhas mostram o caminho da conciliação entre a produção saudável de alimentos e a proteção da natureza. Polinizadoras essenciais para a biodiversidade agrícola e florestal – utilizadas até mesmo dentro de monocultivos como os de café, para aumentar a produtividade da lavoura – são sensíveis a agrotóxicos e têm sido vítimas da insistência caduca do agronegócio em produzir com base em químicos letais derivados da segunda guerra mundial.
Quer mais abelhas em sua propriedade, em seu território, no planeta? Reduza os agrotóxicos, plante mais frutos e flores, e deixe a natureza prover a abundância de vida que lhe é característica.
A Agroecologia segue a cartilha das abelhas – tem a joaninha como símbolo, mas bem que poderia ser uma abelhinha – e já vem mostrando, ano após ano, há umas três décadas, que é protegendo a vida e a biodiversidade que se pode produzir alimentos que realmente saciam a fome dos povos e asseguram a manutenção dos serviços ecossistêmicos essenciais, como produção de água e conservação do solo e do clima, e constroem uma economia criativa, solidária e justa.
Sua expansão sobre o território brasileiro e capixaba é um fenômeno potente, conduzido essencialmente pelos movimentos sociais do campo, com apoio dos movimentos sociais urbanos e consumidores conscientes que não querem mais engolir venenos, além de acadêmicos, pesquisadores e técnicos dos órgãos públicos “rebeldes” em relação ao status quo anacrônico, que ainda reza a bíblia dos receituários de venenos.
Por que a Agroecologia ainda não se tornou regra, ao invés de ainda ser uma disciplina isolada nos currículos de algumas faculdades e cursos tecnológicos, ou um setor com pouco orçamento e prioridade nos institutos estatais – uma exceção à regra biocida da caquética Revolução Verde? As abelhas e toda a diversidade biológica e humana perguntam.
“Viabilidade técnica e econômica já existe. Falta a viabilidade política”, responde, sinteticamente, o agrônomo e especialista em Agroecologia Edegar Formentini, servidor aposentado do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e ex-presidente da Associação dos Servidores do Incaper (Assin).
“Na minha opinião, esses produtos [os agrotóxicos] deveriam ser banidos”, enuncia. “A minha proposta de lei tem três artigos: primeiro, fica proibido o uso de agrotóxicos em todo o território do Espírito Santo; segundo, esta lei entra em vigor na data de sua publicação; terceiro: revogam-se as disposições contrárias”, enuncia, entre gargalhadas, com a anedota utópica. Mas, como isso ainda não é possível, pela falta de “viabilidade política”, é preciso encontrar soluções conciliadoras entre a vanguarda agroecológica e a caducidade agrotóxica, reconhece.
Participante dos debates relativos à construção de uma lei estadual que proteja apiários e meliponários das pulverizações de agrotóxicos, Edegar Formentini dedicou-se a analisar, sob essa perspectiva conciliadora, o perfil fundiário e florestal do Espírito Santo.
No texto do Projeto de Lei 689/2019, de autoria da deputada Iriny Lopes (PT), constam indicações de distâncias seguras que devem ser estabelecidas entre os apiários e meliponários e as culturas vizinhas, receptoras de venenos. Um raio de dois mil metros de exclusão de agrotóxicos ao redor de apiários e meliponários protegeriam a distância média percorrida diariamente por espécies como mandaçais e uruçus, algumas das nativas sem ferrão mais ameaçadas de extinção. É muito, apontam os produtores convencionais, sugerindo 500 metros como o raio possível de exclusão. É pouco, afirmam meliponicultores e apicultores.
Essa discussão, entende Edegar, não tem como chegar a um bom termo. “Uma distância que não mate as abelhas é uma distância que quase cobre o Estado inteiro, inviabiliza a agricultura na maioria dos municípios”, avalia.
Tome-se como referência os municípios de Santa Teresa e Santa Maria de Jetibá, na região centro-serrana, Venda Nova do Imigrante, na sudoeste-serrana, e Atílio Vivacqua, na central-sul. Neles, o tamanho padrão das propriedades familiares tem 250m x 1000 (25 hectares, que foi o tamanho das propriedades distribuídas pelo governo federal na época da colonização).
Em propriedades desse tamanho, explica o agrônomo, a exclusão de mil metros em torno de um apiário/meliponário, dependendo da sua localização no terreno, exigiria a proibição de uso de agrotóxico em 16 propriedades no entorno.
“Santa Teresa tem duas ou três propriedades com mais de 400 hectares. Atílio Vivacqua também. Santa Maria, nenhuma. Numa propriedade desse tamanho, dois apiários impedem o uso de veneno em toda a propriedade”, prossegue.
Há ainda as abelhas fora de produção, nas florestas, que também precisam de proteção. Nos municípios citados, onde há razoável cobertura com fragmentos de Mata Atlântica – a exceção de Atílio, com apenas 15% – o raio de um km em torno das matas remanescentes também inviabiliza a agricultura convencional.
Com exceção do norte e noroeste, onde os latifúndios são mais comuns, a realidade desses municípios se repete em praticamente todo o Estado. A solução, portanto, salienta Edegar, passa não por extensas faixas de exceção, mas pela adoção de práticas agrícolas mais inteligentes, mesmo dentro de um universo convencional, baseado em agrotóxicos.
Entre elas: pulverizar – com trator, bomba costal ou aeronaves – fora das épocas de florada, dar preferência a produtos menos tóxicos às abelhas e controlar rigorosamente a “deriva” da pulverização (a nuvem de veneno soprada pelo vento e que se dispersa do alvo). “Pulverizar um cafezal florido deveria ser considerado um crime e dar cadeia”, opina.
O café, aliás, é a cultura que concentra mais de 70% dos agrotóxicos mais letais às abelhas, os
neonicotinoides, já proibidos em vários países do hemisfério norte e nos fumacês do Estado
. Oss dois produtos à base de neonicotinoides mais comercializados no Espírito Santo são o lmidacloprido e o Tiametoxan, largamente utilizados na cafeicultura, acentua Edegar, com base na análise ainda preliminar de dados relativos ao primeiro semestre de 2021, disponibilizados pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) ao Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fesciat), coordenado pelo Ministério Público Estadual (MPES).
No caso da manga e da uva que tem um período de floração mais prolongada e sofrem o ataque de uma doença chamada antracnose, nesse período deveria ser proibido o uso de inseticidas, permitindo apenas o uso de um fungicida menos tóxico, como o cobre.
Essas reflexões seriam levadas para uma audiência pública sobre o PL 689/2019, marcada para essa quinta-feira (7), mas que foi adiada, a princípio, para o mês de novembro.