Liderança capixaba Vilson Jaguareté acredita que demora pode ser tentativa de desmobilizar a luta indígena
Na tarde desta quarta-feira (15), o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu novamente o julgamento do Marco Temporal. Desta vez, não há data prevista para retomada da análise, já que o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas do processo. O adiamento foi anunciado logo após o voto do ministro Kassio Nunes Marques, favorável à tese ruralista que ameaça o futuro da demarcação de terras em todo o país, incluindo Aracruz, no norte do Espírito Santo.
Divergindo do relator do processo, Edson Fachin, o ministro Kassio Nunes Marques negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1017365. O magistrado se posicionou favorável ao Marco Temporal, alegando que as terras apossadas após 1988 não deveriam ser consideradas tradicionais.
O vereador de Aracruz, Vilson Jaguareté (PT), estava em uma reunião da Comissão de Caciques, em Caieiras Velha, quando recebeu a notícia do voto. “Era um voto esperado. O ministro tem feito vários movimentos em favor do Bolsonaro, que é 100% contra os povos indígenas e a favor do Marco Temporal e dos outras PLs [projetos de lei] que prejudicam os povos indígenas”, afirma.
Após o posicionamento, o ministro Alexandre de Moraes, que seria o próximo a votar, pediu mais tempo para análise. “Novamente cumprimentando o voto detalhado, o voto do eminente ministro Edson Fachin, que trouxe todo o histórico da questão indígena, todas as discussões percorridas no Supremo Tribunal Federal, mas agora o eminente ministro Nunes Marques não só apresentou a divergência, como trouxe diversos pontos da sua tese que necessitam de uma análise detalhada”, apontou.
Para Jaguareté, as sucessivas suspensões do julgamento podem ser uma estratégia de desmobilização da luta indígena. “É lamentável. Cada vez que pedem suspensão, ficamos apreensivos porque pode ser uma manobra pra desmobilizar os movimentos dos povos indígenas do Brasil. Isso é muito preocupante, porque vão protelando para desmobilizar ou até mesmo para ter mais articulação do outro lado lá, né? Do lado do agronegócio, do pessoal que está fazendo exploração ilegal em terras indígenas”, pontua.
Nas redes sociais, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se pronunciou sobre o voto de Kassio Nunes. “Em expressão máxima ao interesse do agronegócio, o voto do ministro Nunes Marques vai contra o direito dos povos originários (…) O adiamento é mais um desrespeito com os direitos originários dos povos indígenas, que estão mobilizados há mais de um mês em Brasília para acompanhar a votação”, criticou a entidade.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também se posicionou sobre a sessão desta quarta-feira. “Mesmo com o julgamento suspenso, a luta dos povos indígenas em defesa de seus direitos constitucionais e contra a tese ruralista do Marco Temporal continua”, destacou.
No Espírito Santo, onde o Marco Temporal pode ameaçar terras demarcadas em 1998, 2002 e 2008, a ideia também é permanecer mobilizado. Caso a tese seja aprovada, só serão consideradas terras indígenas aquelas que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
“Na própria comissão, hoje [quarta, 15] reunida, quando trouxeram essa notícia, dissemos que estamos acompanhando e faremos o que for possível para que as mobilizações não se encerrem (…) seguimos firmes aqui acompanhando e mobilizados para fazer frente a toda a manobra dos governistas”, finaliza Vilson Jaguareté.
Desde a última vez que o Marco Temporal foi colocado em pauta pelo STF, em 25 de agosto, o processo já passou por uma sucessão de adiamentos, sempre acompanhados de perto pelos povos originários. Indígenas do Espírito Santo também participaram de uma série de mobilizações contra a tese, primeiro no Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, depois em protestos locais em Vitória e, por último, na II Marcha das Mulheres Indígenas, realizada na última semana.