Os formatos são variados, mas os resultados costumam se repetir: maior integração entre os alunos e entre os alunos e professores; maior aproximação das famílias na vida da escola, melhora do aprendizado, devido à ludicidade da atividade, melhora da consciência alimentar e ecológica, uma atmosfera mais alegre e leve em toda a unidade escolar.
As cartilhas se multiplicam na internet, as trocas de experiências fortalecem e incentivam. O apoio vem do Ministério, das prefeituras e até da iniciativa privada. Nessa reportagem, vamos ilustrar o fenômeno das hortas escolares capixabas por meio de três iniciativas, em Vitória, Serra e Linhares.
Na Capital, conta sua história a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Custódia, em Bairro de Lourdes, onde a horta comunitária já vai para o seu terceiro ano de funcionamento, envolvendo alunos do primeiro ao quinto ano, com apoio de um projeto dos estudantes de Engenharia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) – Engenheiros Sem Fronteiras.
Este ano, outras atividades sustentáveis serão desenvolvidas em paralelo, entre elas o reaproveitamento de água de chuva. E a diversidade de plantio também vai aumentar. Além dos temperos, alface e tomate, chuchu, ervas e flores. “Os alunos ficam estimulados, associam os conteúdos do livro ao que vivenciam na horta, na prática”, observa a diretora, Regina Maria Figueiredo Brandão.
A médica Henriqueta Sacramento, da Prefeitura de Vitória, coordenadora de um projeto de hortas comunitárias na Capital e uma das apoiadoras da iniciativa na EMEF Custódia, conta que muitas escolas da Capital e do interior já agregam as hortas aos seus projetos político-pedagógicos. “A LDB [ Lei de Diretrizes e Bases da Educação] já prevê horta e alimentação no currículo das crianças. Tem que falar de plantas, de hortas, de ambiente saudável”, defende a médica.
Cambucá, compostagem e portas pintadas
Na EMEF Manoel Martins, em Pontal do Ipiranga, balneário de Linhares, no norte do Estado, a grande horta no terreno atrás do prédio da escola recebe a visita diária dos alunos do primeiro ao nono ano. A primeira experiência foi há dez anos, a partir do interesse do professor de Artes Roque Pancieri. Um sucesso durante três anos consecutivos, a Horta Cambucá homenageia uma fruta nativa da região, parecida com jaboticaba, porém amarela quando madura.
Roque conta que cada turma tinha o seu canteiro e os professores de todas as disciplinas a utilizam como laboratório natural . “Os alunos adoravam descer pra horta. Acompanhavam o crescimento das plantas, aguavam”, lembra o professor-artista.
Assim como na Custódia, outras atividades “brotavam” a partir da prática na horta. Em Pontal, os alunos pintaram e aplicaram arte em relevo em todas as portas internas da escola, personalizando as salas e trazendo um colorido muito especial ao ambiente. A compostagem também acabou sendo aceita pela zelador, depois de muita insistência para que não queimasse as folhas e fibras rasteladas. “Até hoje ele mantém a prática da compostagem. Nunca mais parou”, comemora Roque.
Mesmo com todo o envolvimento dos alunos e professores, porém, incluindo escala para regar e limpar, toda horta escolar, sem exceção, precisa ter ao menos uma pessoa, por turno, responsável por esses e outros cuidados diários. Na Manoel Martins, o falecimento da funcionaria dedicada a isso acabou interrompendo temporariamente a experiência. E só em 2017 ela retornou, agora com apoio do Ministério da Educação e de uma indústria local.
A supervisora Sandra Maria Bortoloti Martinez conta que, a partir da horta, foi construído todo o projeto pedagógico da escola. A verba vai ser aplicada no pagamento de uma remuneração a duas pessoas da comunidade responsáveis pela manutenção. Os alunos do quarto ano em diante participam no contraturno, segundo orientação do MEC. Já o apoio da iniciativa privada conseguiu envolver também os pequenos e no turno escolar.
“São duas ideias principais: desenvolver uma horta ou ao menos um pequeno canteiro ou vaso de planta, em casa. E melhorar a consciência ambiental e alimentar das crianças e suas famílias”, explica a supervisora, que já ganhou prêmios com iniciativa semelhante desenvolvida durante dez anos no bairro Canivete.
Literatura infantil
Na Serra, o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Maria Amélia da Conceição Rosa, apesar da área externa toda cimentada, encontrou nos pneus e garrafas pets a solução para que os pequeninos, com um e dois aninhos, pudessem colocar a mão na terra, plantar e colher legumes, verduras, temperos e ervas. Uma festa!
A professora Cecília Navarro, uma das idealizadoras, conta que a principal motivação foi melhorar a alimentação das crianças, que, notava-se, comiam poucas verduras e muitos produtos industrializados. “Os familiares vinham buscar as crianças com chips na bolsa, biscoito recheado, que a gente não considera que são próprios para crianças pequenas. Na verdade, para ninguém, mas principalmente pra elas”, lembra Cecília.
Felizmente, as famílias se envolveram prontamente na brincadeira, doando as sementes e mudas e as crianças atuaram desde a construção dos canteiros até a finalização da atividade, com a produção de uma grande salada. No meio disso, produziram um livro, em que os animais se alimentavam dos vegetais. “Fizemos pinturas e fotos dos legumes grandes e dos fantoches dos animais comendo os legumes”, conta a professora. Também foi feito um lagartário e trabalhado muito a importância e beleza da diversidade de formatos e cores dos alimentos saudáveis.
Nesse segundo ano do projeto, também uma empresa da região aceitou o pedido de apoio e financiou a construção de canteiros de cimento e jardineiras nos muros. O projeto só cresce, bem como o envolvimento de todo o CMEI.
Alfabetização ecológica
A experiência prática vivenciada por essas e outras escolas capixabas atestam o que teóricos e militantes das hortas escolares defendem há anos. Entre eles, o cientista, educador, ativista ambiental e autor Fritjof Capra: “Plantar uma horta e usá-la como recurso para o preparo de refeições na escola é um projeto perfeito para experimentar o pensamento sistêmico e os princípios da ecologia em ação. A horta restabelece a conexão das crianças com os fundamentos da alimentação – na verdade, com os próprios fundamentos da vida –ao mesmo tempo em que integra e torna mais interessantes praticamente todas as atividades que acontecem na escola”, incentiva o ambientalista, no artigo Alfabetização ecológica: o desafio para a educação do século 21.
Na cartilha Manual para Escolas – A escola promovendo hábitos saudáveis, produzida pela Universidade de Brasília, em parceria com o Ministério da Saúde, os autores destacam que a Horta pode ser um laboratório vivo para diferentes atividades didáticas, além de oferecer várias vantagens para a comunidade.
Dentre elas, cita a cartilha, “proporciona uma grande variedade de alimentos a baixo custo, no lanche das crianças, permite que toda a comunidade tenha acesso a essa variedade de alimentos por doação ou compra e também se envolva nos programas de alimentação e saúde desenvolvidos na escola. Portanto, o consumo de hortaliças cultivadas em pequenas hortas auxilia na promoção da saúde”, afirma.
Há várias atividades que podem ser utilizadas na escola com o auxílio de uma horta, onde o professor relaciona diferentes conteúdos e coloca em prática a interdisciplinaridade com os seus alunos, prossegue a cartilha. “Essas atividades também asseguram que a criança e a escola resgatem acultura alimentar brasileira e, consequentemente, estilos de vida mais saudáveis”.