A área onde será construído o Hospital Geral de Cariacica é imprópria para este fim. A construção foi anunciada nesta quarta-feira (24) pelo governador Paulo Hartung e pelo prefeito Geraldo Luzia O. Junior, o Juninho.
A comunidade apontou como área apropriada e preferencial para a construção do hospital o terreno da antiga Braspérola, na divisa de Cariacica com Viana, às margens da BR-262.
Dos maiores municípios da Grande Vitória, só o de Cariacica não tem seu hospital geral. A exigência dos moradores para esta construção é antiga, de décadas. No aniversário da cidade, foram anunciadas as obras do novo hospital.
Na verdade, Cariacica não tem nem Pronto Atendimento (PA). O de Alto Lage, só recebe pacientes durante o dia, como determinou o prefeito Juninho. É proibido, então, adoecer em Cariacica durante a noite. Ou, se a pessoa ficar doente, tem de correr para Vitória. A unidade que presta algum atendimento, em Itacibá, não merece comentários, de tão precária.
O governo informa que o Hospital Geral de Cariacica contará com 275 leitos e será uma unidade de atendimento geral, incluindo maternidade. Terá 50 leitos de UTI; 10 de UTI Pediátrica; 10 de UTI Neonatal; 10 de Unidade de Cuidado Intensivo Neonatal (UCIN); 40 de maternidade; 30 de semi-intensivo; e 125 leitos de enfermaria.
Projeto, o governo não tem: está sendo elaborado um estudo preliminar. Depois de aprovado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), começa a fase de elaboração do projeto propriamente dito, que o governo prevê concluir ainda neste ano. A licitação é prevista para 2016, ano eleitoral para mandatos de prefeito. A execução da obra está prevista para um período de 36 meses.
O governador Paulo Hartung e o prefeito Juninho incluíram no anúncio da construção do Hospital Geral de Cariacica sua localização: uma área em um Polo Empresarial, às margens da Rodovia Leste-Oeste, em Campo Belo.
Aí começaram as críticas. Antes, um detalhe. O governo tentou emplacar, primeiro, um pequeno favor a um grupo empresarial. Houve lobby, inclusive na Assembleia Legislativa. O Hospital Geral de Cariacica utilizaria a estrutura do Vita Shopping, no bairro Dom Bosco, projeto suspenso pelo grupo empresarial Equimedical há quase dez anos. O povo fez críticas, e o projeto não passou.
Então, o prefeito Juninho conseguiu emplacar sua localização predileta, na tal área no Polo Empresarial, às margens da Rodovia Leste-Oeste, em Campo Belo.
A área foi apontada como imprópria, pois é de preservação permanente. E mais: a sociedade civil havia apontado que a área prioritária para o Hospital Geral de Cariacica é o terreno da falida Braspérola, às margens da Rodovia BR-262, na divisa de Cariacica com Viana. A localização permite acesso fácil a maior parte dos moradores de Cariacica, desde Nova Rosa da Penha, passando pela Grande Campo Grande, entre outras.
Dauri Correia da Silva, da coordenação da Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo (Famopes), conta parte da história da luta pela construção do Hospital Geral de Cariacica. Informa que a segunda opção da comunidade para construção do hospital é, de fato, às margens da BR-447, que liga Campo Belo à Braspérola, um prolongamento da rodovia Leste-Oeste. A Leste-Oeste liga Cariacica a Vila Velha.
A região apontada pela comunidade nesta segunda opção fica na fazenda Gaburros, já desapropriada e com espaço de sobra para o hospital. Portanto, um espaço já público, e apto a receber o Hospital Geral de Cariacica.
Entretanto, outros interesses prevaleceram. Se a região é também estratégica para acesso da população ao hospital, uma vez construído o sistema viário, como reconhece a Famopes, é também uma área de alta valorização imobiliária. Valorização que começou antes, bem antes, quando o projeto da rodovia foi anunciado.
A VTO Polos Empresariais Ltda tem um de seus empreendimentos, o VTO Leste-Oeste, protocolizado na prefeitura de Cariacica. É o processo nº do processo: 8192/2015-1.
Sobre o empreendimento, a empresa promoveu no último dia 15, na EMEF Eurides Gabriel, em Campo Belo, o que chamou de audiência pública. Participaram cerca de 70 pessoas, a grande maioria, estudantes da localidade.
Apresentou, como relata o representante da Famopes, um condomínio misto, residencial e empresarial, de 450 mil metros quadrados. No meio, o que seria o Hospital Geral de Cariacica, com 37 mil metros quadrados. Que será doado para este fim, foi informado.
A comunidade levantou objeções. A de que a região, na bacia do córrego Campo Grande, já está comprometida, saturada. E que no local do empreendimento existem três nascentes. A empresa negou a existência de nascentes.
E parece lastreada no processo 8192/2015-1 que tramita na prefeitura de Cariacica. No processo, existe o laudo o Laudo de Constatação do IDAF – LC N° 1739/2015 – N° de Registro do Processo N° 3657/2015.
Informa: “Que a área é utilizada como área de empréstimo para obra do Departamento de Estradas de Rodagem do ES; … que as duas depressões são propensas a acumular água por escoamento superficial na estação chuvosa por estarem em cota inferior ao restante do terreno, mas não configuram Área de Preservação Permanente (APP), por não haver nascente ou olho d’água que forme curso d’água”.
E mais: “que parte do empreendimento (4,75 hectares) está inserida em APP de curso d’água ao norte do terreno; que a vegetação existente na área é passível de supressão mediante autorização do órgão competente após a emissão da Licença de Instalação; que a APP ao norte do terreno não é passível de conversão para qualquer uso alternativo do solo, salvo nas hipóteses previstas na Lei Federal 12651/2012; Informa ainda que o Laudo não possui efeito autorizativo”.
A prefeitura de Cariacica tem uma secretaria municipal que inclui Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente. Sua Gerência de Fiscalização e Licenciamento Ambiental, depois de analisar o laudo do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), faz várias “sugestões”.
Que “Seja enviado para a Coordenação de Recursos Naturais/Gerência de Meio Ambiente da Semdec informando a existência e a localização das três nascentes identificadas; Sejam informadas as seguintes diretrizes ambientais ao empreendedor: Nenhuma vegetação poderá ser suprimida antes de autorizada pelo Órgão Ambiental licenciador, quando da emissão da Licença de Instalação”
Sugere mais: “As Áreas de Preservação Permanente das Nascentes são de um raio mínimo de 50 metros no entorno do ponto de afloramento (Coordenadas UTM-24k-WGS84 355388/7747594; 355698/7747584; 356009/7747396), conforme preconiza a Lei 12.651/2012; As Áreas de Preservação Permanente dos cursos d’água formados pelas nascentes são as faixas marginais de ambas as margens, com largura mínima de 30m, conforme preconiza a Lei 12.651/2012″.
Segue: “As áreas do terreno com declividade igual ou superior a 45% também devem ser consideradas como Área de Preservação Permanente, conforme Lei Federal n° 12.651/2012; Não é permitido realizar qualquer uso do solo nas Áreas de Preservação Permanente (APP), sem autorização do Órgão Ambiental Responsável; Os projetos do loteamento, quando do requerimento da Licença Prévia, deverão contemplar as Áreas de Preservação Permanente”.
Para finalizar: ” As demarcações das Áreas de Preservação Permanente constantes nos projetos deverão ser georeferenciadas; Apresentar, quando do requerimento da Licença Prévia, propostas voltadas a conservação e proteção para as Áreas de Preservação Permanente existentes na área”. O documento é datado de 20 de junho de 2015.
Contudo, para a construção do Hospital Geral de Cariacica, a decisão parece que já estava praticamente tomada há tempos. Em sua página no Facebook, o prefeito Juninho postou em 8 de janeiro: “Visita técnica a área do futuro Hospital Geral de Cariacica. Juntamente com representantes do governo do Estado realizáramos (sic), na manhã desta quinta-feira (8), uma visita técnica ao terreno de 37 mil metros quadrados que poderá abrigar o Hospital Geral de Cariacica. A sugestão de construção do hospital nesse terreno aconteceu após a área ter sido cedida sem custos para o Executivo. O local abrigará um polo empresarial que agregará firmas da área de logística. Caso o espaço seja aprovado, a previsão é de que a obra inicie ainda este ano. Será uma grande e vitoriosa conquista e acredito que será a maior obra social que o município já teve na sua história”.
Dauri Correia da Silva teme que, pelos interesses envolvidos, o processo na prefeitura de Cariacica continue com sua tramitação enviesada. E chegue pronto ao Conselho do Plano Diretor de Cariacica, que é a instância que deveria analisar o processo, apenas para homologação.