A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale reagiu à campanha publicitária da Samarco/Vale-BHP que tenta minimizar a responsabilidade pelo maior crime socioambiental do País, resultado do rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG). Em nota divulgada nessa terça-feira (16), a entidade manifestou repúdio e indignação pelo conteúdo do comercial, que também rende críticas nas redes sociais e até entre os profissionais de marketing.
Com o lema “É sempre bom olhar para todos os lados”, a Samarco vem desde dezembro do ano passado propagando vídeos na internet e nas redes sociais para vender a imagem de empresa social e ambientalmente responsável, usando como apelo depoimentos de funcionários e lideranças das comunidades atingidas que conseguiu cooptar.
Agora, passados mais de 100 dias do rompimento da barragem, resolveu ampliar nacionalmente o alcance das mensagens para o horário nobre da TV brasileira, revistas e jornais de grande circulação. Mas, ao invés de conquistar a empatia da população, a empresa virou alvo de críticas e protestos de diferentes setores da sociedade.
“Se formos mesmo olhar para todos os lados, queremos saber por que não houve nenhum tipo de punição para as empresas responsáveis por esse crime ambiental; queremos saber por que a Samarco não fala sobre o indiciamento pela morte de 17 pessoas; queremos saber se cada família que ficou desalojada recebeu R$ 100 mil de indenização; queremos saber se os bens da mineradora Samarco estão bloqueados, como determinou a Justiça de Minas Gerais; e queremos saber até onde vai chegar a lama tóxica causada pela ambição, até que a Justiça seja feita”, questionou a Articulação Internacional.
A entidade ressalta que a Samarco utilizou um tempo “precioso e caro” para apresentar “supostos e questionáveis benefícios, após 102 dias do maior acidente ambiental da história do Brasil”.
Com a propriedade de quem acompanha as ações da Samarco desde o rompimento da barragem, em cinco de novembro de 2015, os militantes da Articulação dos Atingidos pela Vale ressaltam que “foi de causar revolta e dor ver a empresa se esconder atrás de trabalhadores e trabalhadores e de pessoas atingidas pelo desastre, para justificar o que simplesmente não se justifica”.
A entidade pergunta quanto foi gasto para veicular a campanha e pontua a postura arrogante com que a empresa busca recuperar sua “imagem fictícia de compromisso e bondade, que ressurge depois do crime ambiental ter sido divulgado em toda imprensa internacional”.
Para a Articulação, não há mídia positiva que tire a Samarco/Vale-BHP da lama. “Um anúncio pago não vale a vida das pessoas que morreram, não vale a dignidade de todas as famílias que perderam suas casas e nunca vai trazer de volta o rio Doce, hoje símbolo do que realmente representa a exploração mineira em todas as suas formas. Quando olhamos para todos os lados, continuamos vendo a impunidade!”.
Marketing
Embora uma peça tecnicamente bem feita, o conteúdo do comercial repercutiu mal até mesmo entre profissionais e sites especializados do mercado publicitário.
Em artigo na revista digital Publicittá, Carlos Franco, que escreve sobre a área, considerou “chocante e repugnante” o comercial. “Do que sorriem seus funcionários? Da desgraça alheia? Dos milhões de moradores de cidades atingidas pela lama tóxica de suas barragens que ficaram sem água potável? Dos gatinhos e dos seus donos, das suas casas, daqueles que perderam tudo? Que tipo de responsabilidade irresponsável socialmente é esta que a Samarco, empresa da Vale e BHP Billiton, quer mostrar?”.
O site Marketing em Foco também abordou a questão com críticas. “A Samarco, com esta campanha, tratou o desastre das barragens de rejeitos que soterraram Barra Longa como uma coisa comum, remediável. Em certa altura, parecia que estávamos assistindo a uma propaganda política, com um candidato mostrando o seu passado ilibado e como ele prioriza o povo em primeiro lugar”, avaliou Fabio Bérgamo.
O efeito, no entanto, foi inverso. “O povo brasileiro, a quem se destinava a comunicação, reagiu bem diferente do que eles esperavam. As mídias sociais foram inundadas com mensagens de repúdio ao comercial. A desaprovação foi em massa, coisa rara nessa época das mídias sociais que polarizam pensamentos”, considerou.
Já Felipe Turlão, no site Goad Media, tratou como “inacreditável” a campanha. “O pior desse final do comercial é o ‘compromisso’ de fazer o que precisa ser feito. Em nenhum momento, ficam claras quais são as próximas metas”.
Turlão lembra que esta não é a primeira vez que a Samarco se comunica de forma “destrambelhada” com a sociedade, em referência ao comunicado do então diretor-presidente da empresa, Ricardo Vescovi, apenas 20 dias após a tragédia. “Falava do ‘orgulho da empresa’ e a também inacreditável mensagem de que quem critica a Samarco o faz por não conhecê-la”.
Nas redes sociais, circula uma campanha para que a sociedade civil denuncie a Samarco ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), por propaganda enganosa.