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Assembleia aprova ‘canetada’ do Executivo que extingue 253 vagas do Incaper

“Processo foi desrespeitoso”, afirmam servidores. Pesquisas em Agroecologia estão entre as mais prejudicadas

Incaper

Apenas uma semana foi o tempo que a Assembleia Legislativa levou para aprovar uma proposta do Executivo que acaba com o cargo de Auxiliar de Desenvolvimento Rural do Instituto de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). A “grande derrota”, como classificam com pesar os servidores, aconteceu na sessão ordinária desta terça-feira (11), e teve voto contra apenas do deputado Sergio Majeski (PSB) e aprovação com ressalva de Iriny Lopes (PT).

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 8/2021 extingue imediatamente as 154 vagas hoje não ocupadas para o cargo e as outras 99 ainda ocupadas, na vacância, ou seja, serão extintas à medida que os servidores se aposentarem ou passarem por outro processo de saída do cargo.


Ao justificar seu voto, Iriny Lopes ressaltou que “a passos lentos estamos caminhando para uma desestatização perigosa do Espírito Santo” e que é preciso que o Estado assuma a sua vocação agrícola”.

“Eu tenho expectativa de que a gente possa voltar a uma mesa de conversa e negociação, para pensar um tipo de reestruturação para um órgão importantíssimo como o Incaper, capaz de fazer assessoria técnico-científica, para melhorar a qualidade da nossa produção, para subir a escala de produção, aproveitando cada vez mais a terra e fazendo dela a condição de voltar a produzir, e não de exaurir como são feitas nos latifúndios onde prevalece a monocultura e a terra é levada à exaustão, precisando de décadas e décadas e décadas e muito recurso para a sua recuperação. Solicito ao governo uma reabertura de conversa com esses atores”, destacou a parlamentar.

Majeski questionou: “como será a substituição desses cargos que estão sendo eliminados? Processo seletivo, democrático? Ou ali estamos criando mais uma quantidade imensa de cargos que poderão ser ocupados também por apadrinhamento, como tem sido o tempo inteiro?”, provocou.

Presidente da Comissão de Agricultura da Casa, Janete de Sá (PMN) reconheceu que não houve consenso nas conversas que foram possíveis de serem feitas com a categoria, mas pediu que “essa redução de vagas se reverta em uma remuneração mais adequada para a parte técnica e principalmente em pesquisa, porque o Estado vai para frente, o país vai para frente com pesquisa”.

Já Gandini (Cidadania), ao ler o parecer pela constitucionalidade e aprovação produzido em reunião conjunta das comissões de Justiça, Cidadania, Agricultura e Finanças, alegou que o cargo extinto trata de “atividades eventuais” e que, por isso, “o governo entende que não precisa fazer concurso para esse cargo”, contratando, em seu lugar, “uma empresa prestadora de serviço complementar para suprir essa demanda sazonal, em especial, da colheita de café, que vai de maio a setembro”.

Continuidade e capacitação

A alegação, no entanto, está bem distante dos argumentos técnicos apresentados pela Associação dos Servidores do Incaper (Assin) e pelo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos).

“Partir de uma premissa da falta de mão de obra temporária para extinção de um cargo de maneira definitiva com vista a sua terceirização abre um grave precedente para que toda a execução de uma política pública permanente de caráter continuado e que necessita de um alto nível de especialização seja, a partir dessa decisão, alvo futuro de um processo maior de precarização em toda a estrutura do Instituto”, argumentaram as entidades em um manifesto conjunto apresentado aos deputados antes da votação.

“É preciso que seja promovido um maior debate sobre o tema, discutindo com todos os envolvidos os seus impactos. Não temos dúvidas de que existem soluções mais simples e muito mais eficazes, e estamos dispostos a debatê-las e dar nossa contribuição”, pediram.

Um dos autores do manifesto, o engenheiro agrônomo Edegar Formentini, servidor aposentado do Incaper, ex-presidente da Assin e atual diretor do Núcleo dos Aposentados da Associação, explica que a mão de obra que o governo do Estado alega que será contratada de forma sazonal, a partir de empresas privadas, não é a melhor solução.

“Treinar um profissional a cada contratação é complicado”, adverte, lembrando que a mão de obra não especializada que será contratada “vai demandar mais tempo do pesquisador junto desse trabalhador para que ele possa executar a contento as atividades”. Num futuro próximo, acredita o agrônomo, “há que se reverter esse processo, porque muitas atividades não poderão ser desenvolvidas com profissionais não treinados”.

Desrespeito

“É um desrespeito à instituição acabar com esses cargos desta forma. Um processo desrespeitoso”, lamenta Formentini, acompanhado do o diretor jurídico do Sindipúblicos, Iran Milanez Caetano.

“Foi uma atitude antidemocrática do governo, porque não oportunizou aos trabalhadores o debate. É falta de respeito com os servidores, por parte de um governo que tinha compromisso de fortalecer o Instituto. Mas o que a gente viu até agora foi o mesmo da gestão anterior de Paulo Hartung”, avalia.

422 vagas em aberto
À extinção das 253 vagas de auxiliar, somam-se mais 169, de vários outros cargos importantes, como pesquisa e extensão rural, totalizando 422 vagas em aberto no Instituto há muitos anos, pois, sem concurso público há mais de uma década, não são feitas as reposições devidas para as vagas deixadas por servidores que se aposentam ou se retiram do órgão em busca de melhores condições de trabalho, de salário e de crescimento na carreira. Atualmente, o Instituto tem apenas 520 servidores, num universo de 942 vagas originalmente existentes, antes da extinção do cargo de auxiliar.
A reivindicação de concurso público vem sendo empreendida fortemente pelo Sindipúblicos e a Assin desde o governo de Paulo Hartung, assim como de reestruturação do órgão e dos planos de carreiras, entre outras demandas, elencadas seguidamente ao Palácio Anchieta, inclusive numa ampla campanha de valorização do Instituto, que publicou peças em outdoor, internet e outras mídias. As reivindicações tiveram aparentemente boa receptividade de Renato Casagrande (PSB) durante sua campanha, em 2018. Mas até agora, não só não saiu do papel, como recebeu um contragolpe inesperado pelos servidores.
“É preciso fazer concurso público para cobrir todas os cargos que estão vagos. É urgente, urgentíssimo. Precisa contratar gente para treinar, porque a agricultura familiar precisa disso”, afirma Edegar. “O Incaper tem 65 anos de experiência com profissionais altamente qualificados e precisa de suporte para esses trabalhos. Não dá pra jogar fora uma entidade com essa história e substituir pela iniciativa privada, que faz só o que dá lucro”, compara.

“Se você investir na agricultura familiar, ela dá retorno para o agricultor e para o Estado. O extinto MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário] mostrou que propriedade familiar com assistência técnica produz pelo menos duas a três vez mais”, informou.

Posição compartilhada pelo Sindipúblicos. “É urgente a realização de concurso público”, reitera Iran Milanez, ressaltando que uma pesquisa do próprio governo apontou que cada um real investido no Incaper se reverte em 10 reais para o Estado.

O sindicato, salienta, vê com muita preocupação os possíveis desdobramentos da extinção desta terça. “Pode abrir precedente para ocorrer o mesmo com outros cargos. Falta de força de trabalho para executar as políticas públicas de pesquisa e extensão rural”.

“Esse modelo de contratação tende a avançar, porque a reforma administrativa precariza mais o serviço público com a adoção de formas de contratação com vínculos temporários e precários, aumentando o número de cargos comissionados, dando poder para fundir e extinguir órgãos e autarquias”, descreve.

Agroecologia
A Agroecologia, expõem os especialistas no manifesto, será uma das atividades de pesquisa mais prejudicadas pela substituição do servidor efetivo pelas contratações terceirizadas e temporárias, ao lado de várias pesquisas sobre agrofloresta, alimentos básicos, plantas medicinais, reflorestamento e educação ambiental, além de trabalho com café, cacau e outros produtos mais comerciais.

Na longa lista, os autores destacam as Fazendas Experimentais de Linhares, de Jucuruaba, de Viana, de Marilândia, de Bananal do Norte, além de unidades de pesquisa de referência nacional, como a Fazenda Mendes da Fonseca, com sua Unidade de Pesquisa Agroecológica, a mais antiga do Brasil nessa área.

“São quase trinta anos de pesquisa no mesmo local e que a tornou um ícone da agroecologia/agricultura orgânica nacional. O livro escrito com base nas pesquisas ali desenvolvidas se tornou o manual de agricultura orgânica na maioria das faculdades de agronomia do país. Os auxiliares rurais, treinados continuamente, tiveram papel importante para o atingimento desse patamar”, relatam.

“Os projetos são desenvolvidos anualmente, bianualmente, porém a implantação pressupõe a existência de uma área com manejo agroecológico de muitos anos, portanto não dá para abandonar a área ao final de cada projeto de pesquisa. É preciso mantê-la sempre”, explicam.

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