Indígenas também paralisaram plano até solução das indenizações. TRF-2 duplicou prazo para reintegração de posse
A assembleia indígena realizada na ocupação da ferrovia que corta o território Tupinikim e Guarani em Aracruz, norte do Estado, reafirmou a revisão do “acordo-desastre” como condição para desocupação dos trilhos, conforme estabelecido desde o início da mobilização, no dia 17 de setembro.
Reunidos às centenas nesse sábado (30), moradores das aldeias mais populosas de Santa Cruz confirmaram que a pauta das indenizações referentes ao crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce é o ponto de partida para a retomada das negociações que foram suspensas pelas mineradoras responsáveis pela tragédia, diálogo, por sua vez, que está no cerne das reivindicações que motivaram a ocupação.
“As comunidades só irão sair dos trilhos se as empresas sinalizarem que irão rever o acordo. É a pauta que o juiz também se comprometeu a levar para elas”, relata o presidente da Associação Indígena Tupinikim e Guarani de Caieiras Velha (AITGCV), Joel Monteiro, referindo-se ao compromisso firmado pelo juiz do caso Samarco/Vale-BHP, Vinícius Cobucci, da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), em reunião remota realizada com os indígenas da ocupação na última quinta-feira (28).
Outros encaminhamentos decididos na assembleia foram pela paralisação total do Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) até que a pauta das Indenizações seja solucionada e pelo pedido, ao Ministério Público Federal (MPF), que ingresse no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o processo de reintegração de posse, com base na argumentação da violação continuada de direitos por parte das empresas criminosas, bem como a iminente ameaçada de aplicação da força policial prevista no despejo.
Esse cenário de desrespeito prolongado por parte das empresas já foi apresentado pelo órgão ministerial ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Mediante o recurso do MPF, reforçado pela Defensoria Pública da União (DPU), a Corte Federal decidiu, também na última sexta-feira, adiar por mais dez dias a data da reintegração de posse, inicialmente estabelecida para o dia 9 de outubro, conforme consta no despacho do desembargador federal Marcelo Pereira da Silva.
Os encaminhamentos da assembleia serão informados pelo Conselho Territorial de Caciques à Samarco, Vale e BHP Billiton, que continuam se negando a dialogar nos termos demandados pelas comunidades, conforme demonstra ofício enviado pela Samarco às lideranças na véspera da assembleia.
Nele, o gerente de Relações Institucionais e com Comunidades da Samarco, Rodolpho Samorini Filho, sugere a data do dia 11 de outubro para reunião com as comunidades, “ressaltando que, conforme registro no ofício enviado pelas empresas anteriormente e na nossa última reunião, não abordaremos os pleitos de revisão da forma de indenizações” e afirma que “o reestabelecimento de nossas pautas ocorra mediante a desocupação da linha férrea”.
‘Acordo-desastre’
A revisão do acordo foi o motivo da ocupação dos trilhos realizada durante 43 dias há um ano, que resultou na saída da Fundação Renova das tratativas com as comunidades, que passaram a ser feitas diretamente com as mineradoras mantenedoras, e com a retomada do pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE), equivalente ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), pago aos atingidos não-indígenas. Os outros pontos de pauta, no entanto, não foram cumpridos pelas mineradoras, que suspenderam as negociações que vinham acontecendo desde então, sob intermediação da 4ª Vara Federal, o que motivou essa segunda ocupação.
O acordo de 2021, explicam os caciques, foi “uma imposição e uma violência” que precisam ser sanadas. “A Fundação Renova, que tinha obrigação de garantir um acordo justo e igualitário, fez o exato oposto, transformando o acordo contra o qual lutamos em um novo desastre (…) Tivemos um acordo injusto, ilegal e violador de direitos, que resultou na pior indenização de toda a Bacia do Doce. Não houve consulta livre, prévia e informada [conforme determinada a Convenção 169 da OIT], na verdade as pessoas foram obrigadas a aceitar os termos do acordo-desastre porque ‘ou era aquilo ou nada’ (…) Todos os demais problemas surgem dessa violação, desse desrespeito. E nós, povos originários, não temos opção: só nos resta lutar contra essa violação continuada”.
Enquanto isso, acrescentam as comunidades: “nosso mangue e nosso rio estão envenenados, nossas praias estão poluídas, nossa pesca está proibida, e o único meio de vida que temos hoje, o Auxílio Subsistência Emergencial, está ameaçado. Perguntamos: como poderemos sobreviver? Teremos de pescar, infringindo a lei apenas para nos envenenar com um peixe contaminado? Quando nossa terra, nossas águas, nosso mangue vão estar limpos?”.