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Assembleia vai investigar doação de parque natural em Santa Teresa para o Sistema S

Gandini lidera o trabalho, que atende a pedido feito pelo Movimento Salve o Parque em audiência pública

A Frente Parlamentar de Conservação da Biodiversidade Capixaba, da Assembleia Legislativa, vai iniciar uma investigação sobre a legalidade do processo de doação de uma área verde de 100 mil m², em Santa Teresa, região serrana do Estado, ao Sistema S, para a construção de um hotel do Serviço Social do Comércio (Sesc). 

O compromisso foi firmado durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa nessa quinta-feira (12), atendendo à demanda do Movimento Salve o Parque, formado por moradores, juristas e ambientalistas, que contestam as operações que envolveram a doação, por não ter sido discutida com a população e não ter sido antecedida sequer por uma votação na Câmara de Vereadores. 

Presidente da Frente Parlamentar, o deputado Fabrício Gandini (Cidadania) informou que três medidas serão tomadas: uma audiência pública sobre o assunto em Santa Teresa; uma visita técnica à área doada; e três solicitações, baseadas na Lei de Acesso à Informação (LAI), destinadas à própria Assembleia, ao governo do Estado e à Prefeitura de Santa Teresa, sobre os atos preparatórios que precederam a lei que autorizou a doação do terreno (nº 9.606/2010).

Ellen Campanharo/Ales

“Este é um tema bem delicado. Tem de ser amplamente debatido. Nos parece que, naquele momento, teve carência de discussão. Estamos diante de uma doação que tem investimento do governo federal. De repente, você pega aquilo e doa para um privado (…) É contestável”, disse, na abertura da audiência.

A operação foi orquestrada pelo ex-governador Paulo Hartung, nos últimos dias de seu primeiro mandato, e incluiu a devolução do terreno para o governo do Estado, apenas cinco anos após ter sido cedido ao município, a princípio, por um prazo de 25 anos. Durante o período de concessão à prefeitura, foi iniciada a construção do Parque Temático Augusto Ruschi – Parque Ecoturístico de Santa Teresa, com recursos federais e municipais de R$ 1 milhão. O parque chegou a ser inaugurado em 2012, mas nunca foi plenamente utilizado pela população.

Originalmente, a área era uma fazenda, doada ao Estado por Aurélio Gramlich, para que fosse preservada e servisse ao bem público. Uma das primeiras obras foi a casa de campo do governador do Estado, que hoje encontra-se deteriorada devido ao abandono do local em meio às polêmicas operações de cessão, devolução e doação. 

Em 2013, um grupo de ambientalistas impetrou uma ação popular questionando a doação e consequente extinção do parque temático. Na primeira sentença judicial, foi autorizada a construção do hotel, mediante o compromisso do Sesc em manter o parque funcionando e aberto à população. O Sesc recorreu, mas ainda não há outra decisão. 

Sem transparência

“O processo não foi transparente em momento algum. Houve somente uma audiência pública, mas em 2018, muito depois da doação, e convocada pela OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], mas o Sesc não compareceu. Ele nunca teve interesse em esclarecer”, relata Carmem Barcellos, coordenadora do Movimento Salve o Parque. “Procuramos o Ministério Público, mas ele disse que só atenderia um advogado; o juiz disse a mesma coisa. A gente, que é sociedade civil, não tem acesso às informações se eles não quiserem nos passar”, expõe. 

A coordenadora destaca a informação do Sesc, durante a audiência, de que só irá ocupar 10% do terreno, com uma obra orçada em R$ 150 milhões. “Mas ninguém conhece esse projeto, tampouco foi feito um estudo dos impactos ambientais e econômicos que o hotel pode provocar na cidade”, reforça. 

O movimento, explica, pediu à Assembleia a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), mas, diante da impossibilidade alegada pelo deputado Gandini, ficou satisfeito com as medidas de investigação anunciadas.

“É oportuno destacar o evidente desvio de finalidade em prol do bilionário Sistema S”, afirmou Carmem. “As pessoas ficaram escandalizadas com o que está sendo feito. As informações que ouviram durante a audiência impressionaram os advogados que estavam presentes. É por isso que a gente faz barulho, para que a sociedade tome conhecimento e possa reagir, se não eles passam a perna na gente”.

Ellen Campanharo/Ales

Processo judicial

O representante do Sesc, advogado Gustavo Lobo Veríssimo da Silva, alegou que a entidade é apenas donatária da área e que a doação não tem nenhuma irregularidade nem ilegalidade, e é um “ato jurídico perfeito”. “Como donatário, ele recebeu a área com incumbências estabelecidas no instrumento de doação. Foi uma doação com encargos. Com uma ocupação de menos de 90% da área, onde o restante será utilizado para educação ambiental e para preservação”, defendeu Lobo. 

O advogado ainda questionou as manifestações daqueles que estão contra a doação do terreno ao Sesc. “Essa pedra está sendo jogada numa direção onde, na verdade, deveria olhar o início desse ato [de doação]. Muitas vezes, esses questionamentos são feitos sem ao menos se olhar os projetos, os documentos e as questões que são levantadas. Se esse ato não foi colado à prova pela própria Justiça, qual é a irregularidade? Mostrem a irregularidade”, desafiou.

A advogada da ação popular contra a doação do parque ao Sesc, Giovana Fidalgo, discordou de Lobo, explicando que a ação é contra o ato ilegal. Conforme a advogada, não foram considerados alguns instrumentos legais e nem a vontade do doador original, Aurélio Gramlich, inclusive a lei de licitação. 

“O juiz entendeu parcialmente, ou seja, que não poderia se desviar da finalidade mantendo o parque e a casa. Só que ele julgou tudo junto, com o ato ilegal. Discordo do meritíssimo juiz da causa, data máxima vênia, e a gente está em fase de recurso. Essa sentença não transitou em julgado. É um ato que não é jurídico perfeito, porque pode ser anulado na segunda ou terceira instância. A sentença está suspensa por causa dos embargos declaratórios”, informou a advogada. 

‘Sesc não é bem-vindo’

O ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-ES, Pedro Domingos, ressaltou que o parque, do ponto de vista do direito coletivo, é essencial para a população de Santa Teresa, e criticou a postura do advogado do Sesc em ressaltar uma legalidade questionável, além de cobrar diálogo e cooperação.

O então presidente interino da OAB-ES à época da doação do terreno, Apolônio Cometti, defendeu que a questão não deve ser resolvida no âmbito jurídico, mas pelas autoridades políticas. 

“É uma questão de natureza sociopolítica. Tem que ser resolvida pelas autoridades políticas e pelo próprio Sesc. Ele já deve ter percebido que não será bem-vindo à cidade, por essa forma que aconteceu a doação. Tanto o Sesc como o Estado têm um compromisso ético com a sociedade, não podem fazer coisas que desagradem a população”, avaliou Cometti.

Na fase de participação do público, moradores de Santa Teresa fizeram uso da palavra, reafirmaram a importância do parque para a cidade e cobraram esclarecimentos e solução para o impasse.

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