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Augusto Ruschi

 
AUGUSTO RUSCHI (*)
 
 
Augusto Ruschi nasceu em Santa Teresa (ES), no dia 12 de dezembro de 1915. Foi o oitavo dos doze filhos do casal Giuseppe Ruschi e Maria Roatti Ruschi.  
Seu pai descendia de família nobre e era natural de Montescudaio – Pisa/Itália, onde existem ainda alguns de seus parentes. Concluiu o Curso de Técnico Agrícola na Universidade de Pisa, conquistando o primeiro lugar. Por isso recebeu como prêmio uma viagem ao Brasil, para onde veio em 1891, já contratado para os trabalhos que viria a desenvolver neste país. Inicialmente, residiu no Paraná, assumindo ali a chefia da Comissão de Agrimensura de Terras e Colonização do Rio Iguaçu. Seguiu depois para Palmeiras, cidade em que trabalhou na instalação da colonização agrícola e que tem hoje uma rua com seu nome. Concluídos os trabalhos no Paraná, veio para o Espírito Santo, onde ocupou o cargo de Auxiliar Técnico na Delegacia de Terras e Colonização. Assumiu depois, o cargo de agrimensor do Comissariado Geral de Terras Públicas e, finalmente, foi nomeado Coletor Federal de Santa Teresa e do município de Afonso Cláudio, função que exerceu até 10 de agosto de 1933. 
A história registra que o antepassado mais remoto, do qual se originaram todos os membros da família Ruschi, tanto italianos quanto brasileiros, se chamava Ruscus, burocrata severo e rigoroso em suas atribuições, que ocupava o cargo de secretário de Nero. O brasão da família é destaque no túmulo de Cesare Ruschi, no Duomo de Pisa, desde o século XIII, e também no de Giovani Ruschi, na Igreja de São Frediano, desde o século XVII. 
Giovani Ruschi dedicou-se à Botânica como cientista e professor da Universidade de Pisa.  Daí a tradição da família, envolvida há mais de dois mil anos com o estudo e o cultivo de plantas. O sobrenome origina-se, inclusive, da espécie Ruscus aculeatus, ou azevinho-do-campo.
Seguindo os passos da família, desde criança, Augusto Ruschi, movido pela curiosidade sobre as flores que seu pai cultivava, adquiriu o hábito de observar e coletar plantas e animais.
Cursou o pré-primário na Escola Mista de Santa Teresa e o primário, no Colégio Ítalo Brasileiro, na mesma cidade. Continuou seus estudos no Ginásio Espírito-Santense, em Vitória-ES.
Em 1933, então com 17 anos, já observava, estudava e organizava suas coleções cientificamente, formando o que viria a ser parte significativa do acervo do futuro Museu de Biologia Professor Mello Leitão.  Nessa época, em decorrência da amizade por Frei Jacinto de Pallazzolo e João Adone Reisen, participou no Rio de Janeiro, de simpósios e conferências sobre Ciências Naturais, Botânica e Zoologia. Por sua capacidade de trabalho e aprofundamento em estudos sobre o mundo animal e vegetal, foi reconhecido e elogiado desde muito jovem, chamando a atenção de cientistas de renome nacional e internacional. 
O início decisivo da sua carreira deu-se em 1937, por ocasião da visita ao seu laboratório particular de estudos de Zoologia e Botânica, feita pelo Prof. Dr. Cândido Firmino de Mello Leitão, do Museu Nacional do Rio de Janeiro e pelo Prof. Dr. Filippo Silvestre, diretor do Reggio Laboratório di Entomologia Agrária di Portici, Nápoli/Itália, na então Chácara Anita, futuro Museu de Biologia Prof. Mello Leitão, recinto particular das suas pesquisas.  Esses professores vieram visitar o insetário de Ruschi, cujas coleções eram organizadas em mais de quinhentas caixas, contendo insetos vivos, pragas de plantas agrícolas, principalmente da ordem Lepidoptera e Coleoptera. Surgiu daí o interesse de ambos pelos trabalhos de Ruschi e, como consequência, o convite para que fosse atuar no Museu Nacional, pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Aos 22 anos, Ruschi tornou-se professor titular de Botânica da UFRJ e cientista pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o que muito contribuiu para seu aperfeiçoamento científico e para o desenvolvimento de suas pesquisas, que foram fundamentais no conhecimento da fauna e da flora da Mata Atlântica. 
Após o falecimento de seu professor e amigo, Dr. Cândido Firmino de Mello Leitão, Ruschi o homenageou, fundando, em 26 de junho de 1949, o Museu de Biologia Prof. Mello Leitão na chácara de sua família. 
Ruschi diversificou bastante seu ramo de atividades.  Além de cientista, tornou-se ecologista, agrônomo, botânico, ornitólogo, topógrafo e advogado. Ao longo de sua vida, identificou, registrou e catalogou centenas de espécies de plantas e animais, notabilizando-se, sobretudo, por seus estudos com orquídeas e beija-flores. O Topetinho Vermelho,Lophornis magnificus, belíssimo beija-flor de tamanho minúsculo, foi escolhido por Ruschi como símbolo do Museu e, posteriormente, da cidade de Santa Teresa.  
 Formado em Engenharia Agronômica (1936-1940) e Direito (1946-1950), concluiu um curso de especialização em Botânica, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e, ainda em 1970, outro curso oferecido pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra.
Após fundar o Museu de Biologia Prof. Mello Leitão, criou a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN).  Em decorrência, foio grande responsável pela implantação de várias reservas ecológicas, entre as quais o Parque Nacional do Caparaó.  
Foi membro fundador, honorário, correspondente e efetivo de várias sociedades científicas, nacionais e internacionais. Ministrou cursos sobre Conservação e Proteção da Natureza e dos seus Recursos, o primeiro deles em Santa Teresa, para as alunas da Escola Normal do Colégio Teresense, lecionou Botânica e Biologia no Museu de Biologia Prof. Mello Leitão e orientou alunos na área de Botânica, em nível de mestrado e doutorado, no Museu Nacional.
Contribuiu significativamente para a difusão da Biodiversidade do Brasil com trabalhos científicos que apresentou em congressos internacionais e nacionais, reuniões e simpósios de que participou, os quais também foram publicados.
Entre tantos outros, desenvolveu os projetos dos Trochilidários para os Zoos de Washington, San Diego e Philadélfia, planejou e superintendeu os trabalhos da parte Ornitológica do Parque Nacional del Este, para o Ministério de Obras Públicas de Caracas, Venezuela.
Realizou excursões didáticas a diversas cidades do país com alunos do Curso de Proteção e Conservação da Natureza e dos seus Recursos, além de excursões científicas no Brasil e no exterior, com finalidades de estudos científicos da fauna e da flora.
Publicou centenas de trabalhos científicos em boletins, revistas e jornais e no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo, além de outros 364 trabalhos científicos divulgados no Boletim do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão.
Foi palestrante em inúmeras conferências promovidas por universidades, instituições científicas nacionais e estrangeiras e instituições interessadas em programas de divulgação científica e biodiversidadeno Brasil e no exterior. 
Foi incansável na luta pela preservação da natureza. Teve papel fundamental na criação de Reservas Biológicasdo Espírito Santo e foi responsável pelo alerta à opinião pública sobre o impacto ambiental de grandes projetos industriais no Brasil e no exterior. Em 1948, no Conselho Florestal do Estado do Espírito Santo, apresentou o Projeto de Criação das Reservas Florestais de Proteção à Fauna e à Flora (Integrais), abrangendo todos os tipos fitofisionômicos do Estado. Fundamentando-se em sua tese sobre Parques Nacionais, organizou a Reserva Florestal de Nova Lombardia.
Foi uma das poucas vozes que se ergueu no período do Governo Militar para denunciar a exploração de áreas na Amazônia, o que ele considerava ser o maior crime que se pode cometer contra a vida no planeta, assim como os equívocos no projeto de ocupação dessa região.
Dentre as muitas lutas que enfrentou em prol da preservação da natureza, destaca-se a deflagrada contra um decreto do Governo do Estado do Espírito Santo, em 1977, que dispunha sobre a implantação de uma fábrica de enlatados de palmitos na Estação Biológica de Santa Lúcia, de onde eles seriam extraídos. Ameaçando o então governador do Estado, Ruschi informou à Imprensa Nacional e Internacional sobre o fato. Em pouco tempo, a pequena cidade de Santa Teresa ficou repleta de jornalistas, que divulgaram para todo o país o dramático apelo de Ruschi, ativando a opinião pública.  Imediatamente, centenas de manifestações de apoio, vindas de todas as partes do mundo chegaram até ele, que foi assim transformado num símbolo contra as agressões ao meio ambiente. 
A luta de Ruschi era pela preservação das florestas.  Defendia que o mundo não poderia prescindir das reservas ecológicas por abrigarem inúmeros espécimes animais e vegetais ameaçados de extinção.
Sua grande paixão foram os beija-flores, as orquídeas e outras plantas polinizadas por esses pássaros. Seus mais importantes trabalhos científicos falam sobre isso. Sem nenhuma bibliografia sobre beija-flores, Ruschi passou a dedicar sua vida ao levantamento de dados científicos sobre a família desses pássaros. Foi o primeiro cientista no mundo, a domesticá-los e reproduzi-los em cativeiro, produzindo pesquisas que se tornaram grande referência mundial no assunto.
Seus estudos chamaram a atenção de um grande estudioso norte-americano, o Dr. Crawford Hallock Greenewalt Jr., que, em 1960, possibilitou a Ruschi não só divulgar seus trabalhos nos Olimpic National Park, Yosemitte National Park, Mart Rainer National Park e Big Tree National Park, mas também percorrer Associações de Proteção ao Meio Ambiente localizadas em São Francisco, Los Angeles, San Diego, Seattle, Ann Arbor, Michigan, Cornell, Ithaca, Detroit, Philadelphia, New York e seus respectivos museus e academias. 
Uma matéria intitulada“O Éden de Augusto Ruschi”, publicada em 1960 na revista Seleções do Reader’s Digest, provocou um despertar para os problemas da preservação da natureza, tanto que um famoso ator, William Holden, chegou a comprar grandes propriedades na África, destinadas à criação de reservas para a vida selvagem.  
Da vasta obra escrita deixada por Augusto Ruschi destacam-se os livros Aves do Brasil, volumes I e II, Beija-flores do Espírito Santo, Beija-flores do Brasil, volumes IV e V, Fitogeografia do Estado do Espírito Santo e Orquídeas do Espírito Santo, Agroecologia.  Autor de um dos maiores acervos existentes sobre a Mata Atlântica, Ruschi deixou também significativas contribuições em estudossobre morcegos, macacos, bromélias, orquídeas e impacto ambiental, publicados nos Boletins periódicos do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão.
Foi reconhecido e homenageado ao longo de sua brilhante e fiel trajetória, sendo contemplado com cinco troféus, dezesseis placas, 23 medalhas e uma moeda de prata comemorativa do 10º Aniversário do Banco Central do Brasil. Em 1987, por intermédio desse mesmo banco, teve sua imagem gravada numa nota Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros). Ainda na década de 1970, consagrou-se na foto de um dos quatro “Beijos que o tempo não esquecerá”, de Ricardo Azoury, em que aparece beijado por um beija-flor, foto publicada na revista Manchete, n.º 1445, de 29 de dezembro de 1979. 
Seu nome foi dado ao mais importante prêmio da Ecologia Nacional – “Medalha Augusto Ruschi”, instituída pela Academia Brasileira de Ciências, que é concedida a cada quatro anos a um cidadão brasileiro que tenha contribuído de forma relevante para as áreas de Ecologia e da Conservação da Natureza. Até o momento, os merecedores dessa medalha, após o falecimento de Ruschi, foram José Galízia Tundisi (1986), Paulo Nogueira Neto (1990), José Marcio Ayres (1994), Ibsen de Gusmão Câmara (1998) e o primatologista Adelmar Faria Coimbra Filho (2002). 
Numa entrevista concedida a Rogério Medeiros, repórter do Jornal do Brasil, em 1986, Ruschi falou sobre sua doença: estava com o fígado comprometido por envenenamento pelo sapo da espécie Dendrobata, quando desenvolvia estudos na Serra do Navio, no Amapá, em 1976. Na ocasião, logo após o contato com os sapos, Ruschi foi internado no hospital apresentando sintomas de distúrbios cardíacos. Tratado como tal, descobriu, anos depois, que seu problema nada tinha a ver com o coração, mas com o fígado, cada vez mais comprometido pelos efeitos do veneno do sapo. Conhecedor do fato, Ruschi admitiu que seus dias estavam contados. Assim, no período de 1984 a 1986, travou uma batalha contra o tempo. Precisava concluir os livros cuja escrita havia iniciado. Seus assuntos eram muitos para serem resolvidos em tão pouco tempo, pois percebia que suas forças diminuíam a cada dia. 
Ruschi sensibilizou o mundo com suas declarações sobre seu estado de saúde e a solidariedade humana foi imediata e expressiva. Na ocasião, o Sr. Jaime Santiago, presidente do IBDF, assim se expressou: “É obrigação nacional tentar, por todos os meios, ajudar a um homem desses”. O apoio maciço de profundo reconhecimento a Ruschi começou a chegar, de todas as formas, vindo de amigos, admiradores, da imprensa nacional e internacional, dos colegas, de vários órgãos de governo e de outros segmentos. Cientistas mobilizaram-se na busca de um antídoto para a peçonha do sapo. 
Finalmente, o Presidente José Sarney recebeu Raoni, cacique dos Txucarramães, no Palácio do Planalto, acordando com ele uma sessão de Pajelança com Ruschi, objetivando tentar curá-lo. Acertos foram feitos com o então Ministro do Interior, Costa Couto e Raoni, juntamente com o pagé Sapain, da tribo Camaiúra, deu início ao ritual. Ruschi chegou a apresentar melhoras, mas não a cura.  Segundo o cacique Raoni, o envenenamento havia acontecido há muito tempo e o comprometimento do fígado já era fatal.
Antes do início do ritual da Pajelança, Ruschi apresentou-se aos índios e, em sua fala, fez breves comentários sobre o trabalho deles, dizendo também: “Eu sabia que o sapo era venenoso. Mas estava vivendo um momento de muita emoção, de fúria mesmo, ao me deparar com um beija-flor que nunca havia visto antes e que é considerado o mais bonito do Brasil. Seu nome científico é Topaza pella, vulgarmente chamado de brilho-de-fogo ou véu-de-fogo. Foi nessa hora que acabei tocando no sapo”.
Ruschi faleceu no dia 3 de junho de 1986 e foi sepultado no dia 5 de junho, coincidentemente o Dia Mundial do Meio Ambiente. O sepultamento realizou-se, conforme seu desejo, na Estação Biológica de Santa Lúcia, lugar onde havia realizado a maior parte de suas pesquisas.
Foi homenageado, após o falecimento, com o Decreto Presidencial n.º 92.753, de 5 de junho de 1986, Dia Mundial do Meio Ambiente, por meio do qual a Reserva Biológica de Nova Lombardia, pertencente ao IBAMA, hoje ICMBio localizada em Santa Teresa – ES, passou a denominar-se “Reserva Biológica Augusto Ruschi”. Foi também homenageado pela Lei n.º 8.917, de 13 de julho de 1994, que lhe concedeu o título de “Patrono da Ecologia do Brasil”.
(*) Texto divulgado pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA)

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