É como construir casas e indústrias em cima de um imenso saco de carvão, em que qualquer pequeno foco de fogo pode ser fatal. “Um morador que fizer um churrasco no quintal pode provocar um incêndio no bairro inteiro”, vislumbra a bióloga Idalúcia Schimidt Bergher.
A cientista faz coro ao amplo grupo de ambientalistas, pesquisadores e moradores locais que lotarão a sessão ordinária da Câmara de Vereadores na noite desta segunda-feira (13), para protestar contra o projeto de lei nº 57/2016, que altera o Plano Diretor Municipal (PDM) visando permitir o parcelamento do solo numa grande área de turfa aos pés do Mestre Álvaro. “Eles dizem que querem resolver o problema da turfa, mas na verdade vão criar um problema muito maior”, adverte a bióloga.
O projeto tem a relatoria do vereador Guto Lorenzoni (PP) e foi assinado por 18 dos 23 vereadores do município. Apenas cinco não concordam, entre eles Gideão Svensson (PR), que denunciou a arbitrariedade legal e técnica. Sua denúncia foi decisiva para a mobilização social e, em seu discurso na sessão ordinária, enfatizará os aspectos ilegais deste e de outros PLs que têm descaracterizado o PDM. “Não houve discussão da matéria com a sociedade, sequer audiências públicas foram promovidas, tampouco houve audiência com o Ministério Público ou entidades ligadas ao meio ambiente para discutir quanto à matéria tratada, ferindo brutalmente todas as leis ambientais, autorizando promover o parcelamento do solo em área que até então não era admitido de forma alguma”, indigna-se.
Diante da má repercussão entre os movimentos e redes sociais, o prefeito Audifax Barcelos (Rede) vetou rapidamente o PL, na última sexta-feira (10). No mesmo dia, o veto chegou à Câmara, que tem até 30 dias para apreciá-lo. A expectativa, no entanto, é que essa apreciação aconteça em poucos dias, afinal, quanto mais rápido, menos mobilização social.
O vereador já entrou com representação no Ministério Público Estadual (MPE) e a posição ministerial é de que, caso a Câmara insista no seu posicionamento atual de derrubar o veto do prefeito, haverá ação contrária, com base nos dispositivos legais em nível municipal, estadual e federal.
O PL afirma, em sua justificativa, que o objetivo da alteração do PDM é “resolver o problema da turfa no local”, porém, não apresenta nenhum estudo técnico que respalde a intenção. Os especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, afirmam que a solução exige exatamente o oposto, que é a conservação ambiental da região, localizada aos pés do monte Mestre Álvaro e contígua ao manguezal. “A solução é manter a turfa úmida”, decreta Idalúcia, através, por exemplo, da regularização das drenagens feitas historicamente de forma irregular, que intensificam os efeitos da estiagem e transformam a turfa em uma espécie de depósito de carvão que, se abafado por construções civis, pode virar uma grande bomba-relógio.
Diante do absurdo legal e técnico do PL, a conclusão natural a que se chega é que o único objetivo real do atentado ao PDM, à legislação ambiental e à ecologia local é beneficiar um grupo de empresários interessados em se instalar na região, considerada “estratégica” para os negócios. Já é hora de não repetirmos os mesmos erros crassos do passado e instalar, de uma vez por todas, um planejamento adequado da expansão industrial, que não pode, absolutamente, conflitar com a conservação ambiental.