“Ambientalista de verdade tem que ser vegetariano”, afirma, convicto, o estudante de Biologia Gabriel Ortiz. Faz coro com ele o administrador Jovan Demoner e um sem-número de vegetarianos e veganos no Espírito Santo, no Brasil e no mundo inteiro. As interrelações entre a opção alimentar e a conservação ambiental têm se tornado mais evidentes, pelo menos para quem tem olhos para vê-las.
Nesta segunda-feira (29) o Brasil será o primeiro grande emissor do planeta a ratificar o Acordo de Paris – Acordo adotado pelos países participantes da 21ª Conferência das Partes (COP-21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em Paris, em dezembro de 2015.
A elaboração do plano de implementação da meta climática brasileira, o INDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida) já está em andamento. Segundo o Observatório do Clima (OC), após a ratificação, nosso NDC (o termo original perderá o “I” de “pretendida” em inglês) passará a nos mover em direção a cortar 37% das emissões em 2025, em relação aos níveis de 2005.
O OC é uma “coalização de organizações da sociedade civil brasileira para discutir mudanças climáticas” surgida em 2001. Uma das principais iniciativas do Observatório é o Sistema de Estimativas de emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG), que gera estimativas anuais, a partir de dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTI) e outras fontes, seguindo diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), e as disponibiliza na internet, de forma simples e clara, agilizando e democratizando o acesso.
Comendo a Amazônia
O engenheiro Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG e criador da metodologia inicial que deu origem ao sistema atual, é quem faz as afirmações no início desta matéria: “Cerca de 60% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil são geradas pela cadeia de produção da pecuária. E 80% de tudo o que é desmatado na Amazônia vira pasto antes de qualquer outra coisa”.
Mesmo de posse dos dados e convivendo com muitos vegetarianos no trabalho, Tasso não endossa a visão de que a dieta livre de carne vermelha é a melhor saída para o Brasil reduzir suas emissões maléficas ao clima, apostando em novas tecnologias – algumas já em experimentação práticas, outras em elaboração – de manejo do pasto e do gado, incluindo as chamadas pastagens ecológicas e o abate de animais em idade mais jovem.
Para quem já adotou a dieta herbívora ou próxima dela, no entanto, é muito clara a necessidade de mexer, sim, na dieta, como contribuição direta para a recuperação das condições saudáveis do clima no planeta. O próprio coordenador do SEEG reconhece a eficiência dessa medida radical, e as vantagens que ela gera também na saúde individual dos praticantes, apesar de preferir incentivar o abate precoce dos bovinos e as pastagens rotativas.
O debate é delicado e polêmico, quase tão cheio de intolerância e preconceito quanto as discussões religiosas. Isso porque a dieta é um dos traços culturais mais difíceis de transformar e praticamente impossível de mudar a partir de pressão externa. É necessária uma motivação interior muito forte.
Espírito Santo é exemplo e os Muriquis agradecem
Muitos “convertidos” à dieta vegetariana ou vegana afirmam que um dos ganhos mais marcantes é a intensificação da consciência ambiental e o entendimento profundo sobre o sincronismo entre a ecologia externa (planeta) e interna (organismo humano). “Respeitar a natureza interna é a mesma coisa que respeitá-la externamente”, afirma o estatuto da Fundação do Espírito Santo, uma ONG capixaba voltada à consciência alimentar. Jovan, um dos seus membros, concorda: “É uma paz e uma satisfação muito grande sentir que, cuidando de mim, cuido também do planeta como um todo”, poetiza.
Voltando ao Acordo de Paris, ainda segundo o Observatório, para atingir seu NDC, o Brasil “elencou uma série de políticas, como a restauração de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, o reflorestamento de 12 milhões de hectares e o fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030”.
No Espírito Santo, um bom exemplo de como o recuo da pecuária tem efeitos sobre a recuperação da floresta e a conservação da biodiversidade foi, de certa forma, abordado, em um Congresso Internacional de Zoologia realizado na última semana, entre os dias 21 e 27 de agosto, em Chicago/EUA. O sucesso da recuperação da população do macaco Muriqui (Brachyteles hypoxanthus) em Santa Maria de Jetibá se deve, essencialmente, ao aumento da cobertura florestal no município, que triplicou nos últimos 40 anos, desde que a pecuária deixou de existir como atividade econômica local e os cafezais sofreram também drástica redução.
Os fatos e os dados estão aí e cada um os interpreta da maneira que melhor o convém. Fato: a carne bovina brasileira, consumida no mercado interno ou externo, carrega consigo o gosto amargo da destruição da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que vem sendo substituída por pasto e, num segundo momento, por monocultivos também relacionados à pecuária, como soja e milho. Acabar com essa tragédia global em curso requer acordos políticos internacionais e tecnologias mais avançadas. E no campo individual, o que afinal cabe a cada um de nós?