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Câmara de Vitória aprova PL com padrões rígidos para qualidade do ar

Projeto tem coautoria de onze vereadores e apenas dois votaram não. Pazolini tem até dia 28 para sanção ou veto

Foto Leitor

Uma articulação suprapartidária rara, que venceu as barreiras das ideologias políticas, permitiu a aprovação de uma proposta de política de qualidade do ar com padrões rígidos de poluição para a cidade de Vitória, na sessão da Câmara Municipal desta quarta-feira (5).

Com dez votos sim e apenas dois não, foi aprovada pelo Plenário a Emenda Substitutiva ao Projeto de Lei nº 54/2023, proposto em março por André Moreira (Psol), que estabelece a Política, Normas e Diretrizes de Proteção da Qualidade do Ar Atmosférico no Município de Vitória.

A votação quase foi suspensa, por um pedido de vistas regimental feito por Davi Esmael (PSD), mas o mesmo foi negado pelo plenário.

Os votos sim, além do autor da proposta original, vieram de Aloísio Varejão (PSB), Anderson Goggi (PP), André Brandino (PSC), Dalto Neves (PDT), Leonardo Monjardim (Patri), Karla Coser (PT), Luiz Emanuel (Republicanos), Luiz Paulo Amorim (SD) e Maurício Leite (Cidadania). Os contrários foram apenas Davi Esmael e Duda Brasil (União), líder do Governo na Câmara.

O presidente da Casa, Delegado Piquet (Republicanos) teve que se abster, pelo regimento, e Chico Hosken (Pode) e Vinícius Simões (Cidadania) não estavam presente no plenário, mas já haviam assinado a proposta como coautores, ao lado dos demais colegas que votaram sim, com exceção de Maurício Leite, que apoiou o projeto no plenário, mesmo não tendo assinado a coautoria.

A vitória larga da proposta foi acrescida de discursos importantes em defesa da necessidade de pensar o bem da cidade, para além das divergências políticas e ideológicas que permeiam o dia a dia do Legislativo da Capital.

Um dos destaques observados por André Moreira foi a fala de Luiz Emanuel, ex-secretário municipal de Meio Ambiente, que garantiu o primeiro voto da direita a favor do projeto. “Luiz Paulo afirmou que não é uma pauta ideológica, é uma pauta de interesse comum da cidade e que por isso ele estava muito à vontade para apoiar um PL que havia sido proposta por um vereador da esquerda”, relata.

André destaca a atuação de Goggi e Monjardim, que trabalharam intensamente para construir o caminho político que permitiu a votação e aprovação da Emenda Substitutiva. Luiz Paulo Amorim, acrescenta, por presidir a Comissão de Meio Ambiente da Câmara, também marcou a sessão de forma positiva. Mas o crédito, afirma, é de todos que colaboraram.

“Vivemos um dia histórico na Câmara e na cidade. Com um movimento articulado da maioria dos vereadores, aprovamos essa legislação inédita na cidade que sofre há décadas com a poluição, em especial com o pó de minério que cai sobre nós, diariamente, a partir da Ponta de Tubarão. A ausência de um padrão da qualidade do ar abria espaço para que as poluidoras fugissem de sua responsabilidade. Afinal, a partir de qual quantidade um elemento pode ser considerado poluidor ou não? Hoje isso acabou: temos um padrão tecnicamente estabelecido”, declara, citando a Vale e ArcelorMittal.

André Moreira avalia que foi decisiva, para a aprovação da proposta, a visita feita pelos vereadores, na última semana, às instalações da Vale. Na sessão de terça-feira, alguns chegaram a subir ao púlpito para manifestações nesse sentido. “Alguns dizem estar convencidos de que o pó vem de Tubarão, mesmo. Nós vimos material particulado em áreas do lado de fora das Wind fences, ficou muito evidente”, diz, repetindo registros que fez em suas redes sociais durante a visita.

A Emenda trouxe, além dos dez coautores, uma atualização dos padrões máximos de poluição que haviam sido propostos em março, seguindo o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Mas manteve o limite do material particulado (pó preto) em 5g/m².30dias. O poluente registrou aumento de mais de 500% no último ano, segundo dados da rede de monitoramento mantida pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).

O texto original e o da Emenda foram construídos com participação da sociedade civil, especialmente da ONG Juntos SOS ES Ambiental, que lidera a luta por padrões mais rígidos de controle de poluição na Grande Vitória.

Sanção ou veto

O projeto segue nesta quinta-feira (7) para apreciação do prefeito, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que tem até o dia 28 para sancionar ou vetar. Em caso de veto, a Câmara pode derrubá-lo até a sessão do dia 29, a última extraordinária do ano, que deve ser precedida por uma sessão também extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça, presidida por Luiz Emanuel, que deve dar seu parecer sobre a matéria.

Para derrubar um possível veto, serão necessários dez vereadores, equivalente a dois terços da legislatura, o mesmo quantitativo que hoje aprovou o projeto e menos do que o total de parlamentares que formalmente se manifestaram favoráveis, já que Chico Hosken e Vinícius Simões, apesar de ausentes na votação, são coautores da proposta.

Mas o desejo, claro, é pela sanção imediata. “Eu espero que o prefeito defensa o interesse coletivo e sancione. Assim, Vitória estará na ponta de lança na qualidade do ar e, como o meio ambiente é difuso, com isso vai forçar a melhoria da qualidade do ar nos demais municípios da Grande Vitória. Porque se um padrão mais rígido é exigido em Vitória, as empresas serão obrigadas a se adequar, beneficiando toda a região metropolitana”, pondera André Moreira.

Avanço político

Outro aspecto relevante que a sessão desta quarta mostrou foi um amadurecimento político do conjunto dos vereadores, que mostraram grande independência em relação ao Executivo e a capacidade de colar os interesses da população acima de divergências ideológicas.

Postura bem diferente da que foi demonstrada no episódio da pesca artesanal, que atravessou a Câmara durante cerca de três meses, entre junho e agosto, quando os pescadores e marisqueiras pediram apoio para descriminalizar a atividade e regulamentar a pesca assistida na cidade. Nesse período, dois projetos de lei foram construídos de forma participativa com os vereadores e protocolado por Karla Coster. Porém, nem chegou a ir à votação, expondo uma fissura direita x esquerda que se sobrepôs à necessidade urgente dos trabalhadores do mar. Um mês depois, os vereadores, surpreendentemente, aprovaram, em regime de urgência, um PL proposto pelo prefeito, que sequer foi apreciado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comdema).

Além da manobra política no mínimo deselegante, o projeto do Executivo não trouxe solução para o problema, tendo sido criticado pelos pescadores e pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), por trazer medidas rasas e até contraditórias, que não resolvem o problema. 

Uma solução de fato para a questão está em fase final de elaboração, em âmbito federal, pelo Compesca, que atualiza uma minuta de portaria para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com regulamentação para a pesca assistida na baía de Camburi.

No caso da poluição do ar, uma manobra semelhante foi engendrada pela gestão de Pazolini, que também protocolou um anteprojeto de política de qualidade do ar após a apresentação do PL de André Moreira, em março. Com a diferença que o texto não era raso como o da pesca assistida e que também não atropelou o Comdema. Porém, está parado há meses no colegiado, por meio de seguidos pedidos de vistas dos conselheiros, sendo o mais questionado o do representante da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama).

Tamanha demora motivou inclusive uma manifestação radical dos conselheiros da sociedade civil e de André Moreira, pela Câmara Municipal, que se retiraram da reunião de setembro, em protesto, e exigiram que fosse pautado na reunião do mês seguinte.

“Os vereadores falaram sobre isso no Plenário: até quando a gente vai ter que esperar a Seama liberar o projeto para apreciação do Comdema e da Câmara? Vamos deixar passar mais um verão com vento nordeste, tempo seco, enchendo todo mundo de pó? Quanto tempo vamos ter que esperar? Por isso decidiram votar o projeto do Legislativo e aprová-lo”, destaca André Moreira.

Com aprovação da Emenda Substitutiva nesta quarta-feira, o anteprojeto da prefeitura naturalmente perde a validade. Agora resta saber se o prefeito manterá a postura anacrônica de obstruir propostas vindas do Legislativo para solucionar problemas da cidade, ou se vai acompanhar o amadurecimento políticos dos parlamentares e sancionar o projeto por eles defendido, em sua ampla maioria.

Principais pontos

O texto aprovado tem oito pontos principais:

1. Diretrizes e parâmetros: define diretrizes, parâmetros de aferição, ações prioritárias, padrões de qualidade do ar, índices e níveis de atenção para poluentes, criando a Rede Municipal de Monitoramento da Qualidade do Ar.

2. Definições importantes: adota definições cruciais, como ar de qualidade, padrões, parâmetros de qualidade do ar e tipos de poluentes atmosféricos, estabelecendo uma base sólida para a gestão ambiental.

3. Medidas de controle: introduz medidas como lavagem de vias e varrição mecanizada para controlar a emissão de poluentes, promovendo a limpeza de vias públicas e reduzindo a concentração de material particulado.

4. Classificação da qualidade do ar: o município poderá dispor de uma rede de monitoramento da qualidade do ar, complementar à rede estadual, para avaliar a concentração de poluentes como partículas inaláveis, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio e ozônio.

5. Gestão e responsabilização: o Órgão Gestor Competente será responsável por estabelecer planos estratégicos, garantir contratos com entidades especializadas e apresentar relatórios anuais ao Conselho de Defesa do Meio Ambiente de Vitória.

6. Rede Municipal de Acompanhamento: criação da Rede Municipal de Acompanhamento de Indicadores de Exposição à Poluição Atmosférica, utilizando tecnologias avançadas para monitorar o território municipal e analisar riscos à saúde da população.

7. Classificação da qualidade do ar: Define critérios para a classificação da qualidade do ar, levando em consideração médias móveis das concentrações de poluentes em relação aos Padrões de Qualidade do Ar estabelecidos.

8. Aprimoramento contínuo: O órgão gestor competente planejará o aprimoramento e atualização da rede de monitoramento de qualidade do ar para garantir eficiência e representatividade.

Enclausuramento já!

No último dia 15, a Juntos SOS realizou o 11º Ato contra o pó preto na Praia de Camburi, denunciando a omissão dos órgãos ambientais e dos ministérios públicos (MPES e MPF) e a ineficácia dos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados em 2018 entre esses entes públicos e as poluidoras Vale e ArcelorMittal e que até agora não resultaram em qualquer redução da poluição, muito pelo contrário, conforme apontou a ONG dias antes.

Um dos pedidos da ONG é para que as pilhas de minério de ferro e carvão nos pátios da Vale e da ArcelorMittal sejam enclausurados, medida já citada judicialmente pela ONG Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), em ações civis públicas movidas desde 2013 contra as duas poluidoras, e que tramitam na 4ª Vara Cível de Vitória.


‘Na sua casa tem pó preto?’, questiona vereador de Vitória

PL de André Moreira estabelece padrões de qualidade do ar da OMS. Poluição quadruplicou em janeiro


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/na-sua-casa-em-vitoria-tem-po-preto

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