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Câmara Técnica de Biodiversidade desaprova rescisão de contrato pela Renova

CTBio pede manutenção dos trabalhos até o fim da próxima estação chuvosa e justificativa técnica para rescisão

Leonardo Sá

A Câmara Técnica de Biodiversidade (CTBio), em reunião nesta quarta-feira (7), desaprovou a decisão da Fundação Renova de rescindir o acordo de cooperação técnica com a Rede Rio Doce Mar (RRDM) para a execução do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), recomendando que as atividades sejam mantidos até o final da próxima estação chuvosa (por volta de março de 2021) e que a Renova envie, em até sete dias, as justificativas técnicas para a decisão de rescisão.

Nesse período, a CTBio decidiu também que a revisão do Termo de Referência nº 4 (TR4) – documento que define as diretrizes do trabalho – ficará suspensa. A revisão do Termo já estava prevista de acontecer após o primeiro ano de atividades da Rede, para ajustar o escopo do trabalho dos pesquisadores depois dos primeiros resultados, e está sendo orientada pela Fundação Dom Cabral. O problema, relatam os membros da Câmara, é que a interlocução direta que a Renova está promovendo com a Dom Cabral tem minado a capacidade de governança do processo pela CTBio.

“Assim que a gente receber esse retorno da Renova, independente da posição do CIF [Conselho Interfederativo], vamos deliberar em definitivo como fica a revisão do TR4 e a nossa participação nessa estratégia que a Renova já nos comunicou, de abrir editais pra contratação de outras instituições para a continuidade do monitoramento”, declarou ao final da reunião, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenador da CTBio, Frederico Martins. 


“Por favor, não argumentem com justificativas jurídicas da imotivação a uma demanda técnica que está sendo solicitada. Eu pediria, em respeito a todos os integrantes da Câmara, que a Renova atendesse isso, como ato de boa-fé. Por favor não devolvam isso com uma questão jurídica apenas, de uma cláusula de um contrato”, reforçou o analista ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama/MG) e membro da CTBio, Junio Augusto dos Santos Silva.

Idoneidade e independência
A CTBio é uma instância que assessora tecnicamente o Comitê Interfederativo (CIF), responsável por fiscalizar as ações da Renova voltadas à reparação e compensação dos danos advindos do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce em novembro de 2015. Ela é coordenada pelo ICMBio, tendo também representantes de outras autarquias ambientais federais, como o Ibama, e estaduais, como os institutos ambientais do Espírito Santo e Minas Gerais (Iema/Seama e IEF), além de instituições afins, como Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Ministério Público Federal e Defensoria Pública.

A contratação da Rede Rio Doce Mar para a realização do PMBA foi uma indicação da CTBio, devido à qualidade dos profissionais envolvidos, à idoneidade e à independência (em relação aos interesses das mineradoras que financiam a Renova) das universidades e institutos de pesquisa. 
O anúncio da suspensão das atividades da RRDM foi feito na última quarta-feira (30) à Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest), vinculada à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que administra o trabalho dos especialistas da Rede, que somam mais de 500 profissionais vinculados a 28 universidades federais e instituições de pesquisa de todo o país. No comunicado, a Renova informou a intenção de lançar editais para a contratação de outras instituições e empresas em substituição à RRDM.

‘A fórceps’

Segundo relato dos membros da CTBio presentes na reunião – transmitida pelo canal do YouTube da Fundação Renova – a rescisão pegou a todos de surpresa, pois nenhuma sinalização nesse sentido havia sido feita anteriormente, nem mesmo em reuniões realizadas às vésperas do anúncio. 
Coordenador suplente da CTBio e também analista ambiental do ICMBio, Joca Thomé disse que o anúncio de rescisão, que chegou à Câmara pelo Iema, apesar de repentino, foi o ápice de uma postura que a Renova já vinha sinalizando de outras formas desde os primeiros esforços feitos pela Ufes e outras universidades pioneiras, como a Federal do Rio Grande do Sul (FURG), que se dedicaram a pesquisar os impactos ambientais do rompimento da barragem de Fundão sobre o Rio Doce e o litoral capixaba, ainda em 2015.

“Fica claro que não existe intenção da Renova de trabalhar com essa rede de pesquisadores instalada hoje, que são nossas parceiras desde 2015, que fizeram relatórios até 2018, quando então a Renova fez o contrato ‘a fórceps’, porque ela não queria que as instituições independentes trabalhassem. Grande parte do que está concluído ali é oriundo dos estudos pretéritos [ao acordo de cooperação com a RRDM]”, informou.

A substituição da Rede pela contratação de outas instituições via editais não é adequada, reforçou o analista. “Nós sabemos o que significa trabalhar por editais, veja a situação de Minas Gerais, até hoje, cinco anos depois, sem monitoramento”, advertiu.

Coincidência?
O analista ressaltou também a estranha coincidência de o anúncio de rescisão ter sido feito pouco depois da publicação da Nota Técnica nº 15 da CTBio, que apontou os nexos causais – sistematicamente negados pelas empresas criminosas – entre os impactos sofridos pela biodiversidade aquática do Rio Doce e do mar desde novembro de 2015 e o lançamento de mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração que vazaram da Barragem de Fundão. 
De fato, nas conclusões finais da Nota, a Câmara afirma que, “de uma maneira geral, os três ambientes analisados (dulcícola, costeiro e marinho) apresentaram transformações negativas significativas em relação à situação do pré-rompimento da barragem de Fundão, nos diferentes compartimentos ambientais (sedimentos, água, biota associada). Foram relatados indícios/ou evidências de estresse ambiental nestes três compartimentos, alterações nas suas composições, bem como a prevalência de espécies oportunistas”.

“É isso que fez vocês tomarem a decisão de voltar atrás com quem estava produzindo nexo causal e acredito que as mantenedoras [Samarco, Vale e BHP Billiton] devem ter forçado vocês a isso”, disse Joca Thomé. “Eu imagino como vocês devem estar se sentindo tentando defender o indefensável, que é esse rompimento da Renova com o Plano elaborado por nós imediatamente após a emissão da nota técnica que constatou os impactos e os nexos causais que a Rede nos trouxe”, apontou.

Em resposta, a coordenadora de Biodiversidade da Renova, Renata Stopiglia, alegou que estava tentando mostrar o plano da Renova para a continuidade do monitoramento, sem a Rede, mas que não conseguia, pois os membros da Câmara estavam “adotando premissas de que a rescisão, imotivada, na verdade foi motivada pela indicação do impacto”, declarou, enfatizando que a rescisão foi “imotivada”, utilizando um termo jurídico que tenta blindar a Renova de qualquer relação entre a publicação da Nota Técnica – que afirma o nexo causal entre o impacto ambiental e o crime da Samarco – e a decisão de romper o acordo de cooperação com a rede de instituições de pesquisa.

“Quando houve a negativa de impacto? Nunca. (…) É claro que existe. Nunca houve essa negativa. Não é uma tentativa de camuflar, esconder, inibir, tirar transparência, tirar independência dos estudos da biodiversidade aquática. Pelo contrário, queremos ampliar as instituições de pesquisa. Em nenhum momento colocamos consultorias como uma solução pra isso. Estamos dizendo que continuaremos trabalhando com instituições de pesquisa, convidamos a Universidade Federal do Espírito Santo, daremos prioridade pra eles”, garantiu Renata.

Legado
Em nota publicada na véspera da reunião, a RRDM já havia afirmado que “os motivos para a rescisão e descontinuidade dos estudos são insólitos, vagos e inconsistentes” e que os mesmos “têm conseguido mostrar a capacidade que a academia nacional possui de superar desafios complexos como identificar impactos dessa magnitude e abrangência, considerado um dos maiores desastres ambientais do mundo ocasionado pelo setor da mineração”.

A estruturação de uma rede colaborativa de universidades, ressalta a nota, “é um legado não só para a academia nacional, mas para o Estado do Espírito Santo como um todo (sociedade civil, especialmente a comunidade atingida pelo desastre, poderes executivo, legislativo e judiciário)” e, “infelizmente, essa decisão da Fundação Renova gera sérios impactos negativos nas tomadas de decisão dos poderes do Estado e dos órgãos ambientais, pois eles têm a Rede como instrumento de auxílio e base de referência na construção de um cenário claro e transparente de como o rompimento da barragem de Fundão pode ter interferido na qualidade ambiental e na biodiversidade das áreas estudadas e suas consequências”.

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