A Campanha “Nem Um Poço a Mais!” se reconhece como utópica (Territórios de Utopias e Utopias de Territórios). Ainda. Mas também assume a responsabilidade de se somar aos esforços de vários ativistas ao redor do mundo de dar os primeiros passos rumo a uma realidade inexorável: em algum momento, a sociedade terá de saber viver sem petróleo ou pelo menos com um uso muitíssimo restrito, visto que se trata de um recurso natural não-renovável. Antecipando-se radicalmente, ela ainda é utópica, porém, não menos necessária.
O lançamento nacional da campanha foi em junho de 2015, durante um encontro de lideranças de comunidades quilombolas e de pescadores artesanais do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará, junto com ativistas antipetroleiros e representantes de grupos impactados pela indústria petroleira e petroquímica. O objetivo é consolidar uma mobilização contra a expansão petroleira, responsável por inúmeros impactos às comunidades tradicionais e ribeirinhas no litoral capixaba, onde se concentram esses empreendimentos.
A mobilização no Estado prevê a realização de quatro encontros: um já ocorrido no norte e outro nesse final de semana na Ponta da Fruta, Vila Velha; o próximo no sul do Estado, e um seminário no final do ano, com todos os envolvidos e convidados.
O Espírito Santo é hoje a segunda maior província petroleira do país, onde há 59 anos explora-se petróleo e gás em terra, no mar, em águas rasas, profundas e ultraprofundas. “Qual o limite dessa exploração? Onde vamos chegar usando excessivamente o petróleo? É isso que queremos?”, questiona a página da campanha na internet.
“Sem dúvida que soa lunático falar de 'não petróleo' nesse mundo do plástico, do agrotóxico e do automóvel. Mas a mensagem da campanha é contra a expansão de novos poços petroleiros. Quer dizer: não defendemos que de agora em diante se acabe abruptamente com o uso de petróleo. Está claro que haverá necessidade de uma longa e tortuosa transição para as sociedades pós-petroleiras. Os poços já abertos e em exploração poderão ser necessários para essa transição, desde que se possa debater para que usos exatamente serão necessários o petróleo e o gás”, reflete Marcelo Calazans, coordenador da Federação Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Estado, umas das mais de 50 organizações e instituições que assinam a campanha brasileira.
A ideia, como conclamam as entidades, é poder “dizer não à expansão desta exploração petrolífera, criando áreas livres de petróleo e, ao mesmo tempo, áreas livres para pesca artesanal, para os territórios tradicionais quilombolas, indígenas e camponeses, para a mobilidade urbana, para a segurança alimentar e nutricional, e para uma sociedade com equidade de gênero, justiça ambiental e climática”.
Segundo dados levantados pela campanha, a complexificação dos investimentos em estruturas de grande porte ligados ao pré-sal, como poços, dutos, portos e estaleiros – e, no rastro desses, os projetos de mineração, logística, energia etc. – tem gerado um acirramento sem precedentes dos conflitos nos territórios pesqueiros e quilombolas costeiros. Citando a Secretaria de Estado de Economia e Planejamento do Estado, entre 2013 e 2018 estão previstos aportes de R$ 4,5 bilhões em projetos de extração de petróleo e gás no Espírito Santo, R$ 11,6 bilhões em mineração e R$ 8,9 bilhões em produção de produtos químicos. Enquanto atividades de atenção à saúde humana devem receber cerca de R$ 794 milhões no mesmo período.
“A campanha “Nem um poço a mais!' se soma às lutas pela regularização dos territórios tradicionais, de pesca, quilombolas, ribeirinhos, indígenas”, enfatiza Calazans. Mas que isso, como afirma, tenta estabelecer um diálogo com os ativistas e com a população capixaba, desvelando os links entre a expansão petroleira e a contaminação do pescado e da moqueca, a produção de agrotóxicos, o trânsito da civilização do automóvel e os plásticos nos lixões.
Calazans aponta que o problema não se resume e nem sequer começa na extração, em geral em territórios tradicionais, e sim no modo de ser urbano e industrial, de uma sociedade petro-dependente, consumista e também suicida. “Está claro para o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e para todo o planeta que não poderemos queimar 3/4 das reservas mundiais de combustíveis fósseis já conhecidas! Embora longa, a transição exige os primeiros passos. Não deixar expandir ou mesmo diminuir o ritmo da expansão pode ser uma importante conquista no mundo da crise das utopias”, completa.