Maior primata da América e em risco de extinção, espécie tem no Caparaó capixaba sua maior população
A região das montanhas mais altas do Espírito Santo é o abrigo da maior – e possivelmente mais geneticamente diversificada – população do muriqui, o maior primata da América, criticamente ameaçado de extinção. É no Caparaó capixaba, mais precisamente nas florestas de Mata Atlântica protegidas pelo Parque Nacional do Caparaó, que o Brachyteles hypoxanthus encontrou as melhores condições de sobrevivência, ainda que em grupos pequenos e, muitas vezes, isolados entre si, por pastagens e outros monocultivos que avançam entre os remanescentes florestais.
Considerado por muitos o “panda brasileiro” – seguindo a observação feita pelo notório ambientalista estadunidense Russel Mittermeier, presidente da ONG Conservation International (CI) – devido ao seu grande carisma e vulnerabilidade ecológica, o muriqui possui, de fato, atributos naturais que invariavelmente encantam os que o conhecem. Destaca-se o seu comportamento pacífico e amoroso, acima da média dos demais símios, e mesmo aspectos pitorescos de sua sexualidade, como o fato das fêmeas se relacionarem com todos os machos, não havendo as características competições pelo acasalamento.
Marcelo observa que, mesmo após décadas de trabalho de tantas instituições e pesquisadores, o muriqui continua muito pouco conhecido. “Mesmo as pessoas do entorno imediato das matas onde ele ocorre, não o conhecem. Quando se depararam com uma fêmea sozinha, não conhecem esse movimento de migração delas e acabam não sabendo o que fazer, como ajudar”.
A ideia da Rede Muriqui surgiu a partir de um trabalho feito pela proteção dos macacos, especialmente barbados, dizimados durante a última epidemia de febre amarela, que se encerrou há cinco anos. “Tínhamos 50 proprietários cadastrados e ficamos ainda, dois anos depois de 2017, coletando informações”.
Nesse período, os pesquisadores desenvolveram uma “ficha de campo” que conseguiu ser utilizada por pessoas de todos os níveis de escolaridade, inclusive analfabetos. No formato de calendário, ou “folhinha de parede”, as pessoas apenas marcavam os dias em que haviam feito visualizações ou outros sinais de muriquis nas redondezas. “Monitoramos o retorno dos primatas nesses fragmentos, passada a epidemia, publicamos um artigo e, com base nessa experiência, pensamos nessa estratégia mais ampla, baseada em ciência cidadã, de conexão das pessoas”. Dos bugios para os muriquis foi um pulo.
No Caparaó, a Rede Muriqui se conectou com o Projeto Muriquis do Caparaó executado na região há doze anos pela Rede Ecodiversa. A bióloga Mariane Kaiser coordena o projeto junto com Daniel Ferraz e, ambos, foram estagiários da antropóloga estadunidense Karen Strier, professora e pesquisadora da Universidade de Wisconsin e maior especialista em muriquis do mundo, responsável pelas pesquisas desenvolvidas com a espécie há 40 anos na RPPN Feliciano Abdala, em Caratinga, que abriga a população mais bem conhecida dos muriquis-do-norte. Na Fazenda e RPPN, os muriquis são monitorados diariamente e já se habituaram com a presença dos pesquisadores, fornecendo a maioria das fotos mais emblemáticos do carismático macaco.
“São diferentes projetos unidos para atingir o maior número de pessoas e falar principalmente das fêmeas isoladas. Unir esforços é de extrema importância para a conservação das espécies. Cada indivíduo importa”, afirma Mariane Kaiser, pesquisadora também no Instituto Nacional da Mata Atlântica, com sede em Santa Teresa, onde o Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica (Ipema) mantém o Projeto Muriqui. A iniciativa foi tema de reportagem da Revista Século e, em 2003, faturou o primeiro lugar no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, promovido pela Conservation International e a SOS Mata Atlântica.
Em todos esses espaços onde já atuou em favor dos muriquis, Mariane considera que o Caparaó é um dos mais desafiadores, devido ao seu tamanho e acessos difíceis. “Às vezes a gente tem que andar cinco quilômetros mata adentro para encontrar um grupo”.
Uma técnica importante de pesquisa nessa vasta região tem sido o monitoramento com tecnologia, em que armadilhas fotográficas são instaladas nos altos das árvores, onde os arborícolas muriquis passam a maior parte do tempo passeando entre os galhos, com a ajuda de sua longa calda preênsil, que funciona como um quinto membro. “É um método não invasivo que faz registro em foto e vídeo”.
Outro método não invasivo eficiente é o monitoramento genético pelas fezes. Os pesquisadores recolhem fezes dos animais no chão da mata e, em laboratório, fazem o estudo genético para identificar, entre outras coisas, a viabilidade genética dos grupos.
Resgate da Bonita
Uma ação do projeto que teve repercussão nacional aconteceu há quatro anos, a tentativa de resgate da Bonita, fêmea que foi encontrada isolada na região de Pedra Menina. As fêmeas de muriqui, quando estão perto da maturidade sexual, têm o hábito de se afastar de seu grupo natal e buscar um outro grupo para se reproduzir.
Comportamento fundamental para garantir a diversidade genética da espécie, a migração das fêmeas no entanto, as coloca muitas vezes em situação de isolamento, pois a desconexão entre fragmentos as impede de chegar a um outro grupo e realizar o acasalamento. São as chamadas fêmeas isoladas, cuja única solução encontrada até hoje tem sido a translocação, ou seja, a captura para posterior soltura dentro de um grupo com machos jovens.
Na época da Bonita, conta Mariane, as pessoas da região não sabiam que existia o fenômeno das fêmeas isoladas, nem que se tratava de um animal tão ameaçado de extinção. “Monitoramos a Bonita por dois anos com uma moradora local e duas câmeras traps no dossel. Com o tempo, ela passou a usar outra matinha do lado. Quando fizemos a campanha de captura, monitoramos por uma semana, mas a perdemos de vista numa sexta à tarde e somente no sábado os veterinários chegaram. Continuamos monitorando por mais alguns dias e, numa quarta-feira, apareceu outra fêmea em Pedra Menina, na Forquilha do Rio, a Nena, e fizemos o resgate dessa outra fêmea, que foi levada para Ibitipoca”, relata.
Redes sociais
Marcello Nery conta que a Rede tem produzido diversos materiais de divulgação, com vistas a potencializar a comunicação entre os integrantes e expandir os contatos. Folderes, cartazes, vídeos, postagens nas redes sociais, contatos com rádios, jornais e televisões locais. “A ideia é atingir o maior número de mídias que a gente conseguir”.
Algumas formas de contato são o WhatsApp – (33) 9 9922-9969 – o Instagram , o Site e o canal no YouTube.