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Carta do Rio Doce enfatiza direitos dos atingidos, ação do Judiciário e responsabilização da Samarco e órgãos públicos

Em suas dez recomendações e 18 proposições, a Carta do Rio Doce enfatiza a violação dos direitos dos atingidos – que perpassam por direitos humanos universais e direitos dos povos tradicionais –; a impunidade de que gozam as empresas criminosas – Samarco S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda –; a falta de proximidade com a realidade dos atingidos, que contamina a atuação do Judiciário e a conivência dos órgãos públicos com esses abusos e com a perpetuação de uma legislação e de um modelo de exploração dos recursos naturais que são verdadeiras usinas de novas tragédias de semelhante envergadura.

O documento foi lido na abertura da audiência pública do Ministério Público Federal (MPF), no último dia do Seminário Balanço de 2 anos do Rompimento da Barragem de Fundão, realizado entre essa segunda e quarta-feiras (6 e 8), na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a partir de uma organização compartilhada com outras universidades, com a Defensoria Pública do Espírito Santo e com diversos coletivos de defesa dos direitos dos atingidos, no Estado e em Minas Gerais.

O evento se propôs a realizar uma avaliação crítica do período de dois anos transcorridos desde o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015, o maior crime ambiental do país e o maior do setor da mineração mundial.

As entidades, pesquisadores e atingidos que assinam a Carta, contextualizam suas proposições partindo de pressupostos que denunciam a “maneira vertical e autoritária, sem a participação das pessoas atingidas” com que os programas de reparação dos danos têm sido conduzidos e a criminalização da luta dos atingidos, com  muitos ativistas e militantes assediados ou processados.

O modelo de governança empregado na gestão do desastre se caracteriza ainda, por “uma hipotética agenda consensualista” e se pauta “na superioridade de razões técnicas, que, em verdade, se encontram a serviço dos interesses econômicos das empresas Vale, BHP e Samarco”.

Privatização do desastre

Assim, prosseguem os autores, ocorre o que o defensor público Rafael Mello Portella Campos denomina de “privatização do desastre”, em que são as próprias empresas criminosas que definem quem são as vítimas e como elas devem ser reparadas.

O drama dos ex-moradores de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, em Minas Gerais, também é ressaltado, visto que as comunidades, as mais próximas da Barragem de Fundão, foram completamente destruídas pela lama e, até hoje, seus antigos habitantes não foram reassentados.

A Carta contextualiza o péssimo andamento das ações de reparação do crime dentro de um cenário de “exploração crescente de bens naturais e a implantação de infraestruturas necessárias para acelerar os processos de extração, beneficiamento e comercialização, que intensificam os conflitos e lutas por justiça socioambiental”.

Destaca ainda “a flexibilização da legislação socioambiental e do trabalho” e o fato de que “não foram tomadas medidas adequadas de prevenção de novos rompimentos de barragens, nem tampouco foram efetivadas alterações na legislação socioambiental – inclusive do marco regulatório de mineração – com vistas ao fortalecimento do controle público e estatal sobre a instalação e operação de grandes empreendimentos”.

Direitos Humanos

As propostas de aprimoramento da governança e de melhor eficiência dos programas e ações de reparação colocam o foco no atingido. A primazia dos Direitos Humanos, a autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais, com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como sua autonomia, são a base das primeiras recomendações do documento.

Nesse contexto, o próprio conceito de reassentamento, para atender aos ex-moradores ainda hoje desalojados pela lama, deve se projetar “para além daquilo que é físico – edificação e infraestruturas – e abrange as noções de moradia, territorialidade, modos e projetos de vida”.

A garantia de liberdade de expressão dos atingidos, de organização, associação e acesso à informação objetivam frear a criminalização da luta, mencionada nas considerações.

Publicidade e propaganda

Outro ponto é a transparência na contratações das assessorias técnicas – que devem ser independentes e escolhidas pelos atingidos – e de todas as empresas envolvidas na reparação de danos, e no estabelecimento de “parcerias com agências estatais de fomento a projetos de inovação e pesquisa”.

Ainda na questão das contratações, a publicidade do desastre, em favor das empresas criminosas, é alvo de três solicitações que visam impedir a utilização das ações de reparações como peças de propaganda da Renova e dar transparência pública aos gastos da Fundação com comunicação.

Nesse quesito, a Promotoria de Justiça de Tutela de Fundações do Ministério Público do Estado de Minas Gerais é citada no documento, com solicitação de que “realize o controle integral das verbas gastas pela Fundação Renova com propaganda, exigindo que sejam destinadas à finalidade estatutária de reparação integral dos danos relacionados ao rompimento da barragem de Fundão”.

Judiciário

O sistema Judiciário é o ator público mais citado nas propostas da Carta do Rio Doce, que incluem: a criação de mecanismos que garantam o controle social e a transparência em relação a todas as instituições que integram o sistema de Justiça; a não utilização dos instrumentos de mediação de conflitos dispostos pelas instituições do sistema de Justiça como forma de abreviar ou silenciar os conflitos socioambientais, prejudicando os direitos dos atingidos; e o cumprimento de sua função de garantir a reparação integral dos danos sofridos pelas pessoas atingidas, conferindo-lhes o mesmo tratamento e igual possibilidade de participação processual de que se valem as empresas Vale, BHP e Samarco.

Diretamente ao juiz responsável pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, os atingidos e militantes pedem que “visite as comunidades atingidas, em seus diversos territórios, em Minas Gerais e no Espírito Santo, para que, ao conhecer a pluralidade das situações que vivencia, possa fundamentar seu juízo nos processos em curso de modo mais próximo à realidade”. E, para o juiz federal da subseção judiciária de Ponte Nova, é pedida a retomada do curso da ação penal, que se encontra paralisada por questões processuais já resolvidas.

A íntegra da Carta do Rio Doce está disponível no site do evento

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