A violação dos direitos humanos, sobretudo no que se refere à negação e destruição dos territórios tradicionais necessários à manutenção das culturas dos povos marginalizados, foram evidenciadas na carta política elaborada durante o VI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), que aconteceu no final do mês de julho. No documento, divulgado somente agora, os movimentos sociais e povos tradicionais evidenciam que o discurso de desenvolvimento baseado no crescimento ilimitado só é viabilizado por danos e violações causados a povos historicamente discriminados, sobre os quais são promovidas injustiças ambientais mascaradas pelo discurso do desenvolvimento ao benefício de todos.
No encontro, realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, estiveram reunidos integrantes de movimentos sociais do campo, da floresta e da cidade, de povos e comunidades tradicionais, de organizações não governamentais e pesquisadores, além de moradores de zonas de sacrifício ou ameaçadas por empreendimentos desenvolvimentistas. A carta sugere a reformulação de um marco regulatório que garanta a cada cidadão o direito ao território, como meio de manutenção do direito desses povos e alternativa para a manutenção de suas tradições e resistência perante o avanço desenvolvimentista. “O território em que vivemos molda nossas identidades. A ele pertencemos, é parte de nós”, reivindicam.
Além disso, diversos outros conflitos são denunciados. Entre eles, a monoculturização da produção agrícola com base empresarial (mecanizada, utilizando agroquímicos e cultivos transgênicos) em detrimento da agricultura familiar, o que causa o cercamento da produção com base na agroecologia; e a expansão desregrada dos projetos de mineração e o avanço dos complexos industriais em torno da mineração e siderurgia, envolvendo obras de infraestruturas, como minerodutos, rodovias e portos.
As entidades também destacam a contaminação da água, do ar e do solo pela aplicação de agrotóxicos, rejeitos da mineração e emissões pela produção industrial; e a segregação socioespacial na qual os moradores marginalizados são expulsos para periferias cada vez mais distantes, sofrendo o abuso dos preços do transporte público. No Espírito Santo, há exemplos claros dos descasos denunciados, sobretudo no que se refere à monopolização da produção agrícola e ao avanço da mineração.
Sobre o primeiro, é possível destacar os plantios de eucalipto da Aracruz Celulose (Fibria), principal exploradora dos territórios indígenas e quilombolas, inclusive com a prática de grilagem, para expandir com sua monocultura. O plantio extensivo e uso indiscriminado de agrotóxicos são responsáveis por inúmeros danos sociais e ambientais nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, como o empobrecimento do solo, seca dos córregos e rios, destruição da Mata Atlântica, poluição e intoxicação dos moradores próximos aos latifúndios.
Já com relação à mineração, destaca-se a Vale, responsável pelo “pó preto”, pela usurpação de diversos territórios, inclusive indígenas, com a sua ferrovia, e pelo despejo de pó e pelotas de minério na Ponta de Tubarão, em Camburi,além de envolvida em escândalo de espionagem e lobby para obtenção de licenças ambientais no Espírito Santo. Há, ainda, o caso da Manabi, empresa brasileira que tem o objetivo de exportar minério por meio de um porto, planejado para Linhares (norte do Estado), onde a população já antencipa que os danos do minério de ferro serão semelhantes aos causados pelas empresas da Ponta de Tubarão, entre Vitória e Serra.
As entidades também demonstram preocupação com a flexibilização de legislações como o Código Florestal, o marco regulatório da mineração, a regularização de terras indígenas, as obrigações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o licenciamento ambiental. Expressam, ainda, indignação quanto à submissão dos conhecimentos científicos aos interesses privados, denunciando a apropriação dos bens públicos e a exclusão da sociedade civil organizada nas definições das políticas de desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, sobretudo por parte do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Também manifestam repúdio quanto à “ressignificação de espaços de participação” destinados a reivindicar e assegurar direitos civis e coletivos, para que tais direitos estejam sujeitos a barganhas, cultura que permeia conselhos responsáveis pelo licenciamento ambiental, a gestão de Unidades de Conservação e iniciativas de certificação ambiental e declarações sobre a responsabilidade social e ambiental de empresas. Diante dessa negociação, aqueles que não conseguem se inserir nesta lógica, como os povos e comunidades tradicionais, têm seus direitos dilacerados. A participação em estudos de impacto e audiências públicas de grandes projetos é apenas figurativa. “Violência física e simbólica, incluindo aqui a espionagem, passa a ser recurso plausível para desvalorização e desconstrução das identidades, como a criminalização de movimentos sociais, de comunidades e povos originários e tradicionais, assim como a prisão e assassinato de militantes”.
“Ao contrário de um certo 'senso comum' ambiental, a poluição não é democrática, não atinge a todos de maneira uniforme e não submete todos os grupos sociais aos mesmos riscos e incertezas. Igualmente é imposta, por meio da violência, da desinformação e da desqualificação, a perda dos territórios e do acesso aos bens naturais como condição para expansão do modelo, como garantia de lucratividade ao capital”, retratam, defendendo a necessidade de preservarem e defenderem seu povo, seu território e suas tradições do avanço desenvolvimentista.