Ramalho apontou medidas em vídeo. Já a SEDH dialoga com governo federal para pacificar ocupação do MST em eucaliptais da Suzano
Duas secretarias de Estado se manifestaram nesta quarta-feira (19) a respeito da ocupação de eucaliptais da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) em Aracruz, norte do Estado, por 200 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na madrugada dessa segunda-feira (17).
Em vídeo, o gestor da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), Alexandre Ramalho, afirmou o compromisso de “cumprir fielmente o que a Justiça determinar”, referindo-se à liminar de reintegração de posse emitida pela Justiça Estadual em favor da multinacional, em menos de 24 horas após o início da ocupação.
Entretanto, “existem alguns protocolos que devem ser cumpridos por conta de legislação no nosso Estado”, salientou, elencando a notificação da decisão por parte do oficial de Justiça, o que já foi feito, e o retorno ao local de um oficial da Polícia Militar, para elaboração de um “relatório de análise de risco de toda a situação”.
Após o relatório, Ramalho explicou que é preciso fazer uma “reunião preparatória”, com a participação da Polícia Militar, Polícia Civil e secretarias estaduais e municipais de Assistência Social e de Direitos Humanos. Somente a partir daí, é possível “fazer a remoção dessas pessoas, para que nós não coloquemos em risco crianças e idosos”.
A operação, reforçou, “tem todo um protocolo a ser seguido, e somente após isso acontecer, é que nós faremos o cumprimento [da reintegração de posse], caso ainda exista resistência à saída, com o efetivo operacional da Polícia Militar”.
Da parte da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), a resposta à demanda de Século Diário seguiu por nota, sobre os pedidos feitos pelas famílias da ocupação, durante reunião realizada in loco nessa terça-feira (18) com a secretária Nara Borgo.
Por meio da Mesa de Soluções de Conflitos Fundiários, a SEDH afirmou que “mantém o diálogo entre as partes e o Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), trabalhando para a resolução pacífica do conflito”.
O MDA, é sabido, é favorável ao retorno do investimento do governo federal, agora sob gestão do presidente Lula (PT), em políticas públicas de reforma agrária, paralisadas durante os quatro anos de Jair Bolsonaro (PL). O ministro, ex-deputado federal Paulo Teixeira (PT), tem participado de negociações semelhantes em outros estados, onde as famílias sem-terra realizam ocupações em latifúndios improdutivos ou que ocupam terras devolutas, legalizadas ou não.
A ocupação de terras, explica o MST, é a única forma de luta do povo e somente através dela é que os assentamentos foram realizados durante toda a história, pelos governos federal e estaduais em todo o país.
“Nunca teve conquistas sem ocupação. É o instrumento de denúncia e anúncio. Denúncia do latifúndio improdutivo e, na mobilização das pessoas, anúncio da vontade de serem assentadas”, explica Carolino da Silva, membro da direção nacional do MST no Espírito Santo e participante da ocupação em curso em Aracruz. “Ocupação é isso, não é um crime. Crime é a concentração da terra, as pessoas ficarem sem perspectiva de moradia e de trabalho”, ressalta.
No caso capixaba, o movimento entende que “a Suzano é a maior inimiga da reforma agrária”, por expandir seus monocultivos de eucaliptos ao longo de mais de meio século. Inicialmente, derrubando milhares de hectares de Mata Atlântica primária no norte do Estado, com expulsão violenta de indígenas, quilombolas e camponeses de seus territórios tradicionais.
Num segundo momento, dificultando ao máximo a vida das famílias que permanecem em seus territórios, como ocorre no Sapê do Norte, com mais de 30 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares e que aguardam o processo de titulação das terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) obteve uma primeira decisão favorável aos quilombolas, em 2021, em que o juiz determinou que o Estado anulasse todas as matrículas de imóveis entregues a então Fibria, por conta de evidências de processos de grilagem de terras em fazendas de eucaliptos localizadas no Sapê do Norte.
No caso dos indígenas, o eucalipto e as fábricas de celulose foram os primeiros empreendimentos industriais de grande impacto a cercarem as Terras Indígenas Tupinikim e Guarani, hoje impactadas por quase 40 grandes empresas, incluindo portos e petroleiras e mineradoras. Todas elas, afirmam as comunidades, em situação irregular diante da legislação ambiental nacional, incluindo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil em forma de lei em 2004.
Nessa segunda fase também, que se mantém até os dias de hoje, localiza-se o conflito dos interesses da multinacional com o dever constitucional do Estado – governos federal e estadual – de realizar a Reforma Agrária e, assim, romper com a injustiça estrutura fundiária brasileira e capixaba, herdada dos tempos coloniais.
A área de oito mil hectares da ocupação dessa segunda-feira foi doada pelo governo do Estado à Suzano, segundo informações obtidas pelo MST ao longo das reuniões da Mesa de Resolução de Conflitos. Porém, assim como ocorre com as seguidas solicitações feitas pelos quilombolas no mesmo espaço, o Estado não apresenta com transparência onde estão as terras devolutas e patrimoniais – estejam ainda sob posse do Estado ou doadas ao agronegócio – que compõem os territórios tradicionais e as áreas de interesse de Reforma Agrária.
Século Diário solicitou à Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger) que informe sobre a situação dessa área de plantios de eucaliptos, o que já foi ou ainda é devoluta e patrimonial, e quando teria sido feita essa doação. Mas até o fechamento desta matéria, ainda não havia obtido resposta.