A Deliberação nº 447 do Comitê Interfederativo (CIF) determina que a Fundação Renova, criada após o crime da Samarco/Vale-BHP, apresente formalmente uma garantia de continuidade do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA) e que, até lá, a Instância de Assessoramento Jurídico (IAJ) do CIF promova imediata atuação “visando impedir qualquer tipo de rescisão”.
As palavras foram ditadas pelo procurador-chefe nacional da Procuradoria Federal Especializada, Thiago Zucchetti Carrion – suplente da presidência do CIF, que é ocupada pelo presidente do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim – durante a 48ª reunião do CIF realizada na tarde desta quinta-feira (22) e transmitida ao vido pelo canal da Fundação Renova no YouTube.
O trabalho vinha sendo feito por um conjunto de 28 instituições de pesquisa de todo o Brasil, incluindo várias universidades públicas federais, como a do Rio Grande (FURG), e tem revelado dados importantes que subsidiam a luta dos atingidos e dos órgãos de justiça para a reparação plena dos danos advindos do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce em novembro de 2015.
Na reunião, o presidente Thiago Zucchetti Carrion repudiou a postura unilateral da Renova. “Se a Fundação Renova tinha interesse em alterar a situação, que trouxesse ao CIF, não que a gente tivesse que inserir isso em regime de urgência na pauta, com uma possibilidade de interrupção do programa. Isso de ‘nós estamos rescindindo, mas não estamos encerrando’, me desculpem, não traz segurança nenhuma. Vai ficar sem contrato nesse período? O nível de insegurança jurídica que é criada com essa postura me parece gigantesco”, explanou.
Na mesma linha seguiram outros convidados da reunião, membros do CIF e experts contratados pelo Ministério Público Federal (MPF) para monitorar a execução dos programas de reparação e compensação dos danos do crime pela Renova.
‘Irresponsabilidade sem tamanho’
“Nós vamos entrar agora no período chuvoso. E esse período do ano hidrológico é extremamente importante para verificação dos diversos parâmetros que são monitorados. (…) Perder a continuidade do monitoramento nesse período eu acho que é um impacto de magnitude irreversível. (…) Entendo que as cláusulas contratuais permitem a Renova fazer a rescisão, mas no meu entendimento, isso é de uma irresponsabilidade sem tamanho”, posicionou-se o diretor-presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Fábio Ahnert.
O procurador da República em Jarnaúba/MG (MPF/MG), Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, também negou qualquer razoabilidade na atitude da Renova e contrapôs a fala da gerente de Biodiversidade da Fundação, Renata Stopiglia, de que, novamente, não estava conseguindo apresentar a estratégia de continuidade do programa após a rescisão, nem na reunião em curso nem na reunião extraordinária da CTBio, realizada no último dia sete de outubro, e que, por isso, o foco de ambas reuniões estavas sendo desvirtuados. “A senhora falou, falou, e não disse nem da rescisão nem da continuidade”, apontou o procurador.
Eduardo ressaltou ainda que a Fundação Renova é uma entidade que não se limita às suas empresas mantenedoras – as mineradoras autoras do crime socioambiental, Samarco, Vale S/A e BHP Billiton – e não pode, portanto, agir como uma empresa que dispensa um fornecedor que foi contratado sem estabilidade. “Qual é a razão de rescindir o contrato? A senhora mesmo disse: ‘não falamos que vamos trocar a equipe’, deu a entender que vai manter a equipe. Então, não tem razão nenhuma para rescisão. Eu gostaria que, se por acaso tiver alguma razão, que a senhora coloque e deixe essa razão clara pra gente entender. E caso a gente entenda, não iremos nos opor. Mas do modo que está, nos parece um absurdo e o Ministério Público não vai concordar com isso de modo algum”, sentenciou.
Em sua explanação, o biólogo André Luiz Cintra Leal de Souza, gerente de Projetos da Ramboll, consultora ambiental contratada pelo MPF para fazer o monitoramento dos programas de reparação executados pela Renova, destacou a ausência de monitoramento, até o momento, no estado de Minas Gerais, onde a Renova conseguiu impingir uma dinâmica de contratação via edital de chamamento público, a mesma que ela alega querer empregar no Espírito Santo, após rescisão do acordo com a Fest e a RRDM.
O gerente da Ramboll relatou a sequência de deliberações do CIF, nos últimos três anos – números 134, 212 e 279 –, voltadas a resolver a inércia da Fundação, mas que, mesmo assim, o monitoramento sequer foi iniciado. “A gente está falando de praticamente três anos que essas chamadas foram aprovadas e depois iniciado todo o seu ritual de lançamento, emitidos os lançamentos, feita a seleção das pesquisas e dos profissionais, executada a seleção e a partir daí até o momento esses pesquisadores não estão contratados/mobilizados”, resumiu André Luiz.
‘Histórico pior possível’
“Não se advogou em nenhum momento [pelos participantes da reunião] com relação à manutenção do contrato ou dos estudos por meio da Rede Rio Doce Mar, por meio da Fest, por meio da Ufes. Não está sendo direcionado aqui a ‘quem’. A discussão é em relação a ‘o que’, em relação a ‘quando’ e sobretudo a necessidade de não se perder dados, não haver nenhum tipo de descontinuidade. A grande preocupação que se traz é que, em se falando de abrir editais públicos, o histórico da Fundação Renova com relação às determinações do sistema CIF para que isso possa caminhar são os piores possíveis até a presente data”, criticou o expert André.
O enfoque foi reforçado pelo analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenador da CTBio, Frederico Martins. “O que a gente quer é qualidade e adequação aos termos de referência e planos de trabalho. Não conseguimos mesmo ouvir a estratégia da Renova [na reunião da CTBio] porque ficamos três horas tentando entender por que a Renova tomou essa decisão de rescisão. (…) A Câmara Técnica de Biodiversidade é essencialmente técnica. Se tiver uma boa argumentação, nós vamos ser compreensivos. O problema é que não teve justificativa e a reunião esgotou. E ao final nós pedimos, mandamos um ofício pra Renova, para resposta em sete dias (…), e a Renova não nos respondeu”, relatou.
‘Não precisamos de aprovação do CIF’
Em resposta ao coordenador da Câmara Técnica, o gerente de Governança de Programas da Fundação Renova, Carlos Anselmo da Costa Cenachi, disse que não havia recebido o citado ofício e, dirigindo-se ao presidente do CIF, disse achar “totalmente pertinente a preocupação que está sendo colocada por vários de vocês que o ponto primordial é a segurança e a garantia de que o programa não será interrompido e que o monitoramento terá continuidade que é necessária”, mas, “entendemos que cabe à Fundação essa gestão dos contratos dos fornecedores e, eventualmente, a gente poderia ter tratado melhor esse assunto em termos de comunicação, mas também entendemos que não é necessário sempre que tomar uma decisão em relação a um fornecedor, ter que solicitar uma aprovação do CIF”.
Complementando a fala, Renata Stopiglia alegou que a continuidade do programa “não será apenas através de edital”, destacando “conversas muito próximas com o presidente da Fest”, que não incluem a Rede.
Questionada pelo presidente do CIF se já haviam documentos assinados sobre as alegadas conversas com a Fest, Renata admitiu que não. E, sobre a possibilidade de alguma formalização até o dia 30, quando a Fundação determinou a rescisão do contrato com a Rede, a gerente também negou qualquer garantia. “Estamos esperando da Fest o cronograma de encerramento”, alegou. “Então eu estou satisfeito. Obrigado. Isso já me responde tudo o que eu preciso saber”, declarou o procurador-chefe nacional.
Mediante a decisão, o gerente de Governança da Renova pediu a palavra pra comunicar que “acabamos de receber o ofício agora”, referindo-se ao documento em que a CTBio pedia esclarecimentos à Renova no prazo de sete dias, encerrado no último dia 14.
“Mesmo que a CTBio não tivesse encaminhado nada, seria irrelevante, porque todo o fluxo de rescisão foi equivocado. Isso deveria ter sido encaminhado por outras formas e até que isso seja solucionado, não se pode correr o risco de ficar sem o programa. Essa é a minha visão e acho que a visão do Comitê”, ponderou Thiago.
Insistindo, Carlos Anselmo retomou a argumentação de que a reunião estava sendo desvirtuada de seu foco e que a Renova continuava sem conseguir apresentar sua estratégia de continuidade, ao que o presidente ratificou a necessidade de apresentação formal das justificativas técnicas para a rescisão, já que a postura adotada pela Fundação ao colocar em prática seu desejo de interromper o trabalho em curso da Rede foi equivocada desde o início. “Isso foi o maior problema. Vamos pro próximo item de pauta. Esse está superado”, asseverou.