Setor detém 31% das emissões do Estado, mas só prevê tecnologias como “forno a arco elétrico” para a Europa
A acomodação dos governos e da Justiça no hemisfério sul do planeta mediante as regras de mercado que regem os acordos climáticos globais oferece o ambiente político perfeito para que as corporações multinacionais sigam excluindo países como o Brasil dos investimentos em tecnologias mais avançadas de produção industrial e controle ambiental.
No Espírito Santo, esse contexto desigual, que configura um caso típico de “racismo ambiental”, mantém a siderurgia no lamentável topo do ranking das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), respondendo por 31% de tudo o que é emitido no território. São 10,4 milhões de toneladas de gás carbônico, de um total de 33,4 Mt de emissões brutas lançadas no Estado em 2021.
Em seu último relatório global de ações climáticas, publicado em julho de 2021, a ArcelorMittal Tubarão – que representa a quase totalidade da siderurgia capixaba – listou estudos e investimentos sendo feitos, por exemplo, nas chamadas novas “rotas” de produção, como o “forno a arco elétrico”, que substituem os poluentes altos fornos (são três em sua planta no Complexo de Tubarão). Há também experiências com reciclagem de sucata e com geração de energia a partir de hidrogênio. Todos na Europa.
A explicação para o “racismo ambiental” de suas escolhas coloca a responsabilidade nos governos. “As rotas específicas que serão finalmente adotadas provavelmente diferem de região para região e dependem de escolhas de políticas e da disponibilidade de financiamentos. A empresa tem conseguido acelerar os planos para a primeira usina siderúrgica de emissão de zero carbono do mundo na Espanha, por exemplo, devido à política do governo de acelerar a disponibilidade de hidrogênio verde”.
“É preciso pensar em como a indústria brasileira pode fazer essa transição para outras rotas de produção de aço, menos intensivas em carbono. Claro que não vai ser uma tarefa fácil, porque é uma indústria gigantesca, mas o assunto precisa ser discutido”, avalia Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), uma das entidades que atuou na elaboração 10ª coleção do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Lançada no último dia 1º, com base em dados oficiais do governo federal, a nova coleção do SEEG compõe uma série de projetos do Observatório do Clima (OC) voltados ao monitoramento das emissões de GEE no Brasil, como subsídio para elaboração de políticas públicas mais eficientes.
O pesquisador ressalta ainda que, no caso da siderurgia, além de excessivas emissões de gases de efeito estufa, há ainda a poluição atmosféricas e seus potenciais efeitos deletérios para a saúde da população. O controle ambiental, assinala, também precisa considerar esse aspecto, especialmente no caso capixaba, em que a gigante siderúrgica está instalada dentro da Grande Vitória, numa península fartamente atravessada por ventos marinhos contínuos durante todo o ano, que separa o bairro mais populoso da Capital do município da Serra, o mais populoso do Estado.
“É papel do governo pensar se ali ainda é um lugar ideal para uma indústria desse porte, uma vez que está muito populoso. Se não é o caso de transferir para outro lugar, mas isso, claro, depende de compromissos e interesses de arranjos que sejam viáveis para todos. É um desafio”, reflete o pesquisador do Iema, fazendo coro com a fala feita há um ano pelo então presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, deputado Rafael Favatto (Patri).
“Repito sempre aqui: se hoje fosse pedido o licenciamento de duas megaempresas [como a Vale e a ArcelorMittal] na Ponta de Camburi, jamais seria concedido. Poderia ser no máximo um complexo portuário para exportação. Mas usina siderúrgica, de pelotização, transformação, coqueria…jamais seria colocado ali, com certeza”, disse Favatto, ao anunciar uma suposta comissão de parlamentares que estava disposta a ir em loco verificar o cumprimento de medidas de redução da poluição do ar pela Vale e ArcelorMittal.
A medida teria com base os frágeis Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados pelas poluidoras com o Ministério Público Estadual (MPES) em 2018, com aval do governo do Estado e complacência da própria Assembleia, que, apesar do farto material levantado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto, em 2015, não tem se empenhado para que a redução da poluição seja levada a cabo com o rigor necessário.
Felipe Barcellos também menciona necessidade de compensação ambiental para as emissões de GEE da siderurgia, enquanto uma transformação radical das rotas de produção não acontece no lado sul do Equador, bem como no envolvimento da sociedade civil nesse processo de cobrança por evolução e respeito.
“Muito importante também pensar na compensação ambiental, com reflorestamento, por exemplo, uma vez que essa indústria vai ficar assim por muito tempo. E pensar na gestão de todo o impacto que está acontecendo. Por isso é muito importante o monitoramento da qualidade do ar na região e publicidade desses dados para a população. É necessário que o poder público e a sociedade possam avaliar quem está pagando a conta dos impactos ambientais e se essa conta está justa considerando os benefícios econômicos e sociais da produção industrial, as emissões de poluentes e outros impactos inerentes a essa indústria”.