sábado, novembro 23, 2024
21 C
Vitória
sábado, novembro 23, 2024
sábado, novembro 23, 2024

Leia Também:

Coletoras de dendê, cipó e taboa denunciam fechamento de estradas pela Suzano

Coordenação Quilombola pede ação do MPF. “Invadiram nossa terra ilegalmente”, suplicam comunidades

“A empresa papeleira (Suzano) vem há dias fazendo fechamento de estradas que as comunidades do território do Sapê do Norte usam para ter acesso às matas e brejos”. A súplica vem do território quilombola localizado entre São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, e já é de conhecimento do Ministério Público Federal (MPF).
Redes sociais

Assinada pela Associação Quilombola de Produtores de Mudas Nativas e Agricultura Orgânica do Angelim II e pela Comissão Quilombola do Sapê do Norte, a denúncia ressalta o cerceamento do direito de ir e vir das comunidades. “Entendemos que temos direito de ir e vir sem interferência, somos livres e temos de ter livre acesso ao território dentro das normalidades”. E, para além disso, os prejuízos ao trabalho de artesanato de subsistência e comercialização. “A maior parte da comunidade vive de extrativismo de cipó, dendê, taboa, etc.”, sublinham as entidades. 

Uma das comunidades prejudicadas é Angelim II, próximo a Sayonara, em Conceição da Barra. “Temos que andar quatro, cinco quilômetros com cipó na cabeça, dendê…Só passa a pé, não passa carro, moto, nem burro passa”, relata Flávia dos Santos.

Arquivo pessoal

Segundo a moradora, a Suzano alega que os fechamentos visam impedir a invasão dos eucaliptais da empresa. “O eucalipto é dela, ela tem direito de proteger. Mas tem que impedir as invasões de outra forma”, reivindica. Até porque, prossegue, quem tem intenção de invadir o eucaliptal não se sente intimidado com esses bloqueios de cimento. “Isso só está prejudicando as comunidades. Nós temos direito de circular no território”, posiciona. 

“Eles invadiram nossa terra ilegalmente”, afirma a quilombola, citando os resultados apresentados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz Celulose (atual Suzano), realizada pela Assembleia Legislativa em 2002. Resultados que, uma década depois, embasaram uma ação civil pública impetrada pelo MPF, pedindo a anulação dos títulos de propriedades adquiridos a partir da década de 1970 pela então Aracruz Celulose de forma ilegal (grilagem), e a subsequente titulação das terras às comunidades quilombolas que lá vivem tradicionalmente. Em outubro passado, a ACP recebeu uma primeira sentença favorável e a papeleira recorreu. 

Para além dos aspectos legais e judiciais, Flávia invoca a alardeada “responsabilidade social” da empresa e exige respeito e diálogo de verdade com as comunidades que vivem e recriam oásis em meio ao deserto verde de eucaliptais da multinacional, líder mundial do setor. 

Na comunidade de São Jorge, em São Mateus, a intenção de fechamento de estradas foi apresentada pela empresa no final de abril e teve resposta negativa pelas lideranças locais. “A comunidade de São Jorge diz não”, relata o presidente da Associação Pequenos Agricultores e Produtores Rurais e Descendentes de Quilombolas e Sapê do Norte da Comunidade São Jorge (APARDEQUISJ), José Genminiano Francisco, o Zé do Leite. 

Diante dos rumores de que algumas comunidades estariam aceitando o bloqueio em acordos individuais com a empresa, e outras, como o Angelim II, já estavam sendo prejudicadas pela ação, Zé do Leite é incisivo. “Precisamos discutir isso juntos, todas as comunidades”, afirma. 

Invasão 

O fechamento das estradas só agrava um problema que vem sendo discutido de forma mais eloquente desde meados de 2021, quando a Suzano adentrou de forma violenta na comunidade de Angelim II para cortar eucaliptos maduros. Denunciada, a empresa “se desculpou” publicamente

O fato suscitou uma nova rodada de negociações, em que as comunidades foram acompanhadas pelo Ministério e Defensoria Pública. A empresa chegou a sugerir que as negociações passassem a ser feitas sem a presença dos órgãos de Justiça, o que foi repudiado pelas comunidades. Na ocasião, as lideranças quilombolas voltaram a pleitear ao governo do Estado o cumprimento da Lei 5.623/1998, que determina ao Estado a titulação das terras devolutas ocupadas tradicionalmente pelas comunidades quilombolas, mesmo que posteriormente tenham passado para a posse de outros, como a indústria de celulose.

Divulgação

Diante da dupla inércia, do Estado e da empresa, a comunidade vizinha de Angelim 1 decidiu fazer uma nova retomada de terra

Um mês depois, o governo do Estado anunciou abruptamente a suspensão, por 120 dias, da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, que funciona sob coordenação da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH). A justificativa foi o pedido, pela Suzano, de realização de um estudo no território, sem a participação da secretaria coordenadora, tampouco dos órgãos de Justiça e das entidades que representam as comunidades quilombolas, sem terra e indígenas. Restabelecida em março, a Mesa não apresentou os resultados do alegado estudo.

Nesse meio tempo, tramita uma tentativa de acordo de paz entre as comunidades quilombolas e a papeleira. Da parte quilombola, o pedido é pelo recuo dos eucaliptais de dentro das áreas já reconhecidas como tradicionalmente quilombolas pela Fundação Cultural Palmares. “Retirar os eucaliptos e não plantar mais”, resume Flávia dos Santos.

Cumprida essa reivindicação, as comunidades se comprometem a não fazer mais retomadas e participar da “oficina de escuta” que a empresa quer fazer, com o argumento de que quer ouvir as comunidades e saber suas necessidades. “Eles já sabem o que a gente precisa. Já fizemos inúmeras pesquisas, está tudo lá, os relatórios, vários estudos e levantamentos. Vamos de novo ficar respondendo tudo de novo? Precisamos de terra e de recuperar a água que secou por causa dos eucaliptos”. 

Como resposta, no entanto, a Suzano devolveu o documento com ajustes de seu interesse e não recuou. “O acordo deles é até engraçado: ‘a terra é nossa, vocês não podem fazer retomada’…Isso não é diálogo”, repudia. “O advogado da Suzano disse que não pode recuar os eucaliptos porque ‘tem uma fábrica pra sustentar’. Então nós falamos que não tem acordo e que só iríamos deixar plantar mais eucalipto sobre o cadáver da gente. Aí a empresa fala que a gente está sendo truculento. E eles são o quê? As nossas retomadas não estão em negociação. É o único enfrentamento que dá resultado. No Sapê não tem nenhum território reconquistado que não foi por retomada”, explica. 

A próxima reunião da Mesa de Resolução de Conflitos, a segunda desde a misteriosa suspensão por 120 dias, está marcada para o dia 11 de maio. O assunto será levado para discussão.

Mais Lidas