quinta-feira, novembro 21, 2024
26 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

Combate à poluição por microplástico requer políticas públicas bem implementadas

Ufes integra estudo nacional que visa embasar medidas de gestão, regulamentação e educação 

Inata

Gestão adequada dos resíduos sólidos, regulamentação industrial e educação ambiental da população formam um tripé básico de medidas que precisam ser implementadas de forma eficaz para enfrentar a poluição por microplásticos, um problema global de saúde pública e meio ambiente. Embasar cientificamente as tomadas de decisões necessárias para atingir esse cenário ideal é o objetivo de um estudo nacional realizado por diversas instituições federais de ensino e pesquisa no país, incluindo a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

O Projeto MicroMar se propõe a realizar um levantamento inédito do microplástico nas praias brasileiras, do Amapá ao Rio Grande do Sul, incluindo onze praias capixabas entre o litoral de Linhares e Piúma, norte a sul do Estado. Os professores do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes Fabian Sá e Ryan Carlos de Andrade integram a equipe executora do projeto, que é coordenado pelo professor do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) Guilherme Malafaia.

Os microplásticos são partículas com tamanhos entre 100 nanômetros e 5 milímetros. A maior parte é invisível, já que 1 mm equivale ao tamanho de 1 milhão de nanômetros. Presente na água doce e no mar, essas minúsculas partículas de plástico são ingeridas continuamente por animais aquáticos e também pelo ser humano, sejam consumindo peixes ou até mesmo na água da torneira. “Uma pesquisa mais recente mostrou microplástico em artérias humanas. Também já foi verificado em placenta, pulmões. A ciência ainda não tem certeza dos efeitos deletérios na saúde humana, mas há registro da presença do microplástico nessas várias partes do corpo humano”, informa Fabian Sá.

Em animais, complementa, já há estudos apontando que as micropartículas podem ultrapassar barreiras imunológicas, afetar órgãos, tecidos e a funcionalidade celular, causando efeitos tóxicos e até letais.

Conforme explicam os pesquisadores, o plástico pode demorar até 500 anos para ser decomposto. Durante esse tempo, o intemperismo natural atua, como a radicação solar, as chuvas e os microorganismos, transformando o macroplástico em partículas cada vez menores. Esses são os chamados microplásticos secundários. Já a fonte primária advém de produtos industriais, como cosméticos, que são fabricados com microplásticos em sua composição e chegam na natureza já em tamanho micro. Há ainda a fonte atmosférica, em que as micropartículas são transportadas pelo vento, seja oriunda de fuligem da queima de plástico (lixo hospitalar, por exemplo) ou da própria decomposição em lixões e na natureza.

“No Brasil faltam estudos sobre poluição atmosférica por microplástico. Ainda temos como fonte principal os rios. Estima-se que 80% de todo o lixo marinho provêm de atividades no continente. E esse aporte se dá através dos rios”, explica Fabian Sá.

Coletas e análises

As coletas do Projeto MicroMar devem ser finalizadas no próximo mês de abril e as análises estão sob responsabilidade do laboratório do grupo do professor Fabian Sá, visando quantificar e tipificar os microplásticos, estabelecer valores de background, construir e disponibilizar mapas de distribuição da poluição microplástica, bem como determinar índices de risco de polímero e de carga poluidora. O projeto MicroMar prevê, ainda, a realização de uma análise sobre as correlações entre os níveis de poluição por microplásticos nas praias com variáveis oceanográficas, condições ambientais e com aspectos gerais do litoral brasileiro.

“Estamos fazendo um grande levantamento de todo o litoral brasileiro para termos um diagnóstico da situação das praias em relação à poluição por microplástico e, assim, mostrar o que é necessário fazer em termos de gestão, regulamentação e educação ambiental”, afirma Fabian Sá. Em âmbito nacional e estadual, ele cita ferramentas que já existem, como o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar e o Plano Estadual de Resíduos Sólidos. Este, em processo de revisão.

“Fomos convidados pela Seama [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos] para participar dessa revisão e, a partir daí, realizar um programa especifico sobre lixo marinho. Já sabemos que grande parte dessa poluição vem dos rios, então naturalmente vamos expandir esse trabalho para os municípios do interior do Estado. A ideia é, no ano que vem, inserir esse programa de avaliação e monitoramento do lixo marinho dentro do plano estadual de resíduos sólidos, com diversos projetos e ações para desenvolver a longo prazo, dialogando com outros programas que já existem dentro do plano estadual, como logística reversa e programas educacionais”, relata.

Obviamente, essas ações sobre o macroplástico irão se somar aos dados levantados pelo projeto MicroMacro, sobre microplástico, trazendo subsídios muito precisos para as tomadas de decisões. “O monitoramento do macro e do micro traz um termômetro da situação. Se está piorando, quer dizer que as ações e políticas públicas ou foram implementadas sem a devida eficiência ou não foram implementadas”, ressalta.

Entre as ações que estão no norte dos pesquisadores para recomendar aos gestores públicos, estão o cumprimento, pelas indústrias, das medidas que lhes cabem na logística reversa; o apoio do poder público na instrumentalização e capacitação dos catadores de materiais recicláveis; a educação ambiental da população; o fim do descarte fora de aterros sanitários; implementar parcerias com pescadores, para retirada do lixo do mar, como ocorre na Baía de Guanabara; e aprovação de leis que proíbam a produção de microplástico pelas indústrias.

Crise climática

“O governo federal e estadual podem ser grandes articuladores dessas medidas”, ressalta Fabian, enfatizando a necessidade de uma logística reversa bem implementada. “Hoje a lótica é linear, produz e descarta, sem retornar para a reciclagem, o reuso. E descarta mal”.

O Brasil é um dos países que mais produz plástico, mas é também um dos que menos recicla esse material, acrescenta o professor. Em 2050, há sim uma projeção de que haverá mais plástico nos oceanos do que peixes. “Em alguns lugares já é assim, como na Indonésia, com ilhas de plástico”, exemplifica, citando também as “rochas de plástico” encontradas na ilha oceânica de Trindade, a 1,2 mil km de Vitória, Capital do Espírito Santo.

Em âmbito mundial, também já há um entendimento de que a poluição plástica não é apenas uma questão de poluição aquática e terrestre, mas uma questão climática, acrescenta, dialogando com uma reivindicação feita recentemente pela Rede de Economia Solidária dos Catadores Unidos do Espírito Santo (Reunes) ao governador Renato Casagrande (PSB), para incluir os catadores de recicláveis entre os habilitados a receberem verbas destinadas ao enfrentamento à crise climática.

Há ainda o fato de que o Espírito Santo, como grande produtor de petróleo, poderia também destinar verbas mais abundantes para a gestão adequada da destinação do plástico. “É uma possibilidade também”, avalia.

CNPq e parcerias 

Até o momento, os pesquisadores do MicroMar realizaram a coleta de mais de 6,7 mil amostras de areia e água em 750 praias localizadas em 300 municípios/distritos nos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Um total de 5,5 mil quilômetros de orla já foi percorrido ao longo de julho de 2023 e fevereiro de 2024. De acordo com o coordenador do projeto, até abril de 2024, a coleta em todos os estados brasileiros litorâneos já terá sido realizada, abrangendo uma área que vai da praia de Goiabal (localizada no município de Calçoene, no Amapá) até a Barra do Chuí, no extremo sul do Brasil.

A equipe executora do projeto engloba, além de pesquisadores da Ufes e do IF Goiano, outros vinculados à Universidade do Estado do Amapá, à Universidade de São Paulo e às universidades federais de Goiás, do Pará, do Ceará, do Maranhão, do Rio Grande do Norte, Fluminense, de Alagoas, do Rio Grande, da Bahia, de Uberlândia e de Santa Catarina.

O projeto conta ainda com a colaboração de pesquisadores do Catalan Institute for Water Research e University of Girona (Espanha), Universidade de Aveiro (Portugal), Jahangirnagar University (Bangladesh), Assiut University (Egito), Universidad Nacional del Sur (Argentina), Begum Rokeya University (Bangladesh), Universiti Teknologi Brunei (Brunei), Periyar University (Índia), University of Virginia (EUA) e Leibniz-Institut für Ostseeforschung Warnemünde (Alemanha).

O projeto MicroMar é apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, em consonância com o Programa Ciência no Mar (PCMar/MCTI) e com o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar (PNCLM).

Para saber mais sobre a poluição por microplástico, acesse o vídeo do projeto, clicando aqui.

Mais Lidas