“Não existe base científica sólida pra dizer que o fumacê é realmente eficaz pra combater a dengue”. A afirmação é do infectologista especialista em entomologia e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Aloísio Falqueto. “Fumacê, sem ele ou com ele não faz diferença”, ratifica.
O pesquisador esclarece que o popular inseticida “mata sim alguns mosquitos, mas é uma medida de alta custo e não sustentável”, que requer cuidado técnico elevado, para calcular o tamanho das partículas do inseticida usado na aspersão, os melhores horários de aplicação e a regulagem das máquinas. “Consegue matar os mosquitos que estiverem voando naquele dia, mas os que nascem no dia seguinte estarão livres. Não é sustentável”, reitera.
Sobre o aumento expressivo nos casos de dengue no Brasil e no Espírito Santo em 2019 – foram 79.245 notificações de dengue no Estado, com 43 mortes; 2.922 registros de dhikungunya e 1.201 de zika; com previsão de aumento do número de infecções por chikungunya em 2020 – Aloíso Falqueto explica que os insetos possuem ciclos naturais, sazonáveis, com variações no tamanho de suas populações. “Todo local em que há aumento das chuvas e do calor, há maior proliferação de Aedes aegypti”.
Além da falta de comprovação de sua eficiência no combate aos mosquitos transmissores da dengue, zika e chikungunya, e de sua insustentabilidade econômica, há ainda um terceiro aspecto que pesa gravemente contra a continuidade da cultura do fumacê: a acomodação da população.
“Quando as pessoas veem que passa o fumacê, se eximem da responsabilidade de combate os focos de mosquitos nos fundos de quintal. É o Estado atuando de forma paternalista e intervencionista, ao invés de apoiar a mudança de atitude em relação ao que é de responsabilidade da população”, critica.
“O Estado tem que orientar como combater. Não tem sentido eu ficar na minha casa esperando que o agente de saúde venha detectar os focos de mosquito na minha casa. Cada cidadão tem que cuidar de sua casa, de seu fundo de quintal”, orienta Aloísio Falqueto.
Segundo o infectologista, quando se tem chuva e calor regular o ano inteiro, o mosquito nasce todo dia, explica. O que não justifica, por sua vez, qualquer tentativa de se aplicar o fumacê todos os dias em todas as ruas de todos os bairros. “Não nenhuma justificativa pra isso”. “A única situação seria num surto de febre amarela urbana”, diz. Fenômeno que, felizmente, não deve ocorrer pelos próximos dez anos ou mais. “Talvez isso nunca venha a acontecer”, pondera.
E completa: “Nessa passagem do ciclo silvestre da febre amarela aqui, os macacos hospedeiros ou morreram [95% dos bugios foram exterminados] ou ficaram imunizados. Não tem como o vírus circular. Nos próximos dez anos não teremos mais no ES. Temos que esperar nascer novas gerações de macacos suscetíveis e outras pessoas trazerem o vírus aqui”, explana o acadêmico, coordenador de um estudo inédito sobre a febre amarela, com coleta de mais de 26 mil mosquitos transmissores nas matas capixabas. O estudo aguarda apoio do Estado para ser concluído, após o longo período de coletas, que contou com financiamento próprio do pesquisador e trabalho de muitos voluntários.
Com relação ao Aedes aegypti, enfatiza, o que é preciso fazer é educar as crianças nas escolas para que elas orientem suas famílias em casa sobre as formas de evitar os criadouros do mosquito em casa.
“Nenhum país do mundo conseguiu controlar o Aedes aegypti. Se o fumacê fosse eficiente, os países mais desenvolvidos o usariam também”, contextualiza. “Quase 150 países no mundo possuem Aedes aegypti, e ninguém conseguiu erradicar. Os que melhor controlam a população desse inseto são os que conseguem educar melhor a sociedade”, diz.
Além da ineficiência alto custo e do seu sentido antipedagógico junto à população, o fumacê ainda provoca problemas de saúde nas pessoas e extermina todos os insetos que encontra pelo caminho, incluindo as sensíveis e necessárias abelhas, especialmente as espécies nativas, sem ferrão, fundamentais para a polinização das florestas e estabilidade da agricultura.
Operárias e larvas
Nesse ponto, o infectologista faz coro com a argumentação dos criadores de abelhas nativas, os meliponicultores, que pedem o fim do fumacê, ou ao menos, a regulamentação do horário de aplicação, como foi feito em Vitória, de forma a não ser usado nos horários em que as abelhas estão voando em busca de comida, mas sim protegidas em seus enxames.
A ineficiência do fumacê contra as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é explicada pelos meliponicultores pela falta de acesso do inseticida às tocas onde as fêmeas do mosquito se escondem, seja dentro de casa ou nos quintais e terraços. “Quem pica o ser humano é a fêmea, que vive em cantos mais escuros das casas, onde o fumacê não alcança. O macho, que é atingido pelo veneno, não se alimenta de sangue”, explicou Guilherme Plotecya, membro da Associação de Meliponicultores do Espírito Santo (AMES-ES), em matéria publicada em junho passado neste Século Diário.
Em outra reportagem, de junho passado, o biólogo e também meliponicultor da AME-ES Thiago Branco, explicou que o fumacê mata tanto as operárias, que estão voando em campo no momento da aplicação do veneno, quanto as larvas, dentro das caixas, ao receberem alimento – pólen e néctar – contaminado com inseticida ou agrotóxico.
“Primeiro as crias morrem. Depois as operárias destroem os discos das crias, pra tentar fazer novos discos para novas larvas”, aduz. As abelhas vivem, em média, de trinta a quarenta dias. Então, se as larvas morrem na caixa, as operárias que morrerem não serão repostas, aniquilando todo o enxame.
Não só as abelhas morrem como inseticida aplicado nos carros, adverte. Todos os insetos e até pássaros pequenos são afetados. “O fumacê é tão destrutivo para a biota que deveria ser proibido”, reivindica. Relatos de morte de abelhas contaminadas por agrotóxicos em lavouras ou fumacês aplicados pelas prefeituras são recorrentes em todo o Estado, tanto nas cidades quanto no campo.
Para exterminar as fêmeas, há outros métodos, exemplifica Guilherme, como as iscas já em uso em Vila Velha, e outras, testadas com sucesso em outros estados, como o GrudAedes e a Barrepel, utilizadas em Campos dos Goytacazes/RJ. “Temos boas instituições como Ufes e Ifes [Universidade e Instituto Federais do Espírito Santo], para apoiar estudos e desenvolver soluções eficientes”, sugere o meliponicultor.
Cabo eleitoral
Uma pena que, em pleno ano de eleições municipais, a tendência é que o fumacê continue sendo usado como cabo eleitoral por líderes comunitários, vereadores e prefeitos, se aproveitando da falta de conhecimento da população sobre as reais formas de combater essas doenças, e sua crença anacrônica sobre a necessidade do fumacê.